Projeto de vida é estratégia para aproximar escola e aluno do ensino médio noturno - PORVIR
Crédito: Five Buck Photos/iStock

Inovações em Educação

Projeto de vida é estratégia para aproximar escola e aluno do ensino médio noturno

Nesta primeira reportagem da série, o Porvir reuniu especialistas para analisar o cenário e trazer previsões sobre possíveis mudanças e inovações para professores e estudantes do turno noturno

por Ana Luísa D'Maschio ilustração relógio 3 de março de 2022

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Este conteúdo faz parte da
Série Ensino Médio Noturno

Não há dúvidas de que a defasagem é um desafio generalizado do ensino médio. No período noturno, esses números soam um alerta mais alto. Seja na distorção série-idade, seja nos índices de desistência ou no nível de aprendizagem adequada: 95% dos estudantes deste turno, por exemplo, finalizam o último ano sem saber o adequado de matemática, sendo que, em português, o percentual é de aproximadamente 69%, aponta pesquisa do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), de 2019.

Estudos do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) também revelam que os alunos do ensino médio noturno, em geral, têm um perfil mais vulnerável do que os do diurno, explica Ernesto Martins Faria, diretor e fundador do Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional). Os resultados são igualmente preocupantes. De todo o Brasil, informa o pesquisador, Goiás é o estado com maior nível de aprendizagem adequado tanto em língua portuguesa (29,75%) quanto em matemática (4,39%).

“A comparação dos resultados dos estudantes por turno precisa vir acompanhada do contexto em que esses alunos chegam ao ensino médio. Eles têm níveis de aprendizado diferentes e recebem um suporte fora da escola também diferente”, destaca Ernesto.

Os dados se mostram ainda mais sensíveis no cenário pós-pandemia. Análise do Saresp (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo), divulgada na quarta-feira (2), registra: alunos que concluíram o ensino médio em 2021, independentemente do período das aulas, saem com defasagem de aprendizado de quase seis anos. Em matemática, o desempenho é o pior em 11 anos: 58,7% deles inseridos na menor etapa de proficiência.

Mesmo com uma série de barreiras, a etapa escolar aplica, agora, as diretrizes do Novo Ensino Médio. O Porvir consultou especialistas para entender: quais as perspectivas de mudança, principalmente quando o assunto é o ensino médio noturno?



Escola da escolha
A resposta, segundo os entrevistados, está na possibilidade de, tanto no diurno quanto no noturno, adolescentes e jovens passarem a ver mais sentido naquilo que estão aprendendo, por meio de escolhas próprias de suas trilhas de aprendizagem. Em ambos os horários, as matérias da formação geral básica passam a ser organizadas por meio de competências e habilidades baseadas na BNCC (Base Nacional Comum Curricular).

Entre as novidades trazidas pela reforma, está o Projeto de Vida. Já comum aos alunos de período integral, a componente curricular é transversal e busca estimular os estudantes a encontrar significado em múltiplas dimensões (profissional, social, física, emocional) e motivá-los a aprender ao longo da vida, bem como auxiliá-los a tomar decisões e resolver problemas.

Também entraram em vigor para turmas de primeiro ano os Itinerários Formativos, baseados em áreas do conhecimento (linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas) ou na formação técnica e profissional. Quarenta por cento da carga horária será escolhida pelo estudante a partir de sua seleção, a fim de cursar o itinerário que mais lhe interessar.

“A possibilidade de escolha de Itinerários Formativos é o grande destaque no Novo Ensino Médio, não se restringindo a nenhum turno”, diz o superintendente de políticas educacionais da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul, Helio Queiroz Daher. “O estudante escolherá sua trajetória e aprofundará seus conhecimentos, de acordo com seu Projeto de Vida, com ampliação da carga horária de 25 horas/aula para 30 horas/aula. O estudante [noturno] passará de cinco para seis aulas diárias, sendo que nove aulas do noturno serão não-presenciais, correspondendo a 30% da carga horária semanal”, explica Helio, sobre a única diferença entre manhã e noite.

Os currículos já foram homologados em 22 estados brasileiros (Acre, Alagoas, Bahia, Rondônia e Tocantins ainda aguardam aprovação). O Novo Ensino Médio também amplia a carga horária anual (de 2,4 mil horas para 3 mil nas escolas de tempo parcial e, para as escolas de tempo integral, a ampliação será para 4,5 mil horas anuais).

“Tanto no diurno quanto no noturno, o estudante terá o direito de desenvolver competências cognitivas e socioemocionais. Dessa forma, a unidade curricular Projeto de Vida objetiva ao estudante a construção de seu futuro, de seus planos, anseios e conquistas profissionais”, reforça Helio. “A atenção para esta unidade curricular é relevante em todas as etapas da educação básica, independente do turno que o estudante esteja cursando”, afirma.

Para Caetano Siqueira, mestre em educação pela Universidade de Stanford (EUA), há grande expectativa de que o Projeto de Vida traga real significado para o estudante, principalmente aos do período noturno. “Sabemos que o ensino médio noturno, regular, não é o ideal, especialmente para quem não trabalha durante o dia. Ele existe especialmente para atender os mesmos direitos de quem trabalha, precisa conciliar as jornadas e concluir a educação básica”, afirma. “São jovens mais velhos, mais maduros, que por vezes estão em outra fase da vida. A partir da sua aptidão e das suas escolhas, eles passam a ver mais sentido na escola quando ficam mais tempo estudando o que escolheram, têm mais incentivo para não desistir”, ressalta. “Espera-se que a evasão também seja reduzida”, complementa.

Segundo Katia Smole, diretora do Instituto Reúna e ex-secretária de educação básica do Ministério da Educação, a partir de agora é preciso contar com programas organizados e sistêmicos de diminuição da defasagem, aliando-os à recomposição da aprendizagem. “Isso significa ter ações que envolvam priorização curricular, avaliação diagnóstica organizada para identificar o ponto de partida em que os estudantes estão, usar esses dados para planejar ações que envolvam os jovens em atividades que façam sentido para que eles se sintam aprendendo, e manter um acompanhamento dos resultados dessas ações”, assegura a especialista.


Confira nossa série de reportagens sobre Projetos de Vida no Ensino Médio


Equidade entre turnos
De acordo com Gustavo Mendonça, gestor do Novo Ensino Médio da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, é preciso destacar que o estudante passará mais tempo estudando aquilo que mais lhe interessa, o que está mais alinhado ao seu Projeto de Vida, sem deixar de lado as disciplinas. O aumento de carga horária do noturno, para se equiparar ao diurno, terá os mesmos conteúdos da formação geral básica e os mesmos aprofundamentos – isso é válido para todo o país.

“Dentro da expansão da carga horária, há modelos flexíveis de atendimento personalizado, no qual o aluno poderá ir uma vez por mês para tirar suas dúvidas em um plantão. Aqui em São Paulo, por exemplo, por meio do Centro de Mídias, as aulas podem acontecer de forma assíncrona. O professor transmite a aula ao vivo, que fica gravada, para que o estudante a assista no horário que for mais conveniente”, comenta Gustavo.

Katia Smole se preocupa, também, com a necessidade de apoiar os professores no planejamento de ações que ajudem a criar um ambiente no qual se aprenda, com a possibilidade de usar a tecnologia e ensino híbrido para o ensino distanciado. “Os dados de ensino noturno são piores, mas o diurno não é uma ilha de excelência”, analisa. “Nós precisamos lançar mão de problemas, de debates, de grupos de discussão, de outros recursos que apoiem o estudante a estar na escola e aprender nela”, diz Katia.

A chance de o aluno debater – e concretizar – o Projeto de Vida é fundamental para tornar a escola mais atrativa, defende Gustavo. “No Novo Ensino Médio, temos, sim, de falar muito do aluno, porque ele é o centro desse processo, mas o professor tem uma importância muito grande nessa implementação”. Por meio das formações oferecidas pelas secretarias, esclarece o especialista, o educador terá oportunidade de dar mais aulas para os alunos realmente interessados em sua disciplina. “Ao longo deste ano, vamos aprender as diretrizes para o próximo”, pontua Gustavo.

Expectativas gerais
​​Será fácil atingir resultados positivos com o Novo Ensino Médio? “Não. Mas é possível”, avalia Katia Smole, ao frisar a necessidade de planejamento e de recursos. Inclusive, o instituto que ela dirige mantém a plataforma “Nosso Ensino Médio”, que oferece formações para gestores e professores.

“O planejamento de implementação precisa contemplar não apenas a parte pedagógica, mas envolver diferentes equipes da Secretaria de Educação para ser pensado de forma sistêmica, envolvendo a equipe pedagógica, a de recursos humanos, a de transporte escolar, merenda, jurídica etc. Só assim é possível fazer o plano sair do papel”, afirma Katia.

“Sem uma proposta de implementação consistente, focada e monitorada, a implementação que é desafiadora, fica muito difícil seja no noturno ou no diurno”, diz a especialista. Para ela, o Projeto de Vida deve ser parte da formação do estudante muito antes do ensino médio. E a componente curricular merece mais atenção para os estudantes do noturno. “Em especial se considerarmos o fato de que há estudantes que estão no ensino médio noturno porque acreditam que não vão para o ensino superior, o Projeto de Vida pode ser um apoio essencial para ajudar a olhar a trajetória, as possibilidades, o percurso de vida que sozinhos eles não vislumbram”, finaliza.


Nos próximos dias, o Porvir publicará uma nova reportagem sobre o ensino médio noturno, com a participação de estudantes e professores.


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ensino médio, novo ensino médio, projeto de vida, série ensino médio noturno

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