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Alunos vão a campo para estudar as trajetórias das mulheres vassoureiras de Sergipe

Turmas do 6º ao 9º ano mobilizam a cidade em Itabaianinha (SE) e os povoados ao redor com exposição de fotos das mulheres vassoureiras e rodas de conversa sobre empoderamento feminino

por Marcos Paixão Bastos dos Santos ilustração relógio 1 de dezembro de 2023

A Escola Municipal Tennyson Fontes Souza desenvolve um projeto que transcende os problemas econômicos que a cerca. Localizada no Povoado Muquém, a 7 quilômetros da cidade de Itabaianinha (SE), a instituição tem um público formado por alunos de diferentes povoados (como Mata Verde, Lessa, Cajá, e Garangau). Aproximadamente 40% deles têm ligações familiares ou colegas que trabalham com a produção de vassouras artesanais, fabricadas a partir da pindoba, uma espécie de palmeira, que serve como matéria-prima. 

Considerando essa estatística e o lugar de fala dos estudantes, busco reconhecer a cultura da comunidade e das turmas do 6º ao 9º ano, por meio de um conjunto de ações interdisciplinares e transversais. Esse processo de observação da realidade é estimulado pela secretaria municipal de educação, com a iniciativa “Minha terra tem história: Itabaianinha entre narrativas e fatos”. 

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Em 2022, tive a ideia de focar na representação e nas práticas socioculturais das mulheres vassoureiras, a fim de fortalecer os vínculos entre a comunidade e a escola. Assim, nasceu o projeto “Empreender Mulher: a representação do trabalho artesanal das mulheres vassoureiras do povoado Muquem”. Contei com a parceria das professoras Claudimeire Costa da Conceição Felix e Elizângela Batista Santos durante todo o processo.

O primeiro passo foi a conversa com a coordenação da EJA (Educação de Jovens e Adultos), uma vez que muitas vassoureiras estudavam no período noturno nesta modalidade. Assim conseguimos as primeiras fontes de pesquisa, com um acervo de relatos de vida de mulheres que abdicaram de seus sonhos e da própria escolaridade para o sustento da família e de seus filhos por meio da produção da vassoura artesanal. 

Levei relatos e fotos para as turmas, que ouviram atentamente as histórias de coragem dessas artesãs, que adentram na mata fechada em busca da matéria-prima e ficam expostas a todo tipo de perigo. Muitos alunos não sabiam como era a etapa da coleta na mata, mas, ao mesmo tempo, esse cenário nos fez entender como o acesso à educação é uma grande oportunidade de transformar vidas.

Em seguida, realizamos pesquisas sobre o assunto, tanto no horário de aula quanto no contraturno. Partimos para o levantamento de fontes, e descobrimos que mais dos 90% dos artesãos listados eram na verdade artesãs. Na sequência, fomos a campo: os alunos assumiram o papel de pesquisadores e entrevistadores.

Com perguntas norteadoras para as artesãs mapeadas, os estudantes coletaram relatos, registros fotográficos e narrativas diversas em torno da produção da vassoura. Ao todo, a turma fez mais de 25 entrevistas com as famílias, além de duas visitas técnicas nas turmas de EJA. Entre as histórias apuradas, está a da senhora Eurildes Minelvina, conhecida como matriarca deste ofício na região, que produz vassouras há mais de 53 anos e aprendeu com seus avós.

O projeto não se restringiu ao povoado Muquém: ele abrangeu também os familiares dos alunos que moram nos povoados Garangau e Mata Verde, por se tratar de uma escola nucleada. Algumas das conversas foram realizadas por videochamada e ligações (com quem residia em áreas de acesso mais difícil), mas a maioria foi presencial.

Nestas visitas de campo, os alunos desenvolveram habilidades voltadas à observação, análise e documentação (termos de autorização de áudio e voz). Os vídeos e fotos capturados serviram como subsídios para divulgação e embasamento do projeto. 

Aproximar os alunos das artesãs possibilitou conhecer suas histórias, os desafios ligados ao ofício atualmente, a representação socioeconômica e, principalmente, a valorização do saber cultural. Compartilhamos os resultados na sala de aula e também com órgãos locais e autoridades, a fim de que pudessem aprimorar o trabalho das vassoureiras por meio de oficinas de aperfeiçoamento técnico. 

O resultado foi significativo e o projeto ganhou corpo na região. As parcerias aconteceram com a secretaria municipal de educação, secretaria de assistência e trabalho, Casa da Mulher de Itabaianinha, secretaria de indústria e comércio, secretaria de cultura, equipe do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e a prefeitura. Realizei um encontro com todos os parceiros, além dos alunos representantes das turmas, comunidade escolar e 31 vassoureiras entrevistadas. Também promovemos um café cultural para as mulheres entrevistadas, além de rodas de conversa e palestras sobre empoderamento feminino.

Ganhamos o 2° lugar na Categoria Ensino Fundamental da CIENART (Feira Estadual de Ciências, Tecnologia e Artes de Sergipe) e a escola Tennyson foi contemplada com uma Bolsa de Iniciação Científica da CNPq. Paralelamente, os alunos foram reconhecidos pela secretaria municipal de educação pelo trabalho desenvolvido e de grande relevância social.

Também realizamos uma exposição fotográfica na Praça Olímpio Campos, no dia 18 de outubro, com imagens do cotidiano das artesãs em seus afazeres. Montamos cartazes de divulgação, convidando escolas públicas e privadas da cidade e da zona rural do município para a mostra. Participamos também de um programa de rádio local, estendendo o convite a toda a cidade. A exposição foi apoiada pelas secretarias de cultura e comunicação, que cederam transportes escolares, som e outros materiais para que pudéssemos compartilhar com os visitantes toda a trajetória do projeto. As mulheres vassoureiras fotografadas foram nossas convidadas especiais, contando suas histórias e como o contato com os estudantes impactou positivamente suas vidas.

Clique na foto para conferir a galeria de imagens:

O projeto mobilizou a cidade e marcou a vida dos alunos e das mulheres vassoureiras. Por essa contribuição, os estudantes desenvolveram habilidades cognitivas e sociais, criticidade, argumentação, comunicação, autonomia, espírito de cooperação e respeito às diferentes práticas culturais de sua gente. Não menos importante, aprenderam na prática a valorizar o trabalho de seus pais, amigos e colegas.

A educação é um universo vivo de transcendência e experiências reais. Ela transforma, inspira e ensina, independentemente do local ou contexto. Este projeto não apenas revitaliza uma tradição valiosa, mas também ilustra o poder da educação como agente de transformação social, promovendo o envolvimento ativo dos alunos na comunidade e mostrando como a educação pode ser uma ferramenta para empoderar indivíduos e preservar as raízes culturais pessoais e coletivas.


Marcos Paixão Bastos dos Santos

Licenciado em História, tem duas pós-graduações: em docência do ensino superior e em história e cultura afro-brasileira. Mestre em história cultural, é professor (do 6° ao 9° ano) de história, artes e ensino religioso. Também é coordenador geral da etapa dos anos finais em Itabaianinha (SE).

TAGS

cultura, ensino fundamental, Prêmio Professor Porvir, uso do território

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