Projeto apresenta mulheres inspiradoras a estudantes
Inquietação da professora Gina Ponte deu origem ao trabalho que visa romper com a visão da mulher objeto, presente na mídia
por Redação na Rua 17 de agosto de 2015
A professora Gina Vieira Ponte usou um vídeo de uma de suas alunas como incentivo a colocar o projeto Mulheres Inspiradoras em prática. Na filmagem, postada nas redes sociais no final de 2013, a aluna de 13 anos dançava de forma sensual, e não se mostrou ofendida por comentários desrespeitosos recebidos de meninos. Isso foi o suficiente para que Gina começasse a estudar o tema, com o objetivo de apresentar novos modelos femininos aos 150 alunos do 9º ano do Centro de Ensino Fundamental de Ceilândia (DF).
A docente do Centro de Ensino Fundamental 12 de Ceilândia notou que esse comportamento era uma reprodução de um padrão de mulher amplamente promovido pela mídia e que, em muitos casos, essa representação é uma das poucas referências que muitas das meninas têm para construir a sua identidade.
A partir de uma leitura crítica dessa representação, decidiu iniciar o projeto, para oferecer outros modelos de mulheres para suas alunas – e também para os alunos. “Se aquela menina estava reproduzindo um padrão de mulher divulgado pela mídia, por que ela não podia se referenciar em outras histórias de mulheres inspiradoras?”, indagou a professora.
Ela decidiu, então, utilizar suas três aulas semanais em um projeto interdisciplinar, na parte diversificada do currículo, para fazer um projeto com os alunos. O primeiro passo foi organizar uma apresentação em um vídeo, mostrando mulheres que têm muita exposição na mídia, além de outras mais “desconhecidas”, como escritoras, médicas, jornalistas e mulheres que foram e são importantes para a História do Brasil e do mundo.
Ela relata que os alunos reconheceram somente as mulheres famosas mostradas no vídeo, o que confirmou sua tese de que havia espaço para mostrar outras referências para os estudantes.
O próximo passo foi trabalhar com a leitura de livros de todos os gêneros literários, com exemplos de mulheres fortes, de diferentes classes sociais, cor de pele, nível de escolarização e de diversas faixas etárias.
Entre os livros que foram trabalhados ao longo do projeto estão: O Diário de Anne Frank, Eu sou Malala, Quarto de despejo: diário de uma favelada, de Maria Carolina de Jesus, e dois títulos de Cristiane Sobral: Espelhos, Miradouros, Dialéticas da Percepção; e Não Vou Mais Lavar os Pratos.
Para conseguir os livros ela conversou com os estudantes e, quem podia, contribuiu com R$ 15 para a compra coletiva. As edições de Quarto do despejo foram conseguidas por meio de doação. A docente explica que os alunos liam em casa, mas que durante as aulas também trabalhavam alguns trechos coletivamente.
“Fiz uma leitura na sala porque alguns alunos já tinham um percurso rico de leitura, mas outros nunca tinham lido um livro completo na vida. Eu tinha que mostrar que as obras eram interessantes e li em sala de aula vários trechos que geraram mais interesse pelo material”.
Concomitantemente, a professora dividiu a sala em grupos que tinham como tarefa apresentar um trabalho de uma mulher inspiradora. Ao todo, Gina apresentou 10 mulheres para os seus alunos: Anne Frank, Carolina Maria de Jesus, Cora Coralina, Irena Sendler, Lygia Fagundes Telles, Malala, Maria da Penha, Nise da Silveira, Rosa Parks e Zilda Arns.
Ela também levou para a sala de aula , presencialmente, a escritora Cristiane Sobral, a médica Patricia Melo Pereira, a educadora Madalena Torres que dedicou a vida a educar jovens e adultos e Creusa Pereira dos Santos Lima, antiga professora de Gina. Durante as conversas, elas contavam suas histórias de vida, relatando as dificuldades que enfrentaram, principalmente no quis diz respeito a questões de gênero e raça.
Na última etapa do projeto, os alunos escolheram alguma mulher inspiradora do círculo deles. Eles as entrevistaram e apresentaram um texto contando as histórias delas que, em sua maioria, eram avós, mães e líderes de igreja da região. A própria Gina foi entrevistada por alguns alunos.
“Li mais de 150 entrevistas e fiquei assombrada com o material. Histórias de mulheres fortes que superaram histórias de vida muito sofridas. Muitas foram chamadas a cuidar dos irmãos muito cedo, outras tiveram que se tornar empregadas domésticas aos 12 anos para sustentar a família; muitas migrantes, muitas criaram os filhos sozinhos e outras tantas que sofreram com violência doméstica”.
Ela deixou a disposição dos alunos o seu perfil no facebook para que eles pudessem tirar dúvidas sobre a escrita do texto e sobre como deviam conduzir a entrevista. Para a professora, isso foi um passo essencial para a concretização do projeto, fortalecendo, ao mesmo tempo, sua relação com os estudantes.
Resultados
Segundo a docente, após o término do projeto, as meninas estavam mais seguras de si, falando delas próprias e das mulheres de uma forma diferente, menos objetificada. “Elas perceberam que existem outras referências femininas e que não estão obrigadas a reproduzirem o padrão imposto pela mídia. As meninas viram que tinham mais a oferecer do que ser um símbolo sexual”.
Os meninos da sala também passaram por uma transformação. “Um aluno meu contou que acreditava que a mulher era inferior, mas, depois do projeto, percebeu que isso não fazia sentido”, afirmou. Mas, apesar do sucesso, ela relata que alguns alunos não se envolveram nas atividades, afirmando que o trabalho demandava muito tempo e energia.
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