Simulações da ONU levam temas da atualidade para escolas públicas de ensino médio
Organizado em formato de eletiva, o projeto desperta o interesse dos alunos por questões internacionais e promove habilidades de comunicação
por Vinícius de Oliveira 3 de março de 2020
Debater, discordar e criar consensos para o bem comum. Essa é a rotina da vida de diplomatas que alunos de escolas públicas de ensino médio de São Paulo podem vivenciar por meio do MONUEM (Modelo das Nações Unidas para o Ensino Médio). Organizado em formato de eletiva, o projeto promove habilidades como comunicação, cidadania empatia e cooperação ao trabalhar os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) de forma transversal, ou seja, conectando temas como energia acessível e limpa (ODS 17), igualdade de gênero (ODS 5) e redução de desigualdades (ODS 10) a todas as disciplinas tradicionais.
Baseado em material didático e orientações do Colégio Bandeirantes, uma instituição privada também em São Paulo (SP), o programa chegou à primeira escola pública em 2018, após uma parceria entre o ERESP e a Secretaria da Educação Estadual, que permitiu a “adoção” da Escola Estadual Ministro Costa Manso. Mesmo localizada em um bairro de classe alta, a escola tem a maior parte de seus cerca de 300 alunos (2018) residindo em bairros afastados, na periferia da capital.
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“A lógica é internacionalizar a cabeça do estudante. Isso é vital para que ele consiga entrar no mercado de trabalho, conceber o mundo, saber onde o Brasil está e ser um interlocutor de temas importantes”, diz a embaixadora Irene Gala, ERESP (Escritório de Representação do Ministério das Relações Exteriores em São Paulo). No programa as grandes decisões sobre assuntos que impactam o presente e o futuro dos países são estrategicamente tomadas no próprio ambiente de sala de aula. “A gente insiste que o evento de simulação seja feito dentro da escola para que outros estudantes possam assistir e se sentir motivados a participar no ano seguinte. Por sua, vez a escola também percebe que pode incorporar a atividade ao seu dia a dia”.
A eletiva é organizada para durar um semestre, reunindo uma turma de 40 alunos de 1º, 2º e 3º anos do ensino médio. No currículo, está o contato semanal com noções sobre o funcionamento do sistema internacional e temas que compõem a agenda internacional. A temática das aulas e da simulação, realizada ao final do semestre, deve estar associada à agenda internacional, ainda que, em alguns minifóruns, possam ser escolhidos temas da atualidade e de interesse imediato para os alunos.
Se no primeiro semestre havia a participação direta da equipe do ERESP, atualmente todas as atividades são ministradas por alunos de relações internacionais sob a supervisão de seus respectivos professores em Instituições de Ensino Superior parceiras, como FAAP (Faculdade Armando Álvares Penteado), ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), Universidade Anhembi Morumbi, UNISANTOS (Universidade Católica de Santos), UFABC (Universidade Federal do ABC). Pelo lado da escola, um professor também era destacado para gerenciar as turmas. Ao final do semestre alunos são convocados para uma grande simulação nos moldes do que acontece nos comitês da ONU, em Nova York (EUA).
“Eu sempre acompanhava as aulas para fazer as intervenções necessárias porque as discussões tocavam em questões de ética e política que eu trato em minhas aulas de filosofia”, diz Márcio Pimentel, professor da escola Costa Manso. Na agenda de discussões levadas aos alunos estão temas presentes no currículo escolar como energias renováveis e mudanças climáticas e outros, como o Genocídio de Ruanda, ocorrido em 1994, que levam os alunos a um intenso trabalho de pesquisa para defender suas posições, inclusive aquelas que pessoalmente não são a favor.
Para o Pimentel, as simulações são importantes para que alunos consigam aprofundar seus conhecimentos e ainda fazer conexões entre os conteúdos trabalhados durante suas aulas. “Eu apresento os conceitos de direitos humanos e durante as atividades os alunos precisam entender como aplicá-los para o caso do genocídio. Essa integração para eles nem sempre é evidente e precisa ser lembrada durante as discussões”, exemplifica. “O estudante de escola pública nem sempre tem essas referência. Nossa luta é despertar o interesse para aqueles que não têm acesso. A escola precisa criar uma cultura para que os alunos continuem praticando a discussão de questões tão complexas”.
E quando a oportunidade surge, alguns não hesitam em aproveitá-la, como no caso de Manuela Lima Silva, ex-aluna da escola e que agora pensa em trilhar uma carreira no direito internacional graças à abordagem multicultural dos temas e o exercício à tolerância do outro delegado, no caso um colega de classe. “A parte que mais gostei foi conhecer leis de outros países. Essa eletiva me influenciou bastante porque antes eu não me interessava pela política (‘só falavam de corrupção’) e pensava em fazer administração de empresas”. A mudança de opinião levou Manuela a criar ainda um clube dentro da escola e ampliar as discussões para além do tempo oferecido pelo ERESP. “Eu ensinava meus colegas a como se comportar, como falar, como manter o respeito e trazer isso para dentro da escola”, disse.
Essa abertura a novos conhecimentos também é ressaltada por João Victor Vieira de Almeida, aluno do 3º ano do ensino médio da ETEC (Escola Técnica Estadual de São Paulo) Júlio de Mesquita, em Santo André (SP). O que começou com a introdução de geopolítica básica e mecanismos da ONU, logo virou um “aprendizado quase completamente novo” à medida que os exercícios avançaram. “A atividade me auxiliou para todo o futuro. Eu sou um aluno de ETIM (Ensino Técnico Integrado ao Médio) de Química, um curso na área de ciências exatas, e eu sinto que a simulação me ajudou a entender que o que eu quero para o meu futuro é algo voltado para as ciências humanas. Ainda não sei qual curso escolher, mas me guiou para a área que mais combina comigo”, disse.
Outros, como no caso de Lucas Geiss, ex-aluno da Escola Estadual Major Arcy, viram na eletiva uma chance de encontrar um propósito nos estudos e alcançar o ensino superior. Atualmente ele cursa relações internacionais na ESPM (instituição cujos alunos atuaram como voluntários no projeto) e disse que as simulações e todas as pesquisas necessárias para os debates ajudaram na preparação para o vestibular. “Querendo ou não, tratar das ODS é tratar de atualidades, de política internacional, de história de geografia, de interesses. A gente acaba aprendendo muito mais e de forma muito mais palpável”.
Após a ampliação para oito escolas no segundo semestre de 2019, chegando a Santos e Santo André, com 400 alunos impactados ao longo da jornada de um ano e meio, o projeto busca neste ano uma interiorização. No radar, estão cidades com instituições públicas que oferecem cursos de relações internacionais, como Ribeirão Preto e Marília. “A universidade pública tem obrigação de participar”, diz a embaixadora, que vê no voluntarismo de universitários uma das chaves do sucesso do programa ao permitir a discussão de temas em uma linguagem acessível para quem ainda está no ensino médio. Segundo ela, a experiência em escolas da capital paulista mostra que a participação no MONUEM tem sido benéfica para os próprios monitores. “Quando eles chegam a uma escola pública, encontram um cenário capaz de mudar sua cabeça. O que eu posso te dizer é que não tenho registro de aluno voluntário que tenha desistido”.
Também houve mudanças no quadro de parceiros privados: PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas) e PUC-Campinas (Pontifícia Universidade Católica de Campinas) também passam a integrar o projeto, que teve a saída da FAAP.
– Como alunos e professores podem participar
– Materiais do projeto para professores
Veja outros impactos listados em estudo do ERESP sobre o Projeto MONUEM:
– interesse dos alunos por questões internacionais;
– o impacto direto no processo de aprendizado dos alunos, com a apropriação de conhecimentos variados, desde temas relativos aos ODS, até a política internacional e à geografia política, com especial destaque para informações sobre os países que representavam;
– alunos de que, mesmo ainda “tímidos e envergonhados”, já se sentiam mais “corajosos” para falar em público e até mesmo diante de câmeras de TV;
– alunos dizem ter mudado hábitos diários em suas vidas devido à compreensão dos temas que compõem os ODS, como a redução do consumo de plástico;
– o testemunho dos alunos quanto ao impacto do Projeto na definição de suas perspectivas de carreira, inclusive com a possibilidade de virem a considerar mais seriamente a realização de um curso universitário.