Pesquisa compara currículos nacionais pelo mundo
Objetivo é entender tanto práticas bem sucedidas quanto as que não obtiveram êxito para auxiliar discussão do tema no Brasil
por Fernanda Kalena 17 de abril de 2014
O que ensinar e para quem? Essas questões sintetizam os dilemas de países que passaram, ou estão passando, por processos de implantação de uma base curricular nacional. A pesquisa Desenhos Curriculares em 16 países – Análises de Foco e Contexto de Implementação, coordenada por Maximiliano Moder, especialista em educação pela Universidade de Bristol, na Inglaterra, que estará disponível em breve, compara diferentes currículos nacionais com o intuito de embasar a discussão brasileira.
“A ideia é olhar para o que está acontecendo pelo mundo. Esse estudo permite o entendimento de experiências diversas para que assim possamos aprender com elas”, conta Moder. Segundo ele, mesmo iniciativas que não foram bem sucedidas podem ser aproveitadas e auxiliar no entendimento das necessidades nacionais.
Ao pesquisar as especificidades de cada sistema educacional, Moder conta que também é possível perceber características comuns a todos os processos. “A tendência geral dos currículos é se articularem em torno do desenvolvimento de competências”, conta o pesquisador, que completa: “Competências entendidas não só como uma habilidade branda, de ser criativo ou ter empatia, mas sim entrelaçadas a conteúdos que são relevantes para a formação dos indivíduos”.
Dos 16 países inicialmente analisados, cinco foram estudados com mais profundidade, por possuírem características que, de algum modo, dialogam com as brasileiras. São eles: África do Sul, Austrália, Chile, Colômbia e Coreia.
Confira a seguir, alguns aprendizados que se podem tirar de cada uma dessas experiências.
África do Sul
O país passou recentemente por um processo de desenvolvimento de uma base curricular nacional. Também possui uma grande diversidade cultural e étnica e incorporou essa característica ao processo, com uma grande preocupação em garantir a inclusão das minorias.
Austrália
Possui um modelo recente, implantado pelo governo federal em 2008, como parte de um plano nacional que iniciou o processo de institucionalização das políticas educacionais do país. As diretrizes são nacionais, mas cada estado desenvolve seu currículo com base em um programa comum, que leva em conta as características locais, os aspectos culturais e as especificidades de cada região.
Chile
Possui os melhores resultados educacionais da América Latina. Passou por um processo de desenvolvimento e modernização curricular há 20 anos, mas a troca de partido político à frente do país estagnou o processo, que foi retomado neste ano com o novo governo. O projeto curricular chileno ressalta a importância de gerar acordos políticos que permitam dar aos programas educativos um caráter de política de Estado, e não de governo.
Colômbia
País com grande diversidade cultural, que ainda não possui uma base curricular nacional. Até 1994, a educação era descentralizada. Cada departamento (como são chamados os estados) tinha autonomia para criar seu próprio currículo e dava esta mesma liberdade às escolas.
Coreia do Sul
O currículo coreano foi elaborado com base em pesquisas e tendências internacionais, visando um plano de longo prazo e de continuidade do processo. As políticas educacionais são de responsabilidade do Estado, o que assegura o desenvolvimento dessas práticas e a flexibilidade de que precisam para se adaptarem a novas tendências.
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Apesar das semelhanças em termos de renda média e universalização recente do ensino básico, penso que os sistemas escolares do Brasil e da África do Sul não são diretamente comparáveis pelo problema adicional da língua de instrução versus língua doméstica nas escolas sul-africanas.
De acordo com o currículo nacional sul-africano, todos os alunos do primeiro ao décimo-segundo ano têm que estudar pelo menos duas línguas oficiais da África do Sul como matérias separadas na escola, sendo uma estudada no nível de Home Language (HL) e a outra estudada no nível de First Additional Language (FAL). Adicionalmente, uma das duas línguas cursadas tem que ser necessariamente a língua de aprendizagem e instrução (language of learning and teaching, ou LOLT) da escola onde o aluno está matriculado, i.e. a língua na qual as demais matérias (matemática, ciências, história, etc.) são ensinadas.
Baseado nos dados disponíveis para alunos do décimo-segundo ano, a língua inglesa responde por cerca de 80 % das matrículas no nível FAL, seguida pelo africâner (“holandês sul-africano”, ver nota explicativa 1) com aproximadamente 15 %, e pelo conjunto de todas as línguas banto (línguas nativas da África do Sul, ver nota explicativa 2) com pouco menos de 5 %. Inversamente, as línguas banto respondem por cerca de 71 % das matrículas no nível HL, seguidas do inglês com aproximadamente 20 % e do africâner com 9 %.
Basicamente, o cruzamento desses dados com as informações sobre distribuição dos alunos por língua falada em casa , ver nota explicativa 3, sugere que:
a) Aproximadamente 95 % dos alunos que falam africâner em casa estudam africâner como sua opção HL e inglês como FAL.
b) Entre os alunos que falam uma língua banto em casa, cerca de 85 % cursam uma língua nativa (geralmente a sua língua materna) como HL e inglês como FAL. Cerca de 15 % dos alunos de língua doméstica banto optam, entretanto, por cursar inglês diretamente como HL.
c) Aproximadamente 75 % dos alunos que cursam inglês como HL, cursam também africâner como FAL; os restantes 25 % cursam uma língua banto (normalmente isiZulu) como FAL.
Em geral, do quarto ano primário em diante, o inglês é a LOLT de quase todos os alunos exceto uma minoria, concentrada principalmente nas províncias do Cabo Ocidental e alguns enclaves na província de Gauteng, que usam o africâner como LOLT. As línguas banto, por sua vez, são usadas como LOLT apenas na fase de alfabetização (anos zero a três). Os exames externos finais do 12o ano (Matric), cujas notas são usadas como critrério para ingresso nas universidades públicas, podem ser feitos apenas em inglês ou em africâner conforme a escolha do aluno.
A questão que se coloca então é que a maioria dos alunos negros, que geralmente falam uma língua banto em casa, têm entretanto que aprender e prestar exames em uma língua estrangeira, no caso o inglês, que estudam apenas como “primeira língua adicional”. Em contraste, os alunos brancos, indianos e mestiços têm como língua de instrução a sua própria língua materna, no caso inglês ou africâner. Isso cria uma situação de desvantagem estrutural dos alunos negros em relação aos alunos de outros grupos populacionais, que se reflete no mau desempenho escolar dos primeiros comparado aos últimos, especialmente brancos e indianos (no caso dos mestiços, o desempenho escolar também é ruim devido a outros fatores socioeconômicos não realacionados à língua).
Notas Explicativas
1) O africâner (Afrikaans) é uma língua indo-europeia do ramo germânico ocidental derivada dos dialetos holandeses originalmente falados na Colônia do Cabo. O africâner foi padronizado como uma língua escrita separada do holandês europeu no início do século XX e adquiriu status oficial na África do Sul em 1925. À primeira vista, assemelha-se a um holandês regularizado com algumas pequenas influências de outras línguas de contato.
2) As línguas banto são um subgrupo da família nigero-congolesa dominante em uma vasta região do centro, sudeste e sul da África. As principais línguas banto faladas especificamente na África do Sul incluem (Censo da África do Sul, 2011): IsiZulu, IsiXhosa, Sepedi, Setswana, Sesotho, Xitsonga, SiSwati, Tshivenda e isiNdbele.
3) De acordo com o último censo escolar sul-africano, cerca de 83 % dos alunos matriculados no primeiro ao décimo-segundo anos falam uma língua banto em casa; aproximadamente 9,5 % falam africâner rm casa e apenas 7,5 % usam o inglês como língua doméstica.