20 mulheres que revolucionaram (e ainda revolucionam) a educação
O Porvir fez uma seleção de educadoras, históricas e contemporâneas, que têm seus nomes gravados na luta pela igualdade e direitos na educação
por Redação 8 de março de 2023
A educação brasileira é feminina. De acordo com o Censo Escolar da Educação Básica de 2022, dos 2.315.616 professores em atuação no país, 79,2% são mulheres. Elas também são a maioria nos cargos de gestão: 80,7%. Em sala de aula, a presença também é marcante: elas somam 54% dos estudantes de pós-graduação e 221 mil de mestrado e doutorado.
Ainda há muito a ser feito para alcançar igualdade. De 1930 até agora, o Brasil só teve uma ministra da educação: Esther de Figueiredo Ferraz, durante o governo de João Batista Figueiredo (1979-1985). As professoras ganham, em média, 12% a menos do que os professores. E a maior diferença acontece na educação infantil: homens têm remuneração 25% maior do que as mulheres.
Neste 8 de março, data surgida para celebrar a luta das mulheres, o Porvir reúne uma lista de educadoras que marcaram (e ainda marcam) a história da educação no Brasil e no mundo. Confira:
Anália Franco
Foi educadora, escritora e poetisa. Viveu entre 1853 e 1919, período em que o Brasil passava pela transição do Império para a República. Ganhou destaque pela sua atuação como educadora empreendedora, preocupada com discriminados e marginalizados. Em um período predominantemente rural do país, em que a educação era um privilégio para poucos, ela se posicionou pela necessidade de superar exclusões.
Começou a lecionar aos 15 anos. Além da docência, foi responsável pela criação e supervisão de mais de cem instituições, entre escolas, asilos, creches, liceus femininos, bibliotecas e grupos musicais espalhados por São Paulo, na capital e no interior.
Foto: Livro Educação de Alma Brasileira
Antonieta de Barros
Quando a professora Antonieta de Barros (1901-1952) começou a dar aulas, o analfabetismo em seu estado (Santa Catarina) era de 65% da população. Ela tinha 17 anos quando fundou um curso particular que levava seu nome, com o objetivo de ensinar jovens e adultos a ler e a escrever. Em 1934, foi eleita como primeira deputada estadual negra do país. Jornalista, contribuiu com mais de mil artigos em oito veículos de imprensa, além de criar uma revista.
Os lucros da primeira edição de seu livro “Farrapos de Ideias” foram doados para a construção de uma escola que abrigava crianças cujos pais estavam internados em um leprosário. É dela o projeto de lei que institucionalizou 15 de outubro como o Dia do Professor.
Foto: Museu da Escola Catarinense / UDESC
Dorina Nowill
Quando cursava o magistério na Escola Caetano de Campos, em São Paulo, Dorina Nowill (1919-2010), primeira aluna cega a frequentar um curso regular, liderou a implementação da especialização docente para o ensino de cegos. Considerada como “a dama da inclusão”, Dorina trabalhou ativamente na luta pelo direito das pessoas com deficiência. Em 1947, criou o Departamento de Educação Especial para Cegos, na Secretaria de Educação de São Paulo. Em 1953, atuou para que o direito à educação inclusiva, por meio de classes em braille, fosse garantido por lei, por meio do decreto 2.287/1953.
A Fundação Dorina Nowill, que surgiu como Fundação para o Livro do Cego no Brasil, segue em plena atividade pela pela inclusão social de pessoas cegas e com baixa visão, com atividades que passam por distribuição de livros em braille, atendimento oftalmológico e soluções de acessibilidade.
Foto: Fundação Dorina Nowill
Eda Luiz
Idealizadora do reconhecido projeto pedagógico do Cieja (Centro de Integração de Jovens e Adultos) do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, Eda Luiz transformou a instituição em um lugar onde o aprendizado é percebido e experimentado dentro e fora da sala de aula, extrapolando as disciplinas curriculares. Dona Eda, como é conhecida, é responsável por desenvolver um modelo de escola democrática: um espaço educativo aberto à comunidade, com acesso livre, sem trancas e de mútuo respeito entre as pessoas.
A educadora assume influência de Paulo Freire, quem conheceu em um curso na PUC (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Protagonista de uma história de dedicação à educação, ela já foi também professora em uma escola rural e na antiga Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor).
Foto: Marina Lopes/Porvir
Emília Ferreiro
A psicóloga e pedagoga argentina, radicada no México, desvendou os mecanismos pelos quais as crianças aprendem a ler e escrever, o que levou muitos educadores a rever radicalmente seus métodos. Seu nome passou a ser ligado ao construtivismo, campo de estudos inaugurado pelas descobertas de Jean Piaget. As pesquisas de ambos levam à conclusão de que meninos e meninas têm um papel ativo no aprendizado, construindo seu próprio conhecimento – como já diz o nome construtivismo.
Diante disso, Emilia inverteu a lógica tradicional de educadores que só se preocupavam com a aprendizagem quando o aluno parecia não aprender, transferindo o foco da alfabetização para o sujeito que aprende. Suas conclusões inspiraram políticas públicas educacionais em diversos estados brasileiros, a partir dos anos 1980.
Lélia Gonzalez
Professora, filósofa, antropóloga, militante do movimento negro e feminista, Lélia Gonzalez foi uma das mais importantes intelectuais brasileiras. Foi professora da educação básica e do ensino superior, com formação diversa nas áreas de geografia, história e filosofia e antropologia.
Atuou como uma das pensadoras mais importantes para entender as relações de raça e gênero no país.
Precursora do feminismo negro no Brasil, ela também foi uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado. Também lutou por políticas afirmativas, pelos direitos das pessoas LGBTQIA+ e pela regulação do trabalho doméstico.
Foto: Projeto Lélia Gonzalez Vive
Luma Nogueira de Andrade
Pesquisadora e doutora em educação, Luma ocupa o lugar de primeira travesti brasileira a receber o título de doutora, concedido em 2012 pela UFC (Universidade Federal do Ceará), com a tese “Travestis na escola: assujeitamento ou resistência à ordem normativa”. Também é pioneira ao fazer parte do quadro de docentes em uma universidade pública, a Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira).
Fundadora da Associação Russana da Diversidade Humana, a educadora acredita que “a produção de conhecimento sobre as singularidades é fundamental para a visibilidade aos sujeitos”. A linha de pesquisa dela segue os seguintes temas: direitos humanos, diversidade cultural, etnicorracialidade, gênero e sexualidade, políticas públicas e movimentos sociais.
Foto: Luma Andrade/Arquivo Pessoal
Macaé Evaristo
Mulher e negra, ocupou com resistência e persistência cenários de política quase sempre dominados por homens brancos. Ocupou importantes espaços de gestão da educação em Minas Gerais e em todo o país.
Sua trajetória se destaca pelo engajamento em um projeto de educação e de país que integre a diversidade brasileira, traduzido na educação integral.
Para ela, a educação só consegue avançar em termos de inclusão e qualidade quando é capaz de entender e atender sujeitos na sua integralidade, acolhendo comunidades e territórios.
Foto: Arquivo Pessoal
Magda Soares
Referência de alfabetização no Brasil, Magda Soares (1932-2023) foi professora emérita da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), onde atuou nos cursos de letras e pedagogia até a aposentadoria. Apoiou a remodelação do curso de mestrado em educação, nos anos 1970, e criou o Ceale (Centro de Estudos sobre Alfabetização, Leitura e Escrita), em 1990.
Feminista e ativista política, Magda foi uma das conselheiras de Fernando Haddad quando ministro da Educação. Amiga de Paulo Freire (1921-1997), afirmava trabalhar com “os mesmos pressupostos, os mesmos ideais e a mesma utopia” do patrono da educação brasileira.
Foto: UFMG
Maria Amélia Pereira
Com trajetória voltada sobretudo à infância brasileira, Maria Amélia Pereira (1944-2021) dedicou seus esforços a falar da criança com seu universo, linguagem e repertório próprios. Defendeu a presença da cultura e diversidade brasileira, com suas raízes musicais, estéticas e mitológicas.
Em Salvador, enquanto cursava o magistério, teve contato com uma das mais importantes experiências da história da educação brasileira: a Escola Parque de Salvador, idealizada por Anísio Teixeira (1900-1971).
Impactada com essa concepção de educação e infância, iniciou sua trajetória como educadora comprometida com processos educacionais significativos e que consideram o ser de forma integral.
Foto: Reprodução
Maria Montessori
A primeira mulher a se formar em medicina na Itália foi também responsável por criar um método educacional, que leva o seu nome, e é aplicado até hoje em escolas públicas e privadas de todo o mundo. Maria Montessori (1870-1952) criou, em 1907, a primeira Casa dei Bambini, colocando em prática a teoria que visava uma “educação para a vida” e a formação integral dos indivíduos. A educadora acreditava que as crianças eram capazes de conduzir o seu próprio aprendizado, cabendo ao professor apenas acompanhar esse processo. Nesse sentido, a função da educação seria estimular um impulso interior que se manifesta no trabalho espontâneo do intelecto. A pedagogia se insere no movimento da Escola Nova ao se opor aos métodos tradicionais que não respeitam as necessidades e os mecanismos evolutivos do desenvolvimento de meninos e meninas.
Foto: WikiMedia Commons
Maria Teresa Mantoan
A pedagoga brasileira dedica-se, nas áreas de pesquisa, docência e extensão na faculdade de educação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), ao direito incondicional de todos os alunos à educação escolar de nível básico e superior de ensino.
Uma das maiores defensoras da educação inclusiva no Brasil, Maria Teresa é crítica convicta das chamadas escolas especiais. Oficial na Ordem Nacional do Mérito Educacional no Grau de Cavaleiro, recebeu reconhecimento pela contribuição à educação no Brasil.
Foto: Jornal da Unicamp
Maria Victoria Benevides
Educadora, socióloga, cientista política e militante, tornou-se referência em educação para os direitos humanos e democracia. No período em que vigorava o Ato Institucional nº 5 , estudou em uma universidade pública onde discutiu abertamente sobre política e democracia. Tornou-se professora titular da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) em 1985, aos 43 anos.
A educadora se destaca pela atenção a temas como cidadania ativa, participação popular, orçamento participativo, reforma política, violência policial e educação em direitos.
Foto: Reprodução/YouTube
Mariazinha Fusari
A arte-educadora Maria Felisminda de Rezende e Fusari, conhecida como Mariazinha Fusari (1940-1999), foi cofundadora do Núcleo de Comunicação e Educação, da USP (Universidade de São Paulo) e por meio de seus projetos de pesquisa no campo da relação entre mídia e infância colaborou para a ampliação do diálogo entre os campos de conhecimento da comunicação e da educação.
É considerada até hoje um dos principais nomes da educomunicação no Brasil.
Foto: abpeducom
Nise da Silveira
Viveu de 1905 a 1999. Cresceu em meio à música, à arte e à poesia que, segundo ela, influenciou seu comportamento mesmo quando adulta. Foi psiquiatra e seu trabalho teve relação com a educação por buscar compreender e se comunicar com a inconsciente das pessoas por meio de práticas educativas. Com 16 anos, prestou exame para a Faculdade de Medicina da Bahia, em um momento em que poucas mulheres estudavam ou consideravam ingressar no ensino superior.
Foi uma das primeiras mulheres a se formarem em medicina no Brasil. Em 1946, fundou a Seção de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação, com núcleos de música, pintura, teatro, marcenaria, costura e tapeçaria. O trabalho tinha como princípio a liberdade, a solidariedade, o olhar humano, a paciência, a confiança e o afeto.
Foto: Arquivo Nise da Silveira
Nísia Floresta
Viveu no Brasil entre 1810 e 1885, em um período em que as mulheres não tinham acesso à educação e à formação. Estudou em um convento de carmelitas em Pernambuco, onde futuramente teve contato com ideais liberais. Foi educadora, escritora, feminista e abolicionista. Escreveu 15 livros, publicou artigos sobre direitos das mulheres e fundou no Rio de Janeiro uma escola para meninas.
Inspirada nos ideais liberais e iluministas, reivindicou que as mulheres tivessem acesso às mesmas oportunidades que os homens e destacou que a exclusão das mulheres dos espaços de educação sufocava suas potencialidades, tanto na ciência como em cargos públicos.
Foto: Wikipedia
Rosa-María Torres
A linguista, educadora e ativista social participou de movimentos em defesa de uma educação de qualidade e assumiu cargos importantes em organismos internacionais da área. Durante 22 anos, foi diretora pedagógica da Campanha Nacional pelo Letramento, no Equador, e após a Conferência Mundial de Educação para Todos em 1990, tornou-se assessora educacional da Unicef em Nova York.
Esteve à frente de programas para a América Latina e o Caribe na Fundação W.K. Kellogg (1996-1998), onde desenvolveu a iniciativa para o ensino fundamental denominada “Learning Community”, que levou para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e continuou a desenvolver na instituição, de 1998 a 2000. Em 2003, assumiu o Ministério da Educação e Cultura do Equador.
Foto: Formación IB
Sabina Spielrein
Uma das primeiras mulheres psicanalistas do mundo, Sabrina Spielrein (1885-1942) foi pioneira no estudo do método voltado à infância. Russa e judia, revolucionou a educação infantil ao criar, em 1923 junto com Vera Schmidt, a primeira creche que utilizava noções de psicanálise, em Moscou, na então União Soviética. Conhecido como Berçário Branco, já que todas as paredes e mobiliários eram brancos, tinha como prioridade o amadurecimento crítico e analítico das crianças.
A instituição foi fechada três anos depois por autoridades soviéticas com a acusação de que o local estimulava a prática de “perversões sexuais”. O trabalho de Sabina influenciou o de Carl Gustav Jung, psiquiatra que a tratou com métodos freudianos quando foi diagnosticada com histeria durante a juventude.
Foto: Wikipedia
Sonia Guimarães
Primeira mulher negra doutora em física, Sonia Guimarães também é a primeira mulher negra a lecionar no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) nos anos 1990, quando a instituição aceitava apenas homens como estudantes.
Nascida e criada em São Paulo, foi a primeira da família a ter diploma de ensino superior. Ativista de destaque na luta contra o racismo e discriminação de gênero, é mantenedora da Faculdade Zumbi dos Palmares, atua com projetos feministas e iniciativas de inclusão de mulheres e negros na academia brasileira.
Foto: Arquivo Pessoal
Stefa Wilczynska
Filha de família judia, a pedagoga foi influenciada pelos pensamentos da Escola Nova, que defende que a educação deve se basear nas experiências dos indivíduos e que as instituições de ensino devem deixar de ser meros locais de transmissão de conhecimentos para tornarem-se pequenas comunidades. Ao lado de Janusz Korczak, pedagogo referência na criação da “Declaração Universal dos Direito das Crianças”, Stefa criou um orfanato em Varsóvia (Polônia) que instituía uma República das Crianças, organizado sobre os princípios da justiça, fraternidade, igualdade de direitos e obrigações.
O local contava com confortáveis salas de estar e de refeições, biblioteca e dormitórios claros. Entretanto, esse ambiente acolhedor foi perdido quando a Gestapo – a polícia política do estado nazista – transferiu para uma pequena casa com quartos sujos, apertados e sem mobília. De lá, Korczak, Stefa e as 200 crianças foram levados para as câmaras de gás.
Foto: Reprodução