O que fazer para reintegrar quase 10 milhões de jovens que estão fora da escola
Pesquisa ouve 1,6 mil pessoas entre 15 e 29 anos que não estudam, retratando como a violação do direito à educação tem cor e classe social: sete em cada dez são negros, provenientes de famílias com renda de até 1 salário mínimo
por Vinícius de Oliveira 12 de março de 2024
Trazer 9,8 milhões de jovens, de 15 a 29 anos, que não concluíram a educação básica e não frequentam escola de volta aos estudos vai demandar da sociedade, e não só do poder público, uma série de políticas de atendimento específico, mesmo em um cenário de diversidade de opiniões e necessidades. Entre tantos caminhos possíveis, a necessidade de trabalhar para apoiar a família está no centro do interesse do estudante, tanto como motivo para sair quanto para retornar à escola.
A fim de compreender os principais motivos e consequências, identificar a intenção dos jovens em voltar aos estudos e investigar o potencial de iniciativas e políticas mais efetivas para promover esse retorno, o Itaú Educação e Trabalho e a Fundação Roberto Marinho lançam a pesquisa inédita “Juventudes fora da escola” nesta segunda-feira (11). A iniciativa ouviu mais de 1,6 mil jovens que estão fora da escola, entre 15 e 29 anos, em todo o território nacional, além de contar com etapa qualitativa junto a jovens e especialistas. Cinco jovens pesquisadores – eles próprios fora da escola, sem o ensino médio, atuaram em todas as etapas do levantamento.
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O estudo é resultado de uma colaboração técnica entre o Itaú e a Fundação Roberto Marinho com o Instituto Datafolha, a Conhecimento Social Estratégia e Gestão e a Rede Conhecimento Social. O levantamento traz à tona a situação de violação do direito à educação, previsto nos artigos 205 e 208 da Constituição Federal, e aponta que não há um modelo que funcione para todos.
Entre os principais achados, está que 73% dos jovens pretendem concluir a educação básica. Destes, 28% possuem o ensino fundamental incompleto, 16% o ensino fundamental completo e 29% o ensino médio completo. “O fato de termos mais de 9 milhões de jovens entre 15 e 29 anos que não frequentam a escola e não concluíram a educação básica revela uma preocupante ‘tolerância’ da sociedade brasileira em relação à exclusão educacional dos mais vulneráveis. A maioria desses jovens provém de famílias com renda per capita de até 1 salário-mínimo, sendo que sete em cada dez são negros”, afirma Rosalina Soares, assessora de pesquisa e avaliação da Fundação Roberto Marinho.
Outra constatação da pesquisadora é que para os jovens de camadas privilegiadas, concluir o ensino médio é quase uma formalidade. Para os mais vulneráveis, a violação do direito à educação é um problema negligenciado, com graves custos sociais e econômicos tanto para os indivíduos quanto para o país. Por isso, Rosalina defende ações conjuntas:
Todos os setores da sociedade precisam unir esforços para viabilizar o retorno e a conclusão da educação básica para esses jovens. Não seremos uma nação justa e economicamente forte se permitirmos que dois em cada dez jovens cheguem à vida adulta sem ao menos o ensino médio.
Outro destaque é que 77% dos jovens que saíram da escola e pretendem concluir o ensino médio têm intenção de cursar o ensino técnico, com destaque para mulheres das áreas metropolitanas e do grupo que evadiu do ensino médio – uma sinalização da importância do preparo para o mundo do trabalho na escola para que os que estão fora retornem à sala de aula.
Razões para completar a educação básica
A exclusão de quase 10 milhões de jovens da educação básica traz uma série de impactos negativos para os indivíduos e sociedade. Um deles é o chamado “efeito cicatriz”, quando a qualidade do primeiro emprego tende a impactar toda a trajetória profissional. Na esfera econômica, o país perde 3,5% do PIB (Produto Interno Bruto) por ano, o que equivale a R$ 20 bilhões.
As principais motivações dos jovens para concluir o ensino médio incluem a expectativa de melhorar sua condição profissional, com 37% buscando um emprego melhor e 15% desejando encontrar trabalho, além de 28% que almejam cursar uma faculdade. Por outro lado, entre os 27% que não pretendem terminar o ensino médio, 32% destacam a necessidade de trabalhar e 17% a obrigação de cuidar da família como as principais razões para tal decisão. Do total de jovens ouvidos, 92% concordam que concluir a educação básica ajudaria a ter melhores oportunidades de trabalho.
Na pesquisa qualitativa, os jovens reforçaram que a necessidade de trabalhar foi um dos motivadores para não concluírem os estudos, mas sinalizaram que não o teriam feito se soubessem que as oportunidades de trabalho para quem não concluiu o ensino médio são limitadas e precárias, se tivessem ajuda para conciliar o emprego e estudos e se a escola preparasse melhor para o ensino superior e mercado de trabalho.
E essa percepção dos jovens é detectada em pesquisas recentes a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua, módulo Educação, IBGE, 2022). A taxa de informalidade de jovens de 15 a 29 anos é significativamente alta e chega a 63% entre aqueles que estão fora da escola e ainda não concluíram a educação básica. Esse índice apresenta uma diminuição progressiva à medida que os jovens avançam em sua trajetória educacional: cai para 41% entre os que completaram o ensino médio, 32% entre os que têm ensino técnico e 30% entre os graduados no ensino superior.
Para Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho, a pesquisa reforça a urgência de políticas públicas e iniciativas intersetoriais para garantir educação de qualidade e preparo para o mundo do trabalho para as juventudes. “Os dados revelam a questão do mundo do trabalho como central na decisão desses jovens que estão fora da escola, seja na tomada de decisão para interromper os estudos, seja para retomá-los. Nossa tradição frequentemente dissocia trabalho e estudo, o que é um erro. Imaginar que direcionar as pessoas para o trabalho é negativo não faz sentido. Embora a exploração do trabalho infantil seja absolutamente condenável e indefensável, isso não deve impedir que ajudemos os jovens a entender e se preparar para o mundo do trabalho de forma apropriada e no momento certo”, disse.
Neste sentido, ela defende um compromisso constitucional de, na escola, jovens sejam formados profissionalmente, para que tenham condições de garantir inserção produtiva digna e dar sequência na carreira que desejarem. “Fortalecer a Educação Profissional e Tecnológica é fundamental, para que os jovens tenham formação adequada e alinhada às tendências do mundo do trabalho, assim como é urgente criarmos condições para que essa parcela da população estude e tenha oportunidades profissionais”, avalia.
Apoio emocional
O estudo ainda aponta que o currículo será mais motivador se estiver alinhado ao projeto de vida dos jovens. “Se não trouxemos o que é interessante e eles consigam vislumbrar o que é legal, ele não vai se interessar Jovens têm sonhos, e se a gente não dialogar com os desejos deles, não vai funcionar,” aponta Ana Inoue. As estratégias de apoio e o clima escolar são igualmente relevantes para que esse aluno retorne à escola. Para 52%, é importante ter professores que ajudem a superar dificuldades com os estudos, e 36% acreditam ser fundamental um bom relacionamento entre professores e estudantes, além do apoio da família para terminar a etapa escolar.
Dentro do contexto emocional, são muitas as camadas para serem acessadas. Emilly Espildora, pesquisadora da Rede Conhecimento Social, que participou das sessões com jovens ao longo da etapa qualitativa, conta que o espaço para compartilhar experiências já se mostrou valioso e três dos cinco participantes demonstraram interesse em retornar aos estudos, e de fato, alguns o fizeram. “Isso nos mostra a importância de criar espaços onde as pessoas possam dialogar abertamente sobre suas condições, trocar experiências e sentir-se acolhidas, entendendo assim a importância de retornar à escola”, disse Emily.
Em outros momentos, jovens comentaram situações em que “a professora não gosta de mim”, o professor não gosta de mim”, “a professora que é diretora da escola é a professora que menos gosta de mim”. Diante desse cenário, a pesquisadora sugere esforços de reaproximação, com políticas voltadas para esse público.
Escola mais atraente
A pesquisa também perguntou aos jovens como a escola e o curso poderiam ser mais atraentes. As principais citações foram no sentido de se o curso para concluir os estudos fosse em menos tempo (43%); que o curso prepare para entrar em uma faculdade ou passar em concurso público (35%); e o conteúdo ser voltado para aprender uma profissão (31%).
Modelo de aprendizagem
Os jovens desejam ter opções de diversos modelos para concluir os estudos, conciliar estudo e trabalho, ter flexibilidade de horários, opções de estudarem online no ensino médio regular, EJA e técnico, auxílio financeiro, creche para seus filhos, acolhimento e orientação. Os dados mostram que para 41% seria necessário estudar em um horário e trabalhar no outro, 35% sugerem ter um auxílio financeiro mensal e 32% sinalizam a importância de ter creche para deixar os filhos enquanto estudam.
Quanto às modalidades de oferta da escola e do curso, apenas 51% afirmaram que voltariam a estudar se as aulas fossem totalmente presenciais, 28% se fossem totalmente a distância, com professor online e 26% se o ensino fosse híbrido.
Já em relação ao horário das aulas, 62% voltariam a estudar se fosse no período noturno, 24% se fosse de manhã e 17% se tivessem horário flexível, para frequentar conforme a disponibilidade de tempo. Dos jovens ouvidos, 34% afirmaram que onde eles moram não têm escola com vaga disponível em horários compatíveis com sua disponibilidade.
Conexão e acesso à tecnologia
Ainda sobre as motivações para que esses jovens retomem e concluam os estudos, eles pedem que as aulas utilizem computadores e outros recursos tecnológicos (45%); ter aulas práticas, com oficinas e laboratórios para aprender fazendo (44%); e ter livro didático para o aluno levar para a casa (33%).
Vida digital
Sobre uso de tecnologia, a pesquisa revela que 70% dos jovens que estão fora da escola nunca fizeram um curso online, 23% já fizeram e 7% não têm acesso à internet. Caso tivessem a oportunidade de estudar online, 58% conseguiriam e não teriam problemas de conexão, 25% conseguiriam, mas a conexão não é boa e poderia atrapalhar e 14% não conseguiriam acessar o curso.
Bem-estar
No âmbito do bem-estar, sinalizam a importância de ter professores que ajudem a superar dificuldades com os estudos (52%); estar em uma escola com bom relacionamento entre professores e estudantes (36%); e ter apoio da família para concluir os estudos (36%).
Caminhos para um novo cenário
Jovens e especialistas apontam que não há um único modelo que funcione para todos. A solução, portanto, está na oferta de diversas possibilidades para que os jovens encontrem o melhor formato para trilhar o estudo e concluir a educação básica. Em resumo, os entrevistados do levantamento sugerem as seguintes propostas:
- Diversidade de modalidades para a conclusão: presencial, híbrida e online.
- Diversidade de horários.
- Conciliar estudo e trabalho, daí a necessidade de flexibilidade de horário.
- Auxílio financeiro.
- Auxílio-creche.
- Acolhimento e orientação.
- Tutoria.
- EJA (Educação de Jovens e Adultos) integrada à educação profissional.