“Prioridade é preparar jovens para serem agentes do mundo”
Em entrevista ao Porvir, Geoff Mulgan, CEO da Nesta, traça um panorama sobre inovações educacionais e fala da importância da tecnologia
por Fernanda Nogueira 24 de agosto de 2015
Palestrante da terceira edição Transformar, evento referência em inovação em educação no Brasil, o executivo-chefe da organização do Reino Unido Nesta (National Endowment for Science Technology and the Arts), Geoff Mulgan, é enfático ao recomendar ao Brasil e a todos os sistemas de educação do mundo o investimento na preparação dos jovens para a ação. “A maior prioridade é preparar os jovens para serem agentes do mundo, não apenas passivos observadores e consumidores. É disso que a economia vai precisar mais no futuro”, afirma.
Além de comandar a Nesta, organização que combina investimentos em empresas em estágio inicial, em projetos de áreas como saúde, educação e artes, e em pesquisa, Geoff preside a Studio Schools Trust, rede de escolas que mescla aulas expositivas com aprendizagem baseada em projetos e coaching. É ainda conselheiro de governos ao redor do mundo, membro de organizações ligadas ao trabalho e à inovação, professor visitante na London School of Economics and Political Science (LSE), na University College London (UCL) e na Universidade de Melbourne e professor regular na China Executive Leadership Academy.
Entre 2004 e 2011, Geoff foi o primeiro executivo-chefe da organização The Young Foundation, que se tornou um centro líder para a inovação social, combinando pesquisa, criação e novas empresas com projetos práticos. Entre 1997 e 2004, trabalhou para o governo do Reino Unido em cargos como diretor da unidade de estratégia do governo e chefe de políticas no gabinete do primeiro-ministro. Antes disso, fundou e dirigiu a organização Demos, que promove debates políticos com o objetivo de aproximar o tema das pessoas. Geoff foi ainda conselheiro do ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown, deu aulas de telecomunicações, atuou como executivo de investimentos e foi repórter de TV e rádio na BBC.
Em entrevista ao Porvir, Mulgan traça um panorama sobre o momento das inovações educacionais, explica a importância da tecnologia para o desenvolvimento da criatividade, da inclusão social e do empreendedorismo, conta quais são os investimentos da Nesta em educação e faz recomendações ao Brasil. Confira:
Porvir – Poderia falar um pouco sobre o panorama das inovações educacionais ao redor do mundo, que será o tema de sua apresentação no Transformar 2015?
Geoff Mulgan – Há uma quantidade extraordinária de inovações acontecendo na educação ao redor do mundo. Algumas inovações estão usando a tecnologia de formas criativas, como novas ferramentas para adaptar a aprendizagem às habilidades do aluno, ou fornecendo feedback detalhado. Exemplos vão desde os milhões de jovens que usam os mini-computadores Raspberry Pi para aprender a codificar, os MOOCs, como Khan Academy, que está levando a aprendizagem à distância a um novo nível, e ficando cada vez mais acessível. Outros são bem pouco tecnológicos, como o Pratham, na Índia, ou o BRAC, em Bangladesh e no leste da África. Outros ainda estão linkando a aprendizagem à mídia, como a Soul City, na África do Sul. No entanto, a educação como um todo ainda é pobre na capacidade de avaliar quais inovações funcionam e por que, e quais merecem ser espalhadas. Esta será a prioridade máxima nos próximos anos.
Eu também acredito que as inovações mais importantes começam não com uma solução – como uma nova tecnologia – mas com uma necessidade, por exemplo, como preparar melhor os jovens para o provável futuro do mundo do trabalho e da vida. Um bom exemplo é o modelo da Studio School, que coloca projetos práticos no coração do currículo. Adolescentes trabalham em equipe e com empreendedores para resolver problemas, aprendendo ciência e matemática, mas também aprendendo como colaborar e como serem criativos.
Porvir – Por que a tecnologia digital é um fator essencial para a expressão criativa, a inclusão social e a criação de negócios?
Mulgan – Tecnologias digitais mudam cada aspecto da aprendizagem, desde o ensino à avaliação, mas a educação tecnológica tem sido muito irregular em seu impacto. Reivindicações excessivas foram feitas no passado – por exemplo dar um laptop a cada criança – e muito dinheiro foi desperdiçado. Repetidas vezes nós aprendemos que você tem que combinar tecnologias com novas formas de organizar a educação, e com professores confiantes, para conseguir os melhores resultados. E globalmente a educação tecnológica tem sido mais forte na promoção do que na evidência. Este é o motivo pelo qual nós defendemos e estabelecemos novas instituições para avaliar o que funciona e ajudar professores a saber quais métodos eles devem copiar, e quais tecnologias eles devem adotar.
Porvir – Poderia dar alguns exemplos de investimentos da Nesta na educação?
Mulgan – Recentes exemplos incluem investimentos na aprendizagem adaptativa (Cogbooks), em avaliações digitais (Digital Assess) e em novas formas de ajudar jovens a conquistar estágios (Getmyfirstjob). Uma grande prioridade para nós nos últimos anos tem sido dar aos jovens mais oportunidades para aprenderem como serem ‘makers’ digitais – codificando, programando, criando websites, o que neste ano é a prioridade máxima para a BBC. Nós também estamos fazendo experimentos práticos – por exemplo para descobrir como tirar o melhor proveito de novos métodos, como a sala de aula invertida (flipped learning), em que as crianças aprendem principalmente online em casa, e usam o dia na escola para focar na aprendizagem da solução de problemas e de habilidades sociais; ou novos métodos de coaching e de treinamento de professores. Os melhores métodos usam tecnologias onipresentes e baratas – smartphones, por exemplo – mas tomando cuidado para pensar sobre como eles vão se encaixar no sistema de educação mais amplo.
Porvir – Que recomendações daria para o desenvolvimento da educação inovadora no Brasil?
Mulgan – Defendo uma ênfase idêntica na experimentação criativa e na evidência concreta. Mas a mais importante prioridade de todas é preparar os jovens para serem agentes do mundo, não apenas passivos observadores e consumidores. É disso que a economia vai precisar mais no futuro. Estima-se que quase metade de todos os empregos nos Estados Unidos serão substituídos por processos automatizados nos próximos 20 anos. Aqueles que permanecerão serão aqueles que envolvem criatividade, inteligência social e, em alguns casos, destreza. Eu acredito que sistemas de educação precisam colocar muito mais ênfase nestas habilidades não cognitivas: como imaginar, criar, trabalhar com os outros e resolver problemas.