Relatório apresenta conceitos e alerta para problemas das plataformas educacionais
Promovido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, o texto traz conceitos teóricos e questionamentos a respeito da presença de ferramentas tecnológicas na educação.
por Ruam Oliveira 11 de outubro de 2022
Em 2019, a pesquisa TIC Educação, que observa o uso das tecnologias no ambiente educacional, havia destacado que apenas 14% das escolas públicas utilizavam alguma plataforma de ensino a distância em suas atividades.
A pandemia mudou esse quadro. No relatório do ano seguinte (2020), plataformas de videoconferência como Google Meet, Zoom ou Microsoft Teams, já eram usadas por 80% das escolas estaduais.
Esse aumento no uso de plataformas na educação é o tema central do estudo “Educação em um cenário de plataformização e de economia de dados: problemas e conceitos”, promovido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil e lançado no final de setembro.
O estudo se detém no conceito de plataformização e nos avanços dessas tecnologias no contexto da educação. A proposta é refletir de que maneira o uso dessas ferramentas impactou – e seguirá impactando – a educação brasileira.
Um desses efeitos, problematizado na pesquisa, é o uso indevido de dados pessoais ao acessar tais plataformas. Apresentadas como gratuitas no momento da adesão, o texto aponta que, na verdade, há um pagamento que vem a ser os metadados e dados pessoais armazenados por essas empresas.
Entende-se como “plataformização” a maneira como processos da vida humana, tais como fluxos econômicos e sociais, são mediados e modulados por sistemas globais online, geralmente baseados no uso de algoritmos e inteligência artificial.
Podem ser entendidas como parte disso, além das já citadas ferramentas de videoconferência, aplicativos de troca de mensagens como WhatsApp e Telegram, o primeiro deles também bastante utilizado durante o período pandêmico nas comunicações entre escola e família.
O relatório apresenta uma revisão bibliográfica e documental a respeito desse uso de plataformas nas escolas e o que está envolvido nesse ínterim. Ou seja, quais são os questionamentos que devem ser levados em consideração agora que o uso desse tipo de ferramenta já está em curso e, de certa forma, enraizado nas escolas.
Entre os questionamentos, o próprio conceito de plataformização requer cuidados. O conteúdo bibliográfico apresentado no relatório destaca que este é um fenômeno ainda entendido de maneiras distintas. Autores consultados apontam para a necessidade de uma análise multidisciplinar para entender o fenômeno, que, segundo eles, é complexo.
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“Assim, não basta olhar apenas pelo viés da tecnologia ou da sociologia; é necessário compreender a complexidade do fenômeno como um todo e os possíveis impactos causados em diferentes áreas da vida humana”, escreve Jonas Andersson Schwarz, professor da Universidade Södertörns, na Suécia, em um dos artigos citados na pesquisa.
O relatório destaca ainda “questões centrais” para se pensar em um debate sobre a plataformização na educação. Entre eles estão a educação na era da economia de dados, o fluxo internacional de dados e inteligência artificial e gestão educacional.
Cada um desses pontos é destrinchado à luz de pesquisas e documentos lançados nos últimos anos, entre eles a própria TIC Educação citado anteriormente.
Tanto inteligência artificial, quanto acesso a dados pessoais são temas bastante presentes nas últimas discussões envolvendo tecnologia, seja no campo educacional ou não.
O uso de dados, personalização e mudança de valores
O estudo emite um sinal vermelho para a forma como os gestores escolhem utilizar essas ferramentas sem que, ao mesmo tempo, seja feita uma leitura mais crítica sobre elas.
“No senso comum, é trivial que os dados sejam usados para propiciar mais comodidade, tais como receber indicações precisas em buscas de referências, músicas ou filmes,No entanto, esse processamento oculta usos dos metadados, que não são “entregues” de forma consciente pelo usuário, por exemplo: buscas e comportamento online, geolocalização, pesquisas científicas, reconhecimento facial, dentre outros”, ressalta o texto do relatório.
Muitas vezes, essas plataformas vendem como diferencial a personalização dos serviços que, por sua vez, é criada a partir da absorção de informações pessoais que nem sempre os usuários têm consciência de estarem liberando.
“A plataformização da educação levou a uma contraposição feroz dos valores públicos, os quais são tradicionalmente ancorados em instituições, normas e códigos profissionais que são cada vez mais contornados e superados”, destaca o CGI.Br ao referenciar trecho do livro “Sociedade das Plataformas: Valores públicos em um mundo conectado”, dos autores José Van Djick, Thomas Poell e Martijn de Waal.
Os autores também ressaltam que ocorre uma mercantilização dos dados vindos da aprendizagem e que estes se tornaram uma moeda valiosa. “Em um mundo conectado, a interoperabilidade tecnológica é um veículo de comercialização e plataformas educacionais se tornaram um campo de batalha para conflitos entre interesses privados, corporativos e públicos. Portanto, a proteção da educação como um bem comum necessita de vigilância extra no que ainda é considerado um setor público, particularmente na Europa”
Plataformas e pandemia
Durante o lançamento do relatório, Marielza Oliveira, diretora de Parcerias e Monitoramento do Programa Operacional de Comunicações e Informações da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), pontuou que o período pandêmico também evidenciou pontos controversos do uso dessas plataformas na educação, como, por exemplo, a falta de conectividade para determinados grupos sociais, salientando que essas plataformas, sozinhas, não são a “salvação” ou motivo único de inovação no campo educacional.
Para ela, o aprendizado durante a pandemia foi feito à custa do direito à educação, sobretudo para grupos vulneráveis.
“Ao invés de parar para pensar sobre qual é a educação digital que queremos, a gente passou a construí-la aprofundando a educação emergencial. E tratar essa educação emergencial como um processo normal, correr atrás do que já tinha disponível em lugar de realmente pensar e planejar, fazer uma avaliação mais aprofundada do que que funciona e do que não funciona, traçar um rumo correto aí que garanta o direito e o acesso universal ao direito à educação”, afirmou.
Assista à live de lançamento da pesquisa:
Confira o relatório na íntegra