20 livros e atividades para falar sobre guerras com crianças e jovens
Especialistas em literatura e educação indicam títulos literários e propostas de atividades para as aulas dos ensinos fundamental e médio
por Ana Luísa D'Maschio 9 de maio de 2022
Quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022. O presidente russo, Vladimir Putin, anuncia o ataque militar à Ucrânia, e a data entra para a história por marcar o início de uma nova guerra. Os quase três meses de bombardeios aéreos e invasões de tropas em território ucraniano marcam, também, a maior crise de refugiados na Europa, desde a Segunda Guerra Mundial. Desde o início do conflito, mais de 4,5 milhões de pessoas deixaram a Ucrânia.
O Porvir trouxe o assunto em uma série de reportagens, a fim de apoiar os professores com estratégias para abordar a guerra em sala de aula. Contamos como Prudentópolis, cidade do Paraná considerada a “Pequena Ucrânia brasileira”, levou as dores do combate para o currículo escolar. Em entrevista, o professor e cientista político Vicente Ferraro, da USP (Universidade de São Paulo) destacou a importância de tratar o assunto de maneira crítica e ir além dos conflitos citados, sem cancelar culturas, trazendo para o debate outros confrontos em diferentes países.
Para complementar o material especial sobre guerras, convidamos as especialistas em literatura infantojuvenil Juliana Pádua S. Medeiros e Maria Laura P. Spengler para criarem, com exclusividade, uma seleção de livros e de atividades pedagógicas para serem levadas às escolas. “Ao considerar os alunos como sujeitos de direitos, os professores devem garantir condições para que essas crianças e esses jovens sejam ouvidos em suas angústias e em seus medos sobre o mundo em que vivem, expondo de maneira sensível e crítica o que pensam”, afirma Juliana, que também é consultora pedagógica e formadora de professores.
“A literatura é um excelente caminho — não um pretexto didático — para conversar de maneira sincera acerca das guerras e dos seus desdobramentos”, dizem as especialistas. Clique na galeria para conferir os livros (e suas sinopses).
10 livros para crianças
Proposta para as crianças: Com base em rodas de conversas apreciativas, esta proposição valoriza a partilha de impressões sobre um ou mais livros que abordem o cenário de guerra, um tema considerado espinhoso por muitos quando se pensa no público infantil.
Passo a passo: Escolha um ou mais títulos literários para ler com as crianças em uma leitura compartilhada, na qual se respeita o tempo do virar das páginas, visto que as ilustrações também contam histórias.
Sugestões de livros (além dos 10 citados na galeria acima): A chave do tamanho (2021, Monteiro Lobato e Lole), A cidade que derrotou a guerra (2014, Antonis Papatheodoulou e Myrto Delivoria), A guerra do pão com manteiga (2018, Seuss), A guerra dos bichos (Luiz Carlos Albuquerque e Fê), Dois idiotas sentados cada qual no seu barril (2013, Ruth Rocha e Walter Ono), Dois meninos de Kakuma (2018, Maria Ange Bordas), Imigrantes e mascates (2016, Bernardo Kucinski e Maria Eugênia), Juntos e misturados: uma história de galinhas (2021, Laurent Cardon), Minha vida de goleiro (1999, Luiz Schwarcz e Maria Eugênia), Nenhum peixe aonde ir (2006, Marie-Francine Hébert e Janice Nadeau), O princípio (2013, Paula Carballeira e Sonja Danowski), Os conquistadores (2004, David Mckee), Tromba tromba (2016, David Mckee), Um outro país para Azzi (2012, Sarah Garland).
Ao fim de cada obra, crie um ambiente seguro para que os leitores se sintam encorajados a compartilharem os pensamentos e os sentimentos despertados pela leitura. Com o intuito de fomentar a participação nessa roda de conversa, abuse de estratégias, tais como:
- Saco de palavras: Cada aluno retira um papel de um saco, lê a palavra sorteada em voz alta e diz o que ela faz pensar a respeito da obra lida, como, por exemplo, medo.
- Plaquinhas de emojis: Os estudantes recebem uma série de cartões com imagens que representam/iconizam emoções e vão apresentando aos colegas de acordo com as perguntas feitas sobre passagens do livro. A cada questionamento, uma dupla é convidada para contar o porquê escolheu aquele emoji.
- Ótica da personagem: Os alunos são convidados a refletir e se posicionar criticamente a respeito das ações das personagens, tomando como ponto de partida estar no lugar delas, isto é, eles irão se imaginar como se estivessem dentro da história e debaterão sobre as atitudes, os pensamentos, os motivos que levaram cada personagem a agir de uma determinada maneira.
Caso seja explorado mais de um livro, peça que as crianças observem novamente as ilustrações, comparem-nas e digam como a guerra é apresentada/representada em cada obra. Esse exercício analítico é muito importante para fomentar um olhar sensível para as imagens na literatura de infância.
10 livros para jovens
No entanto, o Memorial de Auschwitz faz uma ressalva sobre o uso deste título em sala de aula. A instituição recomenda que educadores deixem claro aos seus alunos que a obra é ficcional e não condiz com a realidade vivida nem pelos judeus, nem por crianças alemãs. Um dos motivos é que o personagem principal, Bruno, não saber que seu país estava em guerra é algo irreal, visto que crianças alemãs eram constantemente impactadas pelo assunto, seja em casa, seja na escola. Para citar um segundo exemplo, o personagem Shmuel não estaria naquele campo de concentração, pois os nazistas consideravam crianças como seres improdutivos e, portanto, não eram enviadas para o trabalho forçado.
Proposta para os jovens: Inspirada na metodologia World Café, esta proposição tem por objetivo estimular a diversidade dos modos de perceber, de sentir, de pensar e de interpretar. Com base no diálogo, os grupos compartilham pontos de vista, levantam questionamentos, refletem sobre leituras diferentes e chegam a uma análise compartilhada a respeito de uma questão-problema colocada a partir da literatura.
Passo a passo: Apresente aos estudantes vários títulos literários que abordam a guerra e seus possíveis desdobramentos, como, por exemplo, o estado de itinerância.
Sugestões de livros (além dos 10 citados na galeria acima): A guerra que salvou a minha vida: quando a guerra começa dentro de casa (2017, Kimberly Bradley), A guerra que me ensinou a viver: o amor vence a guerra (2018, Kimberly Bradley), Eu sou Malala: a história da garota que defendeu o direito à educação e foi baleada pelo Talibã (2013, Malala Yousafzai e Christina Lamb), Incidente em Antares (1971, Érico Veríssimo), O garoto do fundo da sala (2020, Onjali Raúf e Pippa Curnick), Terra sonâmbula (2016, Mia Couto), Uma travessia perigosa (2018, Jane Mitchell), Valentes: histórias de pessoas refugiadas no Brasil (2020, Aryane Cararo, Duda Porto de Souza e Rafella Villela).
Peça que cada aluno escolha — a partir da sinopse — uma obra para ler e, em seguida, oriente que se agrupe com os demais colegas tendo em vista a seleção feita. Reunidos em torno de um livro comum, lance uma problematização, que deve favorecer o levantamento de hipóteses com base no título e na sinopse. Em uma data a ser escolhida por você, os alunos retomarão o questionamento e se debruçarão sobre ele já com a leitura finalizada.
Sugestão de questão problematizadora: O livro explora uma guerra em específico, como a do Vietnã ou do Iraque? Se sim, qual? Se não, que tipo de conflito é abordado no texto? Como esse confronto/batalha/disputa afeta a vida das personagens? De que forma se (re)age contra a opressão?
Lembrete: A melhor pergunta é aquela que dispara reflexões sobre o egoísmo, a intolerância, o sofrimento, a perseguição, o medo, a violência e a morte. Então, busque elaborar uma provocação que ofereça ao leitor, de maneira simbólica, entrar em contato com os horrores da guerra e, assim, (re)formular um olhar sensível e crítico sobre os seus impactos.
No dia agendado, divida a sala de aula em circuitos, pois a ideia é que todos os agrupamentos façam rodízio pelas estações conhecendo outros livros que exploram uma temática similar.
Após cada grupo se acomodar ao redor de uma mesa, dispare o cronômetro para controlar o tempo. Os alunos, então, iniciam um exercício analítico-reflexivo a partir da questão-problema e vão registrando em um papel seus pensamentos. Ao término de dez minutos, por exemplo, os membros do grupo, exceto um, devem trocar de estação, sempre da esquerda para a direita.
O escriba — aluno que permanece no mesmo lugar em todas as rodadas — é o responsável por apresentar as reflexões feitas a partir do livro que foi lido e por conectar as considerações de todos os outros grupos que passarem pela estação, contando pontos de diálogos.
Ao fim, peça que cada escriba compartilhe os registros de tudo o que foi discutido em sua estação. Em seguida, costure essas reflexões, juntamente com os alunos, potencializando as leituras sensíveis e críticas realizadas por eles. Como produto colaborativo, solicite um grande mapa conceitual que enrede todas as obras e trace um cenário de como as guerras (até mesmo as silenciosas) impactam a vida das pessoas.
Proposta extra: tanto para crianças quanto para jovens
Anne Frank escreveu um dos principais registros dos horrores da guerra. Por meio do seu diário, ela oferta ao leitor a possibilidade de experenciar, simbolicamente, como foi se esconder da invasão nazista. Esta proposta de conversar sobre a guerra, a partir de fatos verídicos, tem por objetivo analisar questões históricas sob a perspectiva de uma garota de treze anos.
Passo a passo: Após os estudantes lerem uma das muitas edições do diário de Anne Frank, convide-os a visitarem o museu Anne Frank House de forma virtual. Depois da visitação, promova uma roda de conversa para que os alunos exponham como foi percorrer o anexo secreto com base nas memórias da garota judia.