Movimento do Faça Você Mesmo chega à escola
Laboratórios de fabricação digital levam tecnologia de ponta a alunos, que podem prototipar ideias e aprender fazendo
por Patrícia Gomes 14 de novembro de 2013
Rodrigo Benoliel, 13, acha que quer ser engenheiro. Se assim for, quando prestar vestibular, daqui a quatro anos, ou entrar no mercado de trabalho, em quase uma década, já vai ter um portfólio recheado: robôs, modelos, circuitos e até uma maquete de casa sustentável premiada, com direito a sistemas de reaproveitamento de água e painéis solares. Seu amigo, Mário Grünbaum, 14, compartilha da experiência com as pequenas e grandes invenções e da dúvida – acha que pode fazer engenharia, se não decidir por medicina. Os garotos têm participado de aulas e oficinas de robótica desde o ano passado na escola onde estudam, o Liessin, no Rio de Janeiro.
Lá, quarta-feira é sagrado, é dia de laboratório. Dessas bancadas equipadas com furadeira, torno, fresa, peças automatizáveis de Lego e, em breve, uma impressora 3D, já saíram óculos para natação com dados sobre a performance do atleta, bengalas eletrônicas de baixo custo para cegos e todo o tipo de produto que os alunos resolvem criar a partir de seus próprios interesses. Quem comanda toda essa parafernalha – no bom sentido, claro – é Charles Lima, um típico Professor Pardal, que estudou ciência da computação e era responsável pelo laboratório de informática até entender que o futuro não estava ali. Fez o curso de engenharia mecânica e coordena, desde 2004, as oficinas de robótica do colégio. “A escola virou um celeiro de ideias”, comemora ele, que tem visto os efeitos dos momentos de experimentação irem para muito além do laboratório.
Bancadas como a de Lima e suas oficinas de robótica se multiplicam pelo Brasil. Só para se ter uma ideia desse aumento, na OBR (Olimpíada Brasileira de Robótica), que envolve estudantes de todo o país, o número de inscritos passou de 5.000 na primeira edição, em 2007, para quase 50.000 neste ano. Esses números são um indício de que o chamado “Movimento Maker” ou “do Faça Você Mesmo”, que tem aparecido com força nos Estados Unidos e na Europa, já começa a dar as caras na educação brasileira. Pelo mundo, o movimento se organiza em torno de laboratórios dentro de universidades, em locais públicos ou privados chamados de fablabs, ou laboratórios de fabricação digital.
Nesses espaços, equipados com ferramentas que a tecnologia ajudou a baratear nos últimos anos, aficionados pelo trinômio programação – engenharia – design conseguem prototipar suas ideias. Podem ser estudantes, pesquisadores, empreendedores querendo desenvolver as primeiras versões de seu produto ou pode ser só por diversão mesmo. Pela graça de criar coisas e vê-las funcionar. Além dos laboratórios em si, o mercado movimenta uma série de eventos presenciais, chamados de Maker Faires, e uma gama de publicações específicas, dentre as quais a revista Make, que ajudou a originar o movimento.
A rede de oficinas de robótica tem mais de 200 laboratórios pelo mundo, que trocam informações entre si. No Brasil, são dois, ambos em São Paulo – um ligado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e outro em uma espécie de garagem, no centro da cidade. Para o ano que vem está prevista a abertura de, pelo menos, mais um em Recife e, em ambientes educacionais, um no Insper (universidade reconhecida por seus cursos de administração, economia) e outro em uma escola no Rio de Janeiro. “Somos uma rede muito horizontalizada. Apesar de o movimento ter sido criado no MIT, ele só nos pede que sigamos uma carta de princípios, a Fab Charter. Ela é uma carta conceitual que repassa o conceito da rede, mas não um modelo rígido a ser seguido. É por isso que cada um dos fablabs possui características muito específicas e conectadas com o lugar onde está instalado e as pessoas que ali trabalham. Temos diferentes modelos de fablabs também: os mais direcionados ao mundo educacional, os do mundo profissional e aqueles que funcionam como uma estrutura pública das cidades”, explica Heloisa Neves, diretora executiva da Associação Fablab Brasil.
Impacto na aprendizagem
Dos EUA, um brasileiro é responsável, desde 2008, pelo projeto Fablab@School. Professor na Faculdade de Educação na Universidade de Stanford, o engenheiro Paulo Blikstein tem implantado fablabs dentro de escolas do mundo todo – Rússia, Tailândia, México, Dinamarca, EUA. Em geral, esses espaços contam com uma impressora 3D, uma cortadora a laser, equipamentos de robótica e são usados por professores de todas as disciplinas para desenvolver projetos. Em cada um desses fablabs, Blikstein recolhe dados e tenta gerar conhecimento científico a respeito do que esse tipo de aprendizagem é capaz de oferecer. “Todo movimento de inovação em educação tem uma fase de lua de mel, que todo mundo quer fazer. É exatamente aí que está o Maker Movement. Todo mundo quer fazer um fablab, mas isso pode também desaparecer daqui a dois anos, se a gente não mostrar os resultados. Por isso, meu foco como pesquisador é mostrar os resultados disso”, afirma.
E os resultados são nítidos, diz ele: alunos mais motivados, com mais autoestima, com capacidade de trabalhar em grupo e resolver problemas, capazes de se comunicar bem. “A criança precisa de uma porta de entrada alternativa àquela que é oferecida normalmente pela escola, que é sentar numa sala de aula e ficar ouvindo o professor. Se você oferece isso, como a oportunidade de criar projetos, robôs, dispositivos, você traz a criança para a escola e depois ela até vai assistir aula de um jeito muito diferente. Mas ela já está dentro, já está interessada em ficar na escola, já está interessada em fazer o projeto dela melhor”, afirma Blikstein.
A desenvoltura dos meninos Rodrigo e Mário ao descrever seus feitos no laboratório é prova de que confiança e propriedade são características que oficinas robótica ajudam a desenvolver. “Como eu sou bom em atividades manuais, normalmente eu fico com a parte da construção. Como construtor, gosto de ver o que eu criei com funcionamento perfeito. Se eu colocar qualquer peça no lugar errado, não funciona”, afirma Rodrigo sobre a parte do processo que mais lhe traz satisfação. “Eu gosto de ir para o laboratório porque lá eu exercito várias coisas. O trabalho de montar um robô exige programação, atenção. Quando eu termino, dificilmente alguém vai ter criado outro igual. Eu consigo me expressar pelo robô”, completa Mário.
De acordo com Blikstein, a montagem de fablabs tem custado cada vez menos devido ao barateamento dos equipamentos. Uma impressora 3D, que já foi acessível apenas para grandes corporações ou universidades de ponta, hoje custa US$ 1.500, o mesmo valor de um notebook. A fabricante brasileira Metamáquina já está desenvolvendo por aqui uma impressora a R$3.900. Nos EUA, a marca MakerBot anunciou nesta semana uma iniciativa de crowdfunding para levar um desses aparelhinhos para cada escola norte-americana.
O mais difícil na hora de desenvolver oficinas de robótica, portanto, não é o acesso ao equipamento, mas capacitar o educador para essa circunstâcia nova e incerta de troca de experiências, acredita Blikstein. “O professor precisa se familiarizar com os equipamentos, estar aberto às ideias das crianças para ajudar projetos divergentes. O encanto está na diferença”, afirma ele, que está liderando um chamado para que educadores se inscrevam num programa para trocar experiências. Heloísa concorda: “Nessa nova configuração] o papel do professor é ainda mais importante, porque ele tem que ensinar o aluno a buscar as informações no lugar certo para que tenha a capacidade crítica de triangular as informações e decidir por um caminho”.
A consequência direta dessa busca mais autônoma por conhecimento é que as informações deixam de caber nas caixinhas das disciplinas da escola ou até das graduações. Assim, para desenvolver uma flauta automatizada, por exemplo, os alunos vão usar conhecimentos de matemática, programação, música e história. Na universidade, caem até barreiras de cursos, em tese, muito diferentes. Vinícius Liks, responsável por trazer o fablab para o Insper, diz que o espaço de experimentação comum será útil para estudantes das mais diversas graduações porque os faz assumir uma nova postura diante da vida, mais ligada ao design.
“Eles serão obrigados a olhar para o problema sob diferentes ângulos. O economista e o engenheiro têm o hábito de encontrar uma solução ótima para o problema. Mas na vida real não é assim. Se muda um pouco o contexto, a solução deixa de ser ótima”, afirma Licks. Gilson Domingues, que dá aulas de design e oficinas para montar impressoras 3D também acredita que “o aprendizado afetivo” e a preocupação em prover respostas a desafios produz, inclusive, cidadãos melhores. “Os alunos passam a lidar com os problemas a partir da perspectiva de alguém que pode fazer alguma coisa. De alguém que não é mais um mero consumidor”, diz ele.
Atitude ‘maker’
Assim, os laboratórios de fabricação digital encurtam o processo de desenvolvimento de projetos, permitem que seus usuários prototipem, errem, acertem e experimentem, criam oportunidades ricas de aprendizado. Mas não fazem mágica. “Estou cansada de visitar lindos laboratórios onde o aluno continua trazendo ao técnico um pendrive com o seu arquivo e o técnico fabrica para ele o que ele [o aluno] quer. Ou seja, a divisão entre teoria e prática, ou de quem pensa e do outro que faz ainda existe. Isso nada tem a ver com nosso mundo”, afirma Heloísa.
Para a diretora da Associação Fablab Brasil, o “do-it-yourself” ou “faça você mesmo” faz com que os alunos sejam produtores de tecnologia, e não apenas consumidores. “Os alunos devem entender como trabalhar com as máquinas, com o ‘código’, com a eletrônica. Daí, eles podem transgredir e fazer com que os equipamentos trabalhem da maneira como eles querem. Os laboratórios precisam permitir que os alunos botem as mãos nas máquinas e que quebrem algumas de vez em quando. “O fablab sem uma atitude maker não é um fablab”, conclui Heloísa.
Confira infográfico que explica o movimento dos makers.