Relação com o aluno é tão importante na escola quanto na universidade
Fórum Docente do grupo Estácio discute o que professores e instituições precisam fazer para levar uma formação de qualidade a seus alunos
por Vinícius de Oliveira 7 de junho de 2017
A vida universitária é associada a uma época de independência e de autonomia do estudante em relação aos seus estudos. Isso não significa, porém, que os professores e as instituições de ensino devem criar barreiras na sua relação com o aluno, porque ele ainda precisa de apoio para conciliar os estudos com o que acontece fora da sala de aula e do ambiente de ensino.
Na última sexta-feira (3), o Fórum Docente do grupo Estácio reuniu o economista Eric Bettinger, pesquisador do Centro Lemann para a Educação Brasileira da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, o ex-ministro da educação Fernando Haddad e o professor visitante da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, Flávio Comim, para discutir o papel do professor diante do estudante contemporâneo. Em comum, os três defenderam a proximidade do professor ao aluno como atitude que pode trazer impacto no aprendizado e trouxeram números e métodos para que isso aconteça de maneira efetiva e constante. Comim e Haddad, mais especificamente, ressaltaram o quanto um cenário de injustiça social prejudica o progresso brasileiro nos mais diversos setores.
Aprendizado após o fim da aula
Com a experiência de quem foi um dos conselheiros do governo Obama e concentra sua pesquisa em métodos quantitativos na educação, Bettinger defendeu que, assim como na educação básica, professores e instituições de ensino superior precisam estar atentos ao que acontece quando a aula termina.
Citando descobertas de seus últimos trabalhos, Bettinger lembrou que a maneira como o professor se comunica com o aluno é o que faz a diferença para virar o jogo diante de um cenário preocupante. Nos Estados Unidos, 23% dos estudantes desistem logo no primeiro ano de cursos com duração de quatro anos. Nos cursos vocacionais, com duração de dois anos, quase metade dos estudantes (46%) interrompem seus estudos quando ainda são calouros.
Aluno diante de um malabarismo
Bettinger associa as causas desse fenômeno a um malabarismo. Os desafios acadêmicos são apenas a primeira “bola” que os alunos precisam administrar. Em seguida, entram a gestão financeira e os processos. Entretanto, existem dezenas de outras “bolas”, que representam aspectos sociais, emocionais, religiosos, culturais, financeiros e outros.
E é aqui que, segundo Bettinger, deve entrar o professor. “Estudantes precisam de ajuda. Como professores, muitas vezes só prestamos a atenção em uma das bolas, aquela que representa como eles estão se saindo em nossas salas de aula. Precisamos começar a pensar em como apoiá-los a lidar com sua vida. Como podemos ajudá-los se tornar bem-sucedidos e ter autonomia para controlar todos esses fatores simultaneamente?”
Um segundo ponto que precisa de atenção, segundo o professor de Stanford, são os retornos avaliativos. Bettinger comentou uma pesquisa da Universidade de Califórnia em Davis que descobriu que a falta de interação com professores foi o principal motivo apontado por estudantes de baixa renda como causa de seu mau desempenho. “A aula termina e eu não vejo mais o professor”, diziam os alunos, que também não demonstravam entender qual caminho trilhar para ter uma vida bem-sucedida.
No estudo, os professores ficaram incumbidos de enviar dois emails para estudantes ao longo do semestres. As mensagens eram específicas sobre práticas de cada estudante e o professor também se comprometeria a recebê-los pessoalmente ou a enviar novas mensagens em caso de dúvidas sobre o conteúdo. Estudantes que participaram do estudo tiveram um aumento de 15% em notas de trabalhos de casa e de 8% nas notas das provas. “Essa mudança não aconteceu em sala de aula, mas em todos os lugares, justamente porque o professor disse ‘eu sei como você está se saindo e aqui está uma maneira de melhorar'”.
Bettinger também descreveu um outro estudo que mostrou que alunos que recebem algum tipo de mentoria tiveram um aumento de 12% na probabilidade de graduação da faculdade. E pelo lado da gestão, os resultados também surpreenderam, e o custo do programa foi menor do que a taxa de matrícula perdida.
A teoria do reco-reco
Flávio Comim, economista professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e da Universidade de Cambridge, iniciou sua fala lembrando que com o país tendo indivíduos com uma média de apenas oito anos de estudo “não dá pra pensar nem em uma sociedade mais justa ou menos desigual, nem em produtividade”. Outra parte do problema, segundo Comim, é que nem alunos pobres e nem os ricos conseguem ter excelência naquilo que eles fazem. Para ele, mudar esse quadro passa pela retomada a ideia do amor. Comim detalhou a teoria do reco-reco, com quatro elementos estão dentro do que considera amar no contexto da educação: o reconhecimento, o respeitar, o entender o erro para construir trajetórias de aprendizagem para que sejam protagonistas.
O primeiro “re” é o do reconhecimento. “É uma luta que acontece além da esfera pública e chega ao chão da escola. Como é que se faz isso? Em alguns projetos que conheço, a intervenção se deu apenas com o professor aprendendo o nome dos alunos. Isso muda radicalmente a perspectiva”, disse.
O primeiro “co” remete ao comando dos conhecimentos. “Na maior parte das vezes, os conhecimentos comandam o professor. Mas quando o professor é tão dedicado aos conteúdos, ele consegue deixar de ser o protagonista em sala de aula. Se você não sabe, você é o protagonista. Vai dar uma fórmula, outra fórmula e, se alguém perguntar, vai dizer que conhece a fórmula. Se ele domina o conhecimento, vai levar seus alunos a pensar sobre a fórmula, a relacioná-la com outra e a não decorar. E aqui, nós entramos em um elemento fundamental para a qualidade da educação, que é o aprender a pensar, que do ponto de vista emocional é muito difícil, especialmente por causa do segundo ‘re'”.
Esta parte da teoria está relacionada ao respeito que o professor deve ter com os alunos a ponto de permitir que eles sejam insumo da discussão. “Você sabe onde quer chegar, mas o caminho, o processo, deve incluir o aluno. Na maior parte das vezes, entramos na sala de aula para alienar os alunos e ainda temos a cara de pau de dizer se eles têm alguma pergunta, enquanto todo o processo de construção do raciocínio não levou um insumo do aluno, uma experiência ou vivência. Assim, a gente aliena o aluno e reclama que ele não participa, que ele não aparece e a evasão surge como resultado”, explica.
Por fim, o segundo “co”, de acordo com Comim, é o fator mais difícil do ponto de vista emocional, porque demanda entender a fonte do erro. “Ensinar é entender não apenas o que é certo, mas as possibilidades do errar. É apenas compreender como pessoas podem ter um raciocínio peculiar às realidades onde estão vivendo. A gente sabe bem que o aluno pode estudar e chegar na hora da prova e estar nervoso porque o erro vai dominá-lo. Ela vai estar pensando ‘eu vou fracassar’, ‘meu pai fracassou’, ‘minha mãe fracassou’, ‘minha tia fracassou’, porque o ambiente do qual ele vem é desfavorável. Você não aprende determinadas matérias sem normalizar o erro”, disse.
Apesar de apresentar os conceitos de forma simples, Comim diz que seria “inocência” desprezar o contexto brasileiro, em que pobreza e violência puxam todos os resultados para baixo. Diante disso, pediu que os professores busquem promover a resiliência.
Segundo ele, para desenvolver resiliência é necessário uma pessoa de referência. “Os estudos na área mostram que pode ser o pai ou a mãe, mas a gente trabalha com a noção de família como uma rede de cuidado e afeto. Se você tem uma tia, um professor, ou alguém que lhe diz ‘você é importante’, ‘a sua existência tem algum significado’, isso pode resolver o problema da resiliência”.
A educação diante de um paradoxo
O ex-ministro da educação e ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, trouxe contrapontos à fala dos dois economistas. Apesar de aceitar o argumento que a educação no Brasil está falida, Haddad considera também que a educação “está em seu melhor momento, o que parece um enorme paradoxo”.
Após citar o grande número de indicadores nacionais da educação, Haddad disse que o trabalho em sala de aula depende do apoio da ciência, até para que o professor saiba entender os riscos do que ele chamou de “pretensa mudança de paradigma” da educação.
“Não há como educar sem esforço mútuo. A dimensão lúdica, que é sempre bem-vinda, é parte da educação, mas é uma parte. Vejo debates sobre aguçar a curiosidade, que muitos pensam se tratar de uma coisa neutra. A curiosidade implica que se mantenha uma postura crítica em relação ao mundo, mas esse trabalho dentro da instituição de ensino tem que ser orientado (…) para que não haja dispersão de esforços”.
Uma outra tendência que o agora professor da USP (Universidade de São Paulo) diz perceber com cada vez maior frequência é a de medir tudo sem os devidos cuidados. “Existe uma febre de medição no mundo que procura estabelecer relações fáceis com base em métodos econométricos e testes cada vez mais sofisticados. Torturam-se os números para se obter resultados que estão deslocados de embasamento teórico”.
Por fim, Haddad lembrou que o Brasil enfrenta dificuldades na área de didáticas específicas. “Precisamos de abordagem diferentes para ensinar uma mesma coisa. Nem cumprimos a primeira tarefa de aprender a ensinar e estamos com um desafio novo, que é a mudança de ambiente causada pelas novas tecnologias da informação e o mundo virtual. E isso acontece na educação básica e na educação superior também. Ainda estamos dando as disciplinas da mesma maneira. Estamos trabalhando pouco a forma. Há professores que são verdadeiros luminares do ponto de vista do domínio dos saberes, mas que não deveriam estar em uma sala de graduação”.