Projeto transforma sala de aula em centro de paz
Iniciativa de ONG norte-americana no Afeganistão ensina professores e alunos a mediarem conflitos dentro da escola
por Carolina Lenoir 27 de outubro de 2014
Em meio a guerras civis e invasões que se perpetuam há mais de três décadas, o ensino no Afeganistão esbarra no enraizamento da cultura da violência não só dos portões da escola para fora, mas também nos corredores das instituições de ensino. Levadas a acreditar que somente por meio da agressão é possível chegar a solução de conflitos, crianças afegãs crescem em um ambiente de traumas físicos e emocionais. Ciente de que a melhor estratégia a longo prazo para encerrar o ciclo de medo e negligência é investir na educação desses jovens, a organização não-governamental norte-americana Help the Afghan Children (HTAC) desenvolveu um modelo educacional, chamado Peace Education Curriculum for Afghan Students.
A proposta é ensinar a juventude afegã a rejeitar qualquer forma de comportamento agressivo ao adotar os princípios da convivência pacífica, respeito à diversidade e cooperação. Mais de 86 mil estudantes e 2,7 mil professores dos ensinos fundamental e médio de 62 escolas afegãs estão envolvidos na iniciativa.
Com o Peace Education Curriculum for Afghan Students, a organização, fundada em 1993 pela afegã-americana Suraya Sadeed, ficou entre as 15 finalistas do WISE Awards 2014, prêmio que destaca ideias inovadoras em educação em todo o mundo. Um estudo conduzido pelo United States Institute of Peace com 2,8 mil crianças de sete escolas atendidas pela HTAC mostrou que, depois de três meses de implantação do programa, o número de conflitos entre alunos diminuiu 52%, enquanto os problemas solucionados pacificamente aumentaram 45%.
O modelo reconstrói a sala de aula tradicional e a transforma em centros de paz, nas quais os alunos sentam-se em torno de uma grande mesa com o professor, que atua não só como instrutor, mas também como um facilitador. “Nessas salas é criado um ambiente seguro de aprendizagem, em que os alunos se sentem confiantes para expressarem livremente seus sentimentos e ideias, sem o temor de serem punidos enquanto aprendem as matérias e trabalham em projetos”, explica o consultor da HTAC, Stephen Perlman, em entrevista ao Porvir.
Nesse ambiente, alunos que estejam enfrentando problemas com outros colegas trabalham para resolver as questões de forma pacífica, com a orientação dos professores. O corpo docente também utiliza ferramentas como a série de 16 livros “Journey of Peace”, com histórias em inglês, dari e pashto criadas pelo Centro de Estudos para a Paz da McMaster University, no Canadá. Fantoches são usados para encenar as situações vividas pelos personagens do livro, similares às dos alunos na vida real. Com isso, as crianças e adolescentes trabalham emoções como raiva, tristeza, frustação e perdão. Os alunos podem levar os livros para casa a fim de compartilhar as histórias e as lições de paz com as suas famílias.
Segundo Perlman, o currículo escolar contempla metas de aprendizagem como qualquer escola tradicional, mas a peça central do modelo aplicado nas instituições atendidas pela HTAC é a educação para a paz. “Uma das nossas estratégias é selecionar e treinar alunos para atuarem como mediadores, a fim de resolverem os conflitos antes que eles se tornem violentos. O interessante é que muitos desses mediadores são ex-bullies (valentões) que, atualmente, têm um alto desempenho escolar e aplicam as técnicas que aprenderam não só na escola, mas também no ambiente familiar.”
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Os pais também recebem orientação dos professores no início do ano letivo, quando são entregues guias com explicações sobre o que seus filhos vão aprender sobre paz na escola e dicas de como reforçar as lições em casa. Além disso, a HTAC estabelece comitês escolares com membros da comunidade, sediados em bairros perto da escola, onde os ensinamentos são multiplicados. Os comitês são compostos por reconhecidos líderes locais, pais interessados, professores e demais cidadãos.
Um dos principais desafios, porém, é o trabalho realizado com os professores. De acordo com o Perlman, a maioria tem pouco treinamento formal e muitos sequer concluíram o ensino médio. Para piorar, ainda é comum o uso de punição corporal na sala de aula. “No Afeganistão, até mesmo os melhores professores se posicionam como figuras de autoridade porque, culturalmente, é o que as famílias das crianças esperam. A HTAC fornece um programa de formação para professores selecionados pela direção das escolas. Depois do treinamento, integrantes da organização continuam observando como eles se portam em sala de aula, e a mudança têm sido muito positiva”, garante o consultor.