'Projetos abrem os olhos dos alunos para o mundo' - PORVIR
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Inovações em Educação

‘Projetos abrem os olhos dos alunos para o mundo’

Suzie Boss, consultora em educação especializada em aprendizado por projetos, fala como levar (sem sustos) a metodologia para sala de aula

por Vinícius de Oliveira ilustração relógio 3 de março de 2015

Quem já passeou pela seção Diário de Inovações do Porvir sabe como alunos se sentem mais motivados quando participam de projetos. Nos textos em primeira pessoa, professores relatam como alunos se tornam protagonistas de seu próprio aprendizado ao ver conexão entre a sala de aula e o mundo real.

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Para aprofundar a discussão sobre o tema e mostrar a professores um caminho baseado em projetos que vai além da teoria, o Porvir conversou com Suzie Boss, consultora em educação americana especialista em PBL (sigla em inglês para aprendizado baseado em projetos). Autora de diversos livros sobre o tema, Suzie estará nesta semana no Brasil para participar do Innovate2015, evento promovido pela Graded School de São Paulo que tem como proposta repensar a escola.

Suzie defende a abordagem baseada em projetos para “abrir os olhos dos alunos para o mundo que os aguarda”, uma vez que ela leva à colaboração tão necessária em todos os ramos de atuação profissional para dentro da sala de aula. Como acontece em outras atividades, Suzie diz que para um projeto ser bem-sucedido é primordial a aproximação do professor, que precisa se antecipar às necessidades dos alunos e fazer verificações constantes sobre o que cada grupo está desenvolvendo. Na entrevista que você lê abaixo, a especialista também cita casos marcantes saídos da sala de aula, como o projeto de mão biônica feita em impressora 3D que ajudou o filho de uma professora (veja o vídeo no final do texto).

“Ao invés de darem a resposta de forma direta, professores precisam ajudar a desembaraçar o que é importante”

Porvir: O que diferencia o aprendizado baseado em projetos de outras metodologias?
S
uzie Boss: Sempre aprendemos que cabia ao professor a decisão sobre o que seria aprendido. Era ele quem nos mostrava o que deveríamos ler para depois fazermos uma prova que avaliaria se o que foi aprendido era o esperado. Mas o mundo mudou muito desde que esse modo de ensinar apareceu há mais de um século. Precisamos fazer com que os estudantes aprendam não só o que alguém diz que é importante, mas o que é importante para eles mesmos. Isso muda a equação toda. Ao invés de darem a resposta de forma direta, professores precisam ajudar a desembaraçar o que é importante, e alunos são motivados a investigar o que querem aprender para no fim realizar uma apresentação para uma plateia ou construir um produto que funcione de verdade. Quem corre o risco de abandonar os estudos pode ver nos projetos a fagulha que acende seu interesse. Isso tem um tremendo valor na experiência educacional.

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Porvir: Esse tipo de metodologia funciona para todos os estudantes?
Suzie Boss: Não sei se é perfeito, mas sei que funciona para estudantes bem diferentes e abre a oportunidade para que o aluno mostre o que consegue fazer melhor. Nos trabalhos em grupo, você encontra estudantes que não são vistos como “estrelas” da classe descobrindo seus pontos fortes e ocupando uma posição de liderança. Por outro lado, alguns ficam frustrados por não gostarem do trabalho colaborativo e estarem acostumados a trabalhar individualmente. Para esses, os projetos servem para abrir seus olhos e são uma chance de se preparar para o mundo, porque a colaboração está no núcleo de todas as áreas de trabalho, seja do cientista ou do escritor que precisa do editor para publicar seu texto.

Porvir: A partir de qual idade professor pode começar a adotar projetos?
Suzie Boss: Não existe uma idade certa. No caso de alunos mais novos, deve haver um maior direcionamento por parte do professor porque as crianças não são tão independentes. No ensino médio, eles já têm mais condições de desenvolver um trabalho em que podem traçar seu próprio caminho.

“Primeiro é preciso pensar pequeno e não começar com trabalhos que durem o semestre todo, porque vai ser desafiador demais para administrar”

Porvir: O que professores devem fazer antes de começar?
Suzie Boss: Primeiro é preciso pensar pequeno e não começar com trabalhos que durem o semestre todo, porque vai ser desafiador demais para administrar. Um bom começo é adotar um tema já ensinado no passado, que se domina bem, mas que não trouxe satisfação com o jeito com que os alunos se envolveram. É a oportunidade de contornar esse problema e despertar o interesse das crianças desde o inicio, de um jeito em que não fiquem só memorizando, mas pensem antes de fazer algo.

Porvir: Existe uma disciplina mais preparada para projetos do que outra?
Suzie Boss: O PBL funciona muito bem de um jeito transdisciplinar, porque são grandes as chances de conectar uma área do conhecimento a outra. Professores com quem trabalhei dizem que a matemática é a mais difícil de ser abordada, porque o currículo precisa ser dado em uma determinada sequência e o projeto pode levar crianças a perguntarem sobre conceitos que elas não conseguem entender naquele momento. Por isso, alguns professores preferem adotar o ensino baseado em problemas para diminuir a amplitude dos projetos e ter mais controle sobre o que os alunos estão desenvolvendo.

Porvir: E qual a diferença entre aprendizado por projetos e por problemas?
Suzie Boss: O aprendizado baseado em problemas [Problem-Based Learning], em inglês] começou em faculdades de medicina há mais de 50 anos. Os estudantes eram bons para memorizar o conteúdo, mas o contato com o paciente mostrava que a prática não tinha muito a ver com o que os livros diziam sobre as doenças. Então surgiu a ideia de ensinar por meio do estudo de problemas criados pelos professores [os chamados cases]. As questões são formuladas pelo professor, possuem mais de uma resposta correta e podem ser resolvidas em uma aula, alguns dias ou uma semana. Geralmente, a solução é apresentada para a própria classe. Escolas de negócios e de engenharia hoje também aplicam essa metodologia. O aprendizado por projetos [Project-Based Learning] é um pouco diferente e envolve tarefas [e questionamentos] do professor e dos alunos. Os projetos tendem a durar um pouco mais e não são mera simulação. Quanto mais reais, melhor. O resultado é apresentado a uma plateia conectada ao tema apresentado, como especialistas, ou grupo de estudantes falando na prefeitura da cidade sobre a investigação.  

“O mais importante para o professor é que ele esteja preparado e saiba antecipar o que os alunos vão precisar, até para não jogar um monte de ferramentas e gastar a maior parte do tempo do projeto ensinando como utilizá-las”

Porvir: Em termos de ferramentas, existe algum kit básico para começar?
Suzie Boss: Cabe ao professor decidir quais ferramentas vai querer usar, mas a tecnologia tem um papel muito importante. Crianças podem se conectar com outras partes do mundo por meio de ferramentas de videoconferência como Skype ou do Google Hangouts. Para atividades colaborativas, aplicativos como o Google Docs funcionam. Mas o mais importante para o professor é que ele esteja preparado e saiba antecipar o que os alunos vão precisar, até para não jogar um monte de ferramentas e gastar a maior parte do tempo do projeto ensinando como utilizá-las. Esse não é o propósito.

Porvir: Que projetos mais chamaram sua atenção nos últimos tempos?
Suzie Boss: Recentemente conversei com uma professora de estudos sociais que estava trabalhando em sala de aula temas como cidadania e funcionamento do governo. O objetivo não era explicar só o lado abstrato do que significa ser um bom cidadão, mas pesquisar sobre vários problemas relacionados à comunidade onde os alunos vivem. Eles fizeram uma série de recomendações que foram apresentadas à câmara municipal, como por exemplo o controle de armas, um tema muito relevante nos EUA. A cidade teve casos de violência envolvendo arma de fogo, então era um assunto relevante para ser discutido. Em outros projetos, o resultado final é um produto. Numa classe de 8a série, o filho de três anos da professora nasceu com má formação dos dedos da mão e os alunos criaram para ele uma mão robótica usando uma impressora 3D. Eles aprenderam sobre ciência, engenharia, design e, ao mesmo tempo, muita coisa sobre empatia e como se importar pelo problema do outro. O dia em que o menino usa a mão pela primeira vez é impressionante e você não consegue não se emocionar. É emocionante, é significativo e os alunos vão lembrar da experiência para sempre.

Porvir: Por fim, que dicas você pode dar para um professor que queira iniciar o trabalho com projetos neste ano letivo?
Suzie Boss: Gosto de falar aos professores que não se começa um projeto esperando coisas maravilhosas no final sem que seja estabelecido um acompanhamento contínuo. Estar ao lado de todo o processo é a principal medida que se deve tomar. Todos os dias é preciso ir atrás do que os alunos estão fazendo, o que entenderam e como estão preparados para enfrentar o que vem pela frente. Além disso, o professor deve fazer verificações constantes para ajudar no plano de aula e, assim, saberá quais pontos são mais desafiadores, em quais os alunos estão com dificuldade e se isso é um problema com o grupo ou restrito a um único aluno. Essa avaliação, chamada de formativa, deve acontecer ao longo do projeto e não precisa de mais tempo e nem de muitos recursos. No fim, o professor também não ficará surpreso com o que foi apresentado, porque o bom trabalho final é resultado de toda a avaliação contínua que ele desenvolveu junto aos alunos.


TAGS

aprendizagem baseada em problemas, aprendizagem baseada em projetos, transdisciplinaridade

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