Software auxilia pessoas com deficiência visual
F123, criado no Brasil, leva inclusão digital a cegos de 20 países, ampliando suas oportunidades educacionais e profissionais
por Vagner de Alencar 19 de julho de 2012
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, divulgou este mês, uma lista de 25 universidades pré-selecionadas para fazer parte da rede de núcleos de tecnologia assistiva criada pelo governo federal no ano passado. Tecnologia assistiva, termo ainda novo para algumas pessoas, é um conceito utilizado para identificar os recursos e serviços que proporcionem e ampliem as habilidades funcionais de pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.
A proposta é que essas instituições de ensino passem a elaborar projetos de pesquisa, desenvolvimento ou inovação para melhorar a qualidade de vida dessas. Em declaração oficial, o secretário de Ciência e Tecnologia, Eliezer Pacheco, disse que “os núcleos fazem parte de um esforço para disseminar as pesquisas de tecnologia assistiva para todo o território nacional, por que a produção é quase artesanal, já que o equipamento deve ser adaptado a cada usuário, impossibilitando a produção em escala”.
Mas algumas iniciativas isoladas têm ajudado pessoas com deficiência a terem um maior acesso a oportunidades educacionais e profissionais. É o caso do F123 , projeto criado em Curitiba, que há dois anos desenvolve um sistema de software, de baixo custo, específico para pessoas cegas ou com baixa visão para ajudá-las nos estudos e em suas carreiras.
Ao instalar o sistema no computador, pessoas com baixa visão podem, por exemplo, ampliar as letras na tela e movimentar uma lupa eletrônica usando o mouse. Enquanto para as pessoas com cegueira total, um leitor de tela, através de uma voz sintética, “lê” os conteúdos para os usuários. A partir dos comandos no teclado, é possível ouvir e seguir as instruções do computador a medida que novas janelas e abas são abertas.
“O custo alto dos softwares, que já existem no mercado, e a falta de material apropriado para capacitação são os principais fatores para a exclusão de crianças e jovens cegos ou com baixa visão. Os softwares tipicamente usados para a leitura, ou ampliação de tela, custam o equivalente a dois ou três computadores. Este valor elevado impede governos, fundações e organizações de implementarem projetos na escala necessária para obter melhorias significativas, tanto na escolaridade quanto na empregabilidade de jovens com deficiência visual”, afirma Fernando Botelho, fundador do F123.
Botelho é cego e sempre teve acesso a equipamentos que o ajudaram a estudar e desenvolver plenamente a sua carreira. É formado em sociologia pela universidade de Cornell e é mestre em relações internacionais pela Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos. Foi diretor adjunto do Banco UBS, em Zurique, na Suíça, é Ashoka fellow e recebeu, em 2010, o prêmio A World of Solutions do BID. “Uma das minhas principais motivações foi perceber que nos países em desenvolvimento, nove em cada dez crianças com deficiência visual não têm acesso à educação.”
O sistema do F123 chega a ser 50 vezes mais barato – quando adquirido em grande escala – do que outros softwares para pessoas com problemas de visão. O software mais caro do grupo F123 custa R$ 350, enquanto os tradicionais chegam a R$ 4 mil. Os softwares também são oferecidos gratuitamente em versão limitada e possuem traduções para espanhol e inglês. Além do Brasil, o sistema já vem sendo testado em 20 países, como Argentina, Peru e Uruguai, na América Latina, e até mesmo na Zâmbia e no Quênia, na África.
Veja o vídeo de estudantes franceses que foram a Curitiba conhecer o projeto em francês, com legendas em inglês:
O preço baixo do software é, segundo Botelho, uma garantia também de maior empregabilidade para os jovens. “Um estágio é a forma mais efetiva para possibilitar que uma pessoa com deficiência consiga um emprego, pois permite que um empregador dê uma oportunidade, sem assumir grandes riscos. Mas, no momento em que esse jovem tenta obter um estágio, o preço elevado do software acaba sendo um empecilho para empresa.”
Formação
O projeto F123, inclusive, criou um curso de informática dirigido a pessoas com deficiência visual. O curso Educação Livre, apenas no ano passado, capacitou 74 alunos, utilizando o próprio software para desenvolver as atividades. Entre esses formados, 55% foram empregados e 6% deles estavam envolvidos em treinamentos práticos de preparação profissional. Segundo Botelho, depois da capacitação, alguns alunos voltaram à universidade. Outros estão ocupando cargos em call centers ou trabalhando como produtores de edição de áudio para propagandas de rádio.
Marco Aurélio de Freitas, ex-aluno do curso, conta que se acostumar à leitura por voz é fácil, algo que as pessoas com deficiência visual estão acostumadas. “Muitos até me perguntam se é em português que o software está lendo devido à velocidade com que falam. Como lemos muito mais rápido do que falamos, o deficiente visual acaba se acostumando a escutar tudo de forma muito rápida, ou seja, lê muito mais rápido do que fala.”
De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2010, a deficiência visual é considerada a mais comum entre a população brasileira (atinge cerca 3,5% das pessoas, cerca de 6,5 milhões de brasileiros). Desse total, quase 530 mil são cegas e 6 milhões têm algum tipo de problema com a visão.