Universidades, redes e escolas são essenciais para qualificar formação docente
Professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Fernando Luiz Abrucio avalia os caminhos institucionais necessários
por Redação na Rua 18 de agosto de 2016
Ana Luiza Basílio, do Centro Referências em Educação Integral
Para o professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Fernando Luiz Abrucio, a qualificação da educação está ligada diretamente a melhoria de seus insumos. Dentro dessa lógica, ele avalia que os professores ocupam um lugar chave para a mudança e que, muito embora seja consenso a necessidade de qualificar a formação docente, pouco se discute sobre os caminhos institucionais necessários para tanto.
A constatação é o que embasa a pesquisa “Formação de Professores no Brasil – Diagnóstico, agenda de políticas e estratégias para a mudança”, que coordenou. Idealizado pelo Todos Pela Educação, o estudo procurou evidenciar algumas ações estratégicas para a agenda de formação de professores no Brasil.
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Procurado pelo Centro de Referências em Educação Integral, Abrucio apresentou as etapas da pesquisa – que considerou não só a literatura existente, mas também um trabalho de campo para identificar as principais problemáticas e proposições para avançar no terreno das políticas públicas – e sobre os desafios que ainda precisam ser superados. Confira a entrevista.
Centro de Referências em Educação Integral: O que você entende por insumo da educação? Como os professores se inserem nessa lógica?
Fernando Abrucio: Insumos são o que mudam efetivamente a educação. Ideb não gera Ideb, entende? Ele é medido a partir dos insumos e o professor é o mais essencial entre eles. Por isso, temos o desafio de melhorar a formação dos docentes no mundo – não só a inicial, mas ao longo da carreira, porque é em contato com a sala de aula que esse profissional vai adquirindo outras habilidades. A profissão docente é coletiva, ou seja, depende de todo um universo formador e se efetiva muito a partir das relações que o professor é capaz de estabelecer.
CR: E quais são os apontamentos que a pesquisa faz no sentido de qualificar a formação docente?
FA: Um dos apontamentos é de que não é possível mudar a formação inicial e continuada se não for feita uma integração a um tripé formativo, que considera as universidades (os centros formadores), as redes e as escolas. Hoje, quem basicamente formam os professores são as universidades privadas que são avaliadas pelo Enade, que estabelece critérios que, no caso dos magistérios e licenciaturas, não farão que elas formem bons professores.
Quanto às redes estaduais e municipais, é preciso fortalecê-las com uma atuação mais próxima do governo. Acho que um dos caminhos é estabelecer compromissos com as universidades já prevendo que a prática docente seja estimulada já na formação inicial desses profissionais; e ainda repensar a formação continuada para que ela possa espelhar o que de fato acontece na escola. Hoje isso ainda é muito ruim.
Por fim, é preciso considerar as escolas que ainda são muito pouco ouvidas nas propostas e estruturas das formações docentes. Claro que isso está um pouco relacionado com a própria fragilidade escolar, em que os atores acabam não dedicando a carreira ou o tempo a uma única unidade, o que geraria maior envolvimento com a instituição. Por isso, acaba que as principais regras que definem a educação são feitas pelas redes e não pelas escolas, assim como a gestão das pessoas.
CR: Qual o peso da formação de professores na política educacional?
FA: Ela é essencial uma vez que trabalha com o fator que afeta a aprendizagem dos estudantes. Se você não forma bem, não adianta dar bônus, aumentar salário porque isso fará com que, no mínimo, eles sejam mais esforçados, quando a questão central é ter bons professores em sala de aula. O Brasil melhorou nos últimos 25 anos, o tamanho da universalização que alcançamos é grande quando se compara a outros países do mundo.
Mas o que falta é a percepção da importância da formação dos agentes, peça chave para mudar a qualidade educacional – talvez porque ainda objetivemos resultados a médio e curto prazo por conta das eleições. Nessa lógica, a escola aparece como um elo frágil do sistema educacional brasileiro, que também é institucionalmente fragilizado.
CR: E como preparar os professores para as demandas dos estudantes?
FA: Para além do conhecimento da disciplina, é preciso que esse profissional tenha conhecimento em didática e em metodologia de ensino. Você não dá aula de matemática, você ensina matemática, que tem a ver com fazer com que as pessoas se interessem, gostem e aprendam. Esse é o ponto essencial. Por isso a necessidade de que a formação tenha aspectos práticos, pois a sala de aula vai apresentar as suas particularidades. Ser professor é um ofício, e contra a ideia de que ele é um herói ou coitado, a prática requer a aprendizagem desse ofício. É preciso, por fim, ensinar habilidades para trabalhar em equipe, para que o docente entenda que o que vale é o resultado da atuação coletiva, mais do que a individual.
CR: Essa atuação permite que o educador seja um agente de promoção de equidade educacional?
FA: A desigualdade começa entre as escolas, quanto à distribuição dos alunos, à vulnerabilidade presente em algumas unidades mais do que em outras. Então, a meu ver, a rede tem um papel inicial nesse sentido. Mas quando a gente olha para os professores, é preciso que eles sejam formados para lidar com a diversidade, para que todos possam avançar. Eu não sou contrário a ter modelos em que se premie escolas, uma medida que pode ser saudável. Acontece que, no Brasil, essa discussão vai para outro lugar.
Os mecanismos de premiação devem ser acompanhados de mecanismos de solidariedade e cooperação. Aqui, só aparece a premiação. O professor mais experiente tem que ajudar o docente mais novo, entender que os alunos mais desenvolvidos podem ajudar os que apresentam mais dificuldades. A cultura escolar no Brasil é que ainda classifica entre os bons e ruins, e entende que os ruins atrapalham. Essa é nossa cultura pedagógica que precisa ser superada para que promovamos equidade.
CR: Recentemente, a atuação docente vem sofrendo algumas tensões como é o caso do que propõe o Escola sem Partido. Como o senhor vê a possibilidade de que professores sejam controlados em sala de aula?
FA: Acho que primeiro é preciso falar sobre o hall de bobagens. Não existe educação completamente neutra. Talvez o que precisemos é lutar por uma educação mais pluralista, mas ainda para isso é preciso que se tenha uma visão plural de mundo. Não há nada mais ideológico do que propor uma educação sem ideologia, isso é a volta da ditadura militar, que se dizia neutra ideologicamente.
Temos tantos problemas em formação, participação das famílias, e a gente perdendo tempo com uma discussão dessas… Nenhum grande educador internacional, economista, pedagogo, sociólogo colocaria isso como prioridade. Vamos nos importar sim em oferecer escolas mais flexíveis, plurais, capazes de tolerar estudantes, professores e demais atores cada qual com sua visão de mundo.Do contrário, melhor substituir os professores por robôs.
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