Unicamp oferece curso para estudantes da rede pública
Jovens recebem formação geral de dois anos e depois podem escolher um curso universitário sem fazer vestibular
por Patrícia Gomes 24 de abril de 2012
Troque as aulas tradicionais de biologia, química e física pelas de corpo humano, evolução e engenharia do ambiente. Pegue sociologia e filosofia e substitua por bioética e juventudes, cidadania e psicologia. O resultado dessa equação é o Profis (Programa de Formação Interdisciplinar Superior), um curso de formação geral de dois anos que a Unicamp oferece a alunos de escolas públicas de Campinas como forma de viabilizar a sua entrada na universidade sem que precise passar pelo vestibular tradicional.
As vagas do Profis são preenchidas por no mínimo um e no máximo dois alunos de cada escola pública de Campinas, segundo o resultado obtido no Enem. A ideia não é selecionar os 120 melhores alunos de escolas públicas da cidade, mas ter bons estudantes de todos os colégios. Ao fim de dois anos, eles têm lugar garantido na universidade, respeitando-se o número de vagas que a Unicamp disponibiliza por curso.
“O Profis é inovador por dois motivos. O primeiro é o próprio modelo de formação geral interdisciplinar, o segundo é o acesso à universidade”, diz Francisco Gomes, coordenador do programa, lançado no ano passado e ainda sem turma concluída.
No momento da elaboração do curso, afirma Gomes, a preocupação principal era que ele fosse abrangente e ajudasse a diminuir a lacuna existente entre os alunos de escola pública e a Unicamp. Uma equipe de professores de diferentes faculdades e institutos da própria universidade criou, então, uma grade curricular com disciplinas bem diferentes das do ensino médio. “Era preciso adaptar o modelo que queríamos com o que é permitido pelo MEC. Foi assim que chegamos ao Profis”, afirma.
Inspiração
Gomes afirma que a equipe buscou inspiração em modelos internacionais porque, segundo o coordenador do programa, “a tentativa de introduzir uma formação mais completa é uma preocupação crescente não só no Brasil, mas no mundo”. De acordo com Gomes, o modelo que propuseram se parece com o liberal arts college, muito comum nos EUA e no Canadá.
No liberal arts college, os estudantes têm aulas em várias áreas do conhecimento, conhecem mais possibilidades de graduação e conseguem escolher um curso universitário de forma mais consciente. “O aluno entra muito jovem e com pouca experiência de vida na universidade”, diz Flávio Sá, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp que dá aula de bioética no Profis.
De acordo com Sá, o formato mais parecido com o Profis no Brasil é o de bacharelado interdisciplinar, oferecido pela UFABC (Universidade Federal do ABC) e na UFBA (Universidade Federal da Bahia). Nos dois casos, os cursos também são de formação geral, mas se destinam a alunos que já fizeram vestibular e foram aprovados para áreas específicas (ciências humanas ou tecnologia, por exemplo). No programa da Unicamp, a formação geral é anterior à entrada na graduação.
No Profis, a intenção é que cada disciplina do curso trate dos temas propostos de maneira transversal interna e externamente. Assim, a disciplina de bioética do professor Sá, que costuma ser dada com um viés bem voltado à área da saúde na Faculdade de Ciências Médicas, ganhou tons sociais e tratou de questões como autonomia, justiça e aborto. Já as aulas de produção textual ajudaram os estudantes a fazer o relatório pedido na disciplina planeta Terra.
Apesar de o tratamento transdisciplinar dos assuntos ser uma preocupação coletiva e estar no nome do programa, Gomes admite que esse é um caminho longo a ser percorrido. “Ainda não estamos no nível que gostaríamos porque a própria Unicamp ainda engatinha nesse assunto. Mas estamos nos esforçando”, afirma.
Inclusão
Para garantir que as escolas se interessassem em divulgar o programa para seus alunos, professores da Unicamp foram a campo falar do Profis. Foi numa dessas visitas, em meados de 2010, que Sabrina Campos, hoje com 19 anos, ficou sabendo da possibilidade.
Na época, Sabrina estava no terceiro ano do ensino médio, mas nem cogitava fazer a prova da Unicamp. Nos seus planos estava prestar vestibular para publicidade –ou jornalismo, ela não tinha certeza– em uma instituição particular de Campinas.
Filha de um casal com poucos recursos, sua única chance de ser a primeira da família a entrar no ensino superior era conseguir uma bolsa do ProUni (programa do governo federal que concede bolsas parciais e integrais a alunos de baixa renda segundo seu desempenho no Enem). “Quem faz escola pública já descarta a Unicamp de cara. Não dá para passar”, diz a estudante, que foi selecionada para a primeira turma do Profis.
Como Sabrina, os outros alunos selecionados pelo programa também têm um perfil menos elitizado que o dos matriculados na Unicamp, mas mais semelhante ao da população de Campinas. O percentual de brancos e amarelos do Profis, por exemplo, é de 58,6%, contra os 82% na universidade e os 64% de São Paulo. Os negros são 11,7% dos ingressantes do programa contra os 2,3% matriculados na Unicamp.
Quando se compara a renda média, a diferença é ainda mais evidente. O grupo dos alunos que vêm de famílias com renda salarial de mais de 10 salários mínimos é o mais representativo na Unicamp, com 40% dos matriculados, e a minoria no Profis, com 2,1%. Na outra ponta, o grupo cuja família recebe entre um e três salários mínimos tem 46,7% dos ingressantes no programa contra apenas 9,2% na universidade.
Segundo Gomes, muitas instituições o procuram para conhecer o modelo transdisciplinar do Profis e suas estratégias de inclusão. “Gostaríamos de servir de inspiração para outras universidades”, diz o professor, que espera ver o programa ajudar a aumentar o percentual de alunos oriundos de escola pública na Unicamp.