Professora troca prova de recuperação por projeto interdisciplinar
Contra a repetência e evasão escolar em comunidade rural, educadora conta como desenvolveu projeto para respeitar os interesses e diferentes ritmos de aprendizagem
por Cristiane Silva de Meireles Cardoso 19 de dezembro de 2018
Sou professora de história em uma escola pública na cidade de Itamaraju (BA). Para auxiliar alunos dos 1º, 2º e 3º anos do ensino médio que estavam em situação de “expectativa de reprovação” do ano letivo, desenvolvi um projeto de intervenção com práticas inovadoras e interdisciplinares para substituir a prova de recuperação.
Dos 345 alunos matriculados na instituição, busquei resgatar 41 que estavam até então “reprovados” por não se adaptarem aos processos metodológicos e didáticos praticados no colégio em 2016. Neste período, a instituição estava em processo de transição para a escola de tempo integral, com estruturas, currículo e metodologias diferentes dos anos anteriores.
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Com a proposta de contemplar os direitos de aprendizagem dos estudantes, com vistas também no currículo oculto e pluriepistêmico, desenvolvi um plano vivo, construído por meio da exploração, criação, troca, comunicação e respeito.
Por meio da articulação de saberes, ampliação da visão de espaços de aprendizagem fora da sala de aula e participação dos alunos, trabalhei o gosto pela construção do conhecimento como uma forma de intervir nos resultados finais das avaliações. Ao estudante participante do projeto, seria atribuída uma nota de recuperação nas unidades dos bimestres e componentes curriculares em que este se encontrava com a média abaixo do aceitável.
Convidei colegas da instituição e juntaram-se a mim alguns professores das áreas de linguagens e humanas para derrubarmos concepções cristalizadas e experimentarmos uma forma diferente de se ensinar e aprender, sustentando que tudo pode acontecer em favor da autonomia e aprendizagem ativa.
Para materialização da proposta, escolhemos um local onde fosse possível desenvolver pesquisas, interagir, vivenciar aprendizagens, trabalhar em grupo, exercer autonomia e protagonismo. Foi assinalada, então, uma comunidade rural de assentamento pelo Programa Federal de Reforma Agrária ‘Cédula da Terra’, próxima do perímetro urbano.
Escolhemos esse local por possuir peculiaridades que nos interessava como possibilidade de pesquisa. Fizemos uma visita estratégica para solicitação de ‘ocupação’, entrevistas, interação e participação nas atividades da comunidade.
Como atividades pré-campo, acionamos a gestão do colégio para nos dar suporte com os recursos financeiros e logísticos. Também conversamos com alunos para apresentação da ideia de visita e construção do conhecimento. Fizemos aulas para o levantamento de possíveis temas e interesse de estudos, tudo a partir da observação e discussão de fotografias do local.
Os temas escolhidos pelos alunos foram: empreendedorismo, máquinas no campo e tecnologias, estrutura e forma do movimento social em favor da reforma agrária Cédula da Terra, monocultura e policultura, histórico e transformação da Casa de Farinha, comércio da comunidade, reservatório e distribuição de água, além das formas de saneamento básico, compostagem, energia, entre outros conhecimentos produzidos a partir da curiosidade e desejo de conhecer e aprender.
Ao chegarem ao assentamento, os alunos visitaram as casas, as garagens, as fábricas, a Casa de Farinha, as plantações e as fazendas para analisar como eles usavam a água. Tudo foi registrado por meio de pesquisa, fotografia, entrevistas e observação.
De volta à escola, consolidaram seus conhecimentos a partir da pesquisa empírica (do que foi visto e vivenciado) em confronto com a pesquisa bibliográfica e estudo do tema. Posteriormente, eles fizeram a construção do produto final por grupo de interesse, que poderia ser um portfólio ou álbum de todo o processo de suas aprendizagens, contendo fotos, imagens e textos. Alguns acrescentaram pequenos vídeos em CDs anexados na capa do trabalho encadernado.
Como fechamento das atividades, foram realizadas apresentações orais dos trabalhos desenvolvidos e autoavaliações descrevendo, individualmente, suas percepções de todo o percurso do trabalho.
O projeto trouxe expectativa de inclusão, respeito ao ritmo de cada aluno e educação humanizadora, preocupada com a formação de um cidadão crítico e participativo na sociedade. Todos os alunos participaram das atividades e, dos 41, 38 foram aprovados para a série seguinte, em processo de resgate e ação contra a repetência e evasão escolar.
Cristiane Silva de Meireles Cardoso
Mestranda pela UFSB (Universidade Federal do Sul da Bahia), no programa de pós-graduação em ensino e relações étnico-raciais. Possui graduação em pedagogia pela Universidade Estadual de Santa Cruz (1991) e graduação com licenciatura em história pela Universidade de Uberaba (2009). Atualmente é técnica superior em educação, na Secretaria Municipal de Educação de Itamaraju-BA (início em 1998), e professora de história e outras disciplinas da área de humanas, do ensino médio, na Secretaria de Educação do Estado da Bahia (início em 1994). Tem experiência em assessoria para Secretaria Municipal de Educação e coordenação escolar.