Tecnologia é aliada na criação de aulas acessíveis a todos
Ferramentas digitais trazem funcionalidades como legendagem, contraste e libras, que permitem a participação ativa e a integração de estudantes com ou sem deficiência
por Fernanda Nogueira 26 de novembro de 2020
Um trabalho sobre imigração na aula de história do primeiro ano do ensino médio da professora Lilian Starobinas, da Escola Vera Cruz, em São Paulo, mostrou como o uso de uma ferramenta digital acessível pode facilitar a aprendizagem e a participação de todos os alunos da turma.
A educadora pediu aos estudantes que montassem uma apresentação sobre o tema, usando textos, imagens, áudios e vídeos. Eles podiam fazer no PowerPoint, por exemplo, e depois deveriam colocar o trabalho no Flipgrid. A ferramenta gratuita de comunicação por vídeo reúne os trabalhos num único lugar, dá a possibilidade de acesso aos alunos às produções dos colegas e permite a interação.
A professora, que também dá aulas de cultura digital no curso de pedagogia do Instituto Vera Cruz, usou vídeos de uma formação e materiais disponíveis na internet para aprender a trabalhar com a plataforma. Tirou ainda dúvidas com o grupo de tecnologia da escola.
“Gostei muito da produção de um aluno com paralisia cerebral. Ele fez uma pesquisa sobre o hospital Sírio Libanês. Organizou os textos e imagens para o PowerPoint. Depois, com assistência da fono, exercitou a leitura dos textos das telas e produziu a narração. No final, fechou em formato de vídeo e subiu no Flipgrid”, conta Lilian.
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Para ela, o trabalho foi um exercício interessante e permitiu que os colegas valorizassem a produção e apresentação dele. “Ao longo deste ano, mesmo com a pandemia, ele é uma pessoa importante na turma, é participativo, teve um crescimento grande. Em outro trabalho, gravamos um livro para ele ouvir. Outros alunos também gostaram. A presença dele nos provoca mudanças na maneira de trabalhar, que beneficiam a todos.”
A atividade desenvolvida pela professora Lilian mostra como plataformas digitais podem facilitar a inclusão de alunos com deficiência nas atividades feitas em sala de aula e nos estudos a distância. Podem ainda potencializar a aprendizagem e evitar a segregação dos estudantes no dia a dia escolar.
Para trabalhar com este tipo de tecnologia, a formação de professores e profissionais das Salas de Recursos Multifuncionais das escolas é essencial para que os alunos com algum tipo de necessidade especial tenham acesso e possam aprender a usar as ferramentas, segundo a fisioterapeuta Rita Bersch, diretora da Assistiva Tecnologia e Educação, que é mestre em design e atua como formadora na área de tecnologia assistiva e desenho universal para a aprendizagem.
“Temos que formar, de fato, esses atores como especialistas em acessibilidade. Muitas vezes a formação é voltada para o modelo antigo. Ele precisa entender o que é deficiência intelectual, o que é etiologia (estudo das causas da deficiência e seu modo de ação), a fisiologia”, diz Rita.
O professor precisa explorar e conhecer os recursos já disponíveis, como legenda, contraste, fonte, ampliação, cursor na tela, possibilidade de escrever pela fala, leitura em áudio. “Temos que fazer esse processo de olhar para o contexto, identificar as situações e promover uma ação da educação especial junto com a educação comum, em parceria, para que a criança participe e tenha a oportunidade de aprender”, defende Rita.
É importante também que um mediador apresente as possibilidades aos usuários, para que eles decidam o que funciona melhor para eles, de acordo com Daianne Serafim Martins, que é terapeuta ocupacional com especialização em educação inclusiva e pesquisadora em tecnologia assistiva, com mestrado e doutoranda em design pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
“O estudante precisa experimentar fazer de outro jeito, o contexto precisa permitir isso. Às vezes, o professor fica tentando fazer com que o aluno escreva letra cursiva com lápis. Está na quinta série e continua tentando isso. Enquanto ele poderia acessar todo o conteúdo de outra maneira, de formas mais flexíveis. Precisa ser permitido para ele explorar, dar feedback (retorno avaliativo), dizer se está favorecendo ele, de que forma consegue e pode fazer”, afirma Daianne, que é membro da equipe da Assistiva Tecnologia e Educação e da ISAAC (Sociedade Internacional de Comunicação Aumentativa e Alternativa).
A pedagoga Carla Mauch, que é uma das coordenadoras da Mais Diferenças – Educação e Cultura Inclusivas, também defende o teste do usuário. “A avaliação dele sobre a acessibilidade é uma das coisas mais importantes”. Para Carla, há recursos essenciais como audiodescrição, legendas, língua de sinais, libras, leitura fácil, com linguagem simplificada. “É fundamental para a pessoa com deficiência, mas traz benefícios para todos”.
Carla lembra ainda que os professores também têm dificuldades com a tecnologia. “É importante trabalhar numa perspectiva inclusiva. Não fazer aulas diferentes, para cada tipo de aluno, mas uma aula que sirva para todos, que se desdobre em muitas formas de acessar a informação.” Para ela, as secretarias de educação precisam pensar no conteúdo acessível. “Precisam pensar nos modos de ensinar e nos diferentes modos de aprender.”
Isso deve ser feito para garantir a aprendizagem, de acordo com Rita. “A tecnologia assistiva ou a tecnologia comum pode dar acesso e participação, mas a gente deve mergulhar no mundo da educação e entender quando se aprende, como, por que se aprende, o que a gente é capaz de fazer com esse conhecimento.”
Daianne explica que as ferramentas precisam ter flexibilidade para serem mais integradoras e facilitarem a inclusão. “Tem opções de acessibilidade embutidas, se não tiver, a gente precisa conseguir dispor delas de alguma forma, com softwares, aplicativos, com alternativas de teclado e mouse. É interessante que muitas ferramentas foram desenvolvidas para o acesso da pessoa com deficiência, como é o caso da voz sintetizada, hoje são um recurso comum.”
O desenho universal de aprendizagem – visão de que o design pode ser pensado de forma a permitir o uso pelo maior número possível de pessoas sem a necessidade de adequações – considera a diferença como norma e não como problema, de acordo com Rita. “O que se quer, no final, é desenvolver a habilidade de aprender.”
Luis Mauch, cofundador da Mais Diferenças, diz que o desenho universal considera que tudo precisa ser acessível. “Parte do conceito de que existem múltiplas formas de se expressar. Posso desenhar, falar, fazer gestos. O conteúdo tem que ter tudo”. A ideia é fazer com que todos se sintam comuns. “Precisa incluir todos de forma natural, de uma forma em que as pessoas se sintam iguais, não se sintam desvalorizadas. Ninguém quer se sentir especial, excluído.”
Design inclusivo
Gabriela Mateus Magalhães, líder de acessibilidade da Microsoft Brasil, explica que as ferramentas da empresa são pensadas de acordo com o design inclusivo, que entende a necessidade específica do usuário, analisa como resolver o problema no ambiente tecnológico e busca extrapolar este uso para todos.
“As legendas do PowerPoint, por exemplo, permitem que uma pessoa surda oralizada acompanhe uma aula no Microsoft Teams, mas também no ambiente da casa, com ruídos ou com o som ruim, esta é uma forma de fazer com que todas as pessoas que participam de uma reunião ou de uma aula consigam acompanhar, independente do fato de ter ou não a dificuldade de ouvir quem está falando.”
A plataforma de comunicação e colaboração Teams também inclui outras funcionalidades, como fundo desfocado – que evita distrações e ajuda a manter a atenção na leitura labial de quem fala.
Nas ferramentas do Office 365, voltado para a educação, o professor pode usar o recurso chamado verificador de acessibilidade. “Ele consegue checar se o OneNote, que é um caderno virtual, está acessível, se o PowerPoint e o e-mail estão acessíveis. No verificador de acessibilidade, há uma inteligência artificial aplicada, que faz uma varredura em todos os documentos e traz alguns insights do que deve ser corrigido ou até alguns pontos de atenção, que ele pode usar para garantir que o conteúdo é inclusivo”, afirma Gabriela.
Também é possível identificar, por exemplo, se a imagem incluída no Word ou no OneNote tem um texto alternativo – uma legenda por trás da imagem, que a descreve em palavras. Ainda é possível revisar o contraste de letras, tamanho de letras, se o vídeo do PowerPoint tem legenda. “É um recurso poderoso para garantir que professores que, eventualmente, não pensavam nisso antes, passem a produzir de forma inclusiva, com bem menos esforço, porque a inteligência artificial ajuda bastante nisso”, diz Gabriela.
No uso do PowerPoint em uma aula virtual, há ainda a possibilidade de usar legendas ao vivo – tudo que o educador fala é transcrito em português ou em outras línguas. Isso ajuda pessoas com deficiência cognitiva, por exemplo, mas também estrangeiros. Os estudantes podem usar ainda, no Word e no OneNote, o botão “ditar”, que fica no canto direito da página inicial do Office 365.
“Se um aluno não quer digitar ou não tem agilidade para digitar e prefere falar para escrever um documento pode usar esta funcionalidade, que também serve para o aluno cego”, diz Gabriela.
Há ainda a leitura imersiva, que deixa a página mais visual. “Pode fazer a leitura em voz alta do texto, pode separar no texto o que é verbo, adjetivo, substantivo, para ajudar, dependendo do aluno, a entender melhor do que se trata o texto. Funciona para muitos alunos, incluindo aqueles com algum nível de espectro autista.” Se quiser saber o sentido de alguma palavra com figuras, é só passar o mouse em cima da palavra.