O Futuro se Equilibra #018 – Quando o estudante vira trabalhador
O futuro se Equilibra conversou com Naercio Menezes, professor de Economia do Insper, sobre os impactos do trabalho na educação.
por Redação 6 de julho de 2022
Os impactos do trabalho na educação são muitos. Quando uma criança ou adolescente começa a trabalhar, é muito difícil conciliar as duas tarefas e continuar estudando nem sempre é uma prioridade. E isso não deveria acontecer.
O décimo oitavo episódio de O Futuro se Equilibra fala sobre educação e trabalho. Com a participação de Naércio Menezes, professor do Insper.
Apresentação: Tatiana Klix
Produção: Gabriela Cunha e Larissa Werneck
Edição: Gabriel Reis
Roteiro: Ruam Oliveira e Tatiana Klix
Concepção: Ruam Oliveira, Tatiana Klix e Vinícius de Oliveira
Apoio estratégico: Vinícius de Oliveira e José Jacinto Amaral
Direção de arte: Regiany Silva e Ronaldo Abreu
Música: Airtone, Unicorn Heads, Cheel, Telecasted, Chris Haugen, GodMode, RKVC,pATCHES, Asher Fulero, Cheel, Steve Adams, Dan Henig e Corbyn Kites.
[início]
[Tatiana Klix]
Você está ouvindo O Futuro se Equilibra, o podcast do Porvir sobre equidade na educação.
Contamos com o apoio do Instituto Unibanco.
[Naercio Menezes]
[música de fundo]
Bom trabalho, afeta a equidade da educação de várias maneiras. A principal delas é que os jovens que têm que trabalhar são aqueles das famílias mais pobres, principalmente, porque eles têm de complementar a renda familiar. No caso das famílias mais ricas, não há essa necessidade. As famílias têm renda suficiente para a alimentação, remédios, transporte, moradia e viver confortavelmente, inclusive com viagens e tudo. Então o jovem pode ficar somente estudando, ao passo que nas famílias mais pobres ele muitas vezes tem que trabalhar durante o dia.
Não é nem trabalhar meio período nem estágio. Ele tem que trabalhar o dia inteiro e estuda à noite. E isso prejudica o aprendizado do aluno mais pobre, porque vários estudos mostram que quem trabalha acaba tendo um aprendizado mais baixo, mas mesmo após controlar pelas características socioeconômicas da família do jovem, então, esse é o principal ponto. Como o jovem acaba aprendendo menos, ele repete mais de ano, tem uma formação um pouco pior. E aí, quando ele está no mercado de trabalho e ganha um salário mais baixo, muitas vezes não consegue um emprego formal e acaba continuando a trabalhar no setor informal ao trabalho por conta própria. Então, isso acaba prejudicando todo o futuro do jovem, agravando a desigualdade de renda e a pobreza.
[Tatiana Klix]
[música de fundo]
Com a economia em crise, era de se esperar que a procura por emprego aumentasse. Era também de se esperar que isso gerasse uma evasão escolar. Muitas crianças, adolescentes e jovens têm deixado de estudar para procurar emprego. Essa é uma forma de colaborar com o sustento dentro de casa.
A pandemia de covid-19 aprofundou esse cenário.
Eu sou Tatiana Klix, diretora do Porvir, e O Futuro se Equilibra de hoje trata sobre escola e trabalho e como a equidade na educação está em xeque nesta equação.
[música de fundo]
[Tatiana Klix]
Como vocês já sabem, em todo início de episódio nós compartilhamos uma história real sobre a temática que estamos abordando. Hoje vamos contar a história da Maria do Carmo Regiane Silva, que mora em São Sebastião do Umbuzeiro, na Paraíba. Quem interpreta é a Flávia Souza.
[início da história]
Eu cresci vendo minha mãe trabalhar. Sozinha. Na minha casa éramos eu, ela e minha irmã mais nova. Era ela sozinha para arcar com todas as responsabilidades. Em um certo sentido, me sentia um peso. Eu sou Maria do Carmos Regiane Silva, tenho 28 anos.
Na vontade de diminuir essa carga eu comecei a trabalhar. Era muito cedo para qualquer pessoa. Eu estava na quinta-série, que corresponde ao sexto ano de agora.
Nessa época, eu ainda continuei estudando, mas era uma situação muito diferente.
Estava conversando com meu professor de geografia e ele tinha me dito que a esposa dele queria voltar a estudar. Queria fazer o EJA. Mas as crianças, filhos dele, não tinham com quem ficar. E eu me prontifiquei a realizar essa tarefa.
Mas era uma criança cuidando de outras, né?
Eu tinha por volta de 14 anos nesse período. Estudava durante o dia e à noite ia ficar com as crianças. Esse foi o meu, entre aspas, primeiro emprego.
E a minha vida seguiu.
Quando cheguei aos 17 anos estava no primeiro ano do ensino médio. Foi aí que eu parei de estudar de novo.
O que aconteceu? Gravidez.
As responsabilidades aumentaram. Eu arranjei um outro emprego como cuidadora de idosos. Tomava conta de uma senhora que tinha Alzheimer. Era o dia inteiro com ela. E não dava mais para conciliar o trabalho, com os estudos e a minha vida pessoal.
Tudo era muito cansativo.
Então depois que concluí o primeiro ano, eu saí da escola.
Foram quatro anos que fiquei longe. E, apesar de sempre ter tido uma boa relação com a escola, eu demorei a voltar porque não tinha incentivo. Eu também comecei a achar que não tinha mais idade ou cabeça para estudar. Como se meu tempo tivesse passado.
Sabe que às vezes parecia uma coisa cíclica. Meus avós pararam de estudar, minha mãe, minhas tias… Comigo podia ser diferente?
Não foi 100% falta de incentivo porque um colega meu, voltando de Pernambuco, ficava me falando o tempo inteiro que eu precisava voltar a estudar.
Com muito custo eu fiz minha matrícula na EJA.
Além da responsabilidade do trabalho, eu tinha também uma missão que era ser mãe.
Tinha dias que eu levava minha filha para a escola. Em outros, minha mãe era quem fazia isso porque trabalha como merendeira na escola.
Os professores sempre foram muito compreensivos com esses arranjos.
Quando eu chegava atrasada por causa do serviço, eles também me entendiam.
É uma força grande de equilíbrio que a gente precisa fazer.
Aqui onde eu moro, em São Sebastião do Umbuzeiro na Paraíba, é interior. As vagas de trabalho são poucas. Eu sentia quando ia procurar um emprego e via a importância de ter concluído o ensino médio. Concurso? Muito difícil. Eu não ter terminado o ensino médio pesava bastante.
Eu mesma me julgava bastante.
Mas consegui concluir o ensino médio com o EJA. Agora eu tô pensando é numa faculdade. Gosto muito de psicologia! Mas a gente vai caminhando, né? Hoje eu estou fazendo um curso técnico de enfermagem, sou orientadora social e trabalho com crianças aqui na minha cidade.
E aí eu vejo crianças na mesma situação que eu já estive. Trabalhando. E a gente faz de tudo para mudar essa situação. Às vezes não é trabalho, é exploração. Criança não trabalha. Criança tem que estudar. Esse é o certo.
[Tatiana Klix]
O trabalho informal cresceu. A fome aumentou. Alguém estuda com fome? E no período de aulas remotas, quem não tem dinheiro para a comida, tem dinheiro para um celular ou computador?
Acaba que as coisas ficam muito ligadas. Para muitos jovens e adolescentes, a solução para resolver os problemas na família é abandonar os estudos e procurar um emprego.
De acordo com a pesquisa Juventudes e a pandemia, 4 a cada 10 jovens que trabalharam durante a pandemia tiveram renda vinda da informalidade e de trabalhos autônomos.
A Global Opportunity Youth Network de São Paulo apontou que há uma tendência de crescimento ao desemprego entre os jovens.
Durante a pandemia, 80% das famílias nas favelas de todo o Brasil passaram a sobreviver com menos da metade da renda que costumavam ter.
Os jovens foram os que mais perderam renda: uma redução de 26% em comparação à média da população geral, de 20,1%.
Neste mesmo período, empresas suspenderam 52% dos contratos de jovens aprendizes.
[Tatiana Klix]
E a escola, onde fica nessa história? Quais são os grandes desafios destes nossos tempos quando se pensa em trabalho, escola e juventudes?
[Naercio Menezes]
[música de fundo]
A escola tem que ficar de olho. Então a evasão não é, não acontece de uma hora para outra o aluno acorda um dia e fala: Não vou mais estudar. Não é isso. Ele vai indo mal nas provas. Ele vai faltando mais. E aí, a escola tem que atrás desse aluno, da família, do aluno, entender o que está acontecendo, explicar a importância de concluir o ensino fundamental, ensino médio que ele depois ele vai poder trabalhar o resto da vida inteira, ele pode fazer uma opção de ensino técnico. Então, o mais importante é que a escola, tanto os professores como hoje, coordenadores e o próprio diretor, saiba e acompanhe a presença de todos os alunos. Não é só o professor para encher a fazer a chamada e isso vai para um lugar e desaparece. Tem que entender, identificar quem está faltando muito, porque esse é um sinal de que o aluno deve evadir no futuro.
[Tatiana Klix]
Esse que você acabou de ouvir é o Naercio Menezes, professor de Economia e coordenador da Cátedra Ruth Cardoso, do Insper.
Para além das questões do dia a dia, e da própria sobrevivência, as juventudes têm vontades e necessidade de se sentir participantes do grupo, o que também influencia na relação trabalho e escola.
[Naercio Menezes]
[música de fundo]
O jovem, muitas vezes, ele quer comprar o tênis, ele quer comprar uma roupa, é normal. Ele vê os seus colegas às vezes em condições financeiras melhores que tem ou aparece com o tênis, com a camisa descolada também. Então ele vai querer trabalhar para conseguir essa renda. Ele não consegue ver que a escolaridade da um que traz um ganho salarial no longo prazo.
Então, muitas vezes o jovem tem uma visão de curto prazo, porque o grande diferencial de salário na verdade, está no ensino superior. Se você faz o ensino superior, se ganha três vezes mais do que no ensino médio. Para o resto da vida, ele só vai conseguir entrar no ensino superior sem terminar o ensino médio. Obviamente, ou se ele fazer, fizer ou encceja ou supletivo, então está muito longe para ele porque ele vai ver. Se eu fizer o ensino médio, vou ter que aprender dezessete matérias, algumas das quais eu não acho interessante. Depois eu vou ganhar um pouco mais. O diferencial do salário do ensino médio não é tão grande assim. E eu vou acabar no setor informal ou ficar sem emprego sem trabalho. Então melhor largar a escola. O que ele não vê é que se ele concluir o ensino médio ele pode entrar no ensino superior. Pode ser uma bolsa do ProUni. Ele pode fazer um ensino superior tecnológico e o que vai permitir que ele mude de vida totalmente, consiga ter um salário maior, fique menos dependentes, programas de governo. Então a escola tem que ajudar o jovem a pensar no longo prazo.
[Tatiana Klix]
E quais seriam os desafios que estão diretamente associados à evasão no universo jovem?
[Naercio Menezes]
[música de fundo]
Eu acredito que um dos problemas principais associados a evasão é a idade do jovem. Então, quanto o jovem fica mais velho por repetir de ano, repete de ano, uma vez duas vezes, três vezes. Aí fica mais velho. Ele chega no ensino médio, por exemplo, já com dezessete, dezoito anos. Aí a tentação de trabalhar, de ter um salário é muito grande. Ao mesmo tempo, o jovem acaba ficando sem paciência de assistir todas as aulas de cerca de dezessete matérias…
Então isso contribui para evasão. Então a primeira coisa que eu sou favorável, você diminuir essas taxas de repetência eu acho que a repetência é muito contra produtiva. Então, por exemplo, o jovem perde uma disciplina, não consegue recuperar. E aí tem que fazer todo ano novamente. E aí o jovem vai ficando estigmatizado. Ele é o mais velho da turma. Ele é um repetente e ele vai se desanimando mais ainda. E aí uma hora ele prefere trabalhar porque ele já está na idade, já está com dezessete, dezoito anos. A primeira coisa é só usar a repetência em casos extremos. Eu acho que o aluno pode ser recuperado, ele pode passar de ano e tem uma aula intensiva no contraturno reforço escolar. Então esse é um dos principais fatores que levam a evasão e a repetência e a idade avançada com relação ao resto da turma.
[música de fundo]
[Tatiana Klix]
Ter que trabalhar faz com que muitos jovens deixem os estudos, ampliando assim o índice de evasão. E, ao não estudar, as chances de ascensão social acabam diminuindo.
[Naercio Menezes]
Aproximadamente metade dos nossos jovens que não vão trabalhar no setor formal, porque hoje em dia, sem o ensino médio, muito difícil, se centraram no setor formal a prestar concurso, então esses jovens não vão contribuir para a produtividade. E o crescimento do país. Não é só uma questão social, é uma questão de crescimento econômico, que é o que permite gerar empregos, aumentar renda. Isso é muito triste. Na verdade, os jovens estão desiludidos, estão desesperançosos. Muitos deles não têm expectativas. Eles não acreditam que vão conseguir trabalhar, que vão conseguir empreender gerar empregos. Então isso, além da questão social, além da desigualdade, ela afeta o crescimento de produtividade e crescimento do país. Por isso, que o Brasil não consegue crescer mais. Por isso, a produtividade está estagnada há quarenta anos. A gente perde jovens, principalmente negros, e de famílias mais pobres, que não vão contribuir sim. Seria de forma produtiva no país.
[Tatiana Klix]
[música de fundo]
Segundo a Fundação Abrinq, existem atualmente mais de 1,7 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalhando. Com base em dados do IBGE, a organização pontuou que 86% dos adolescentes entre 14 e 17 anos que estão no mercado de trabalho se encontram em situações de trabalho infantil. A pesquisa também identificou que muitos destes postos de trabalho são prejudiciais à saúde, à moralidade e ao desenvolvimento.
[Naercio Menezes]
[música de fundo]
Transferência de renda para que a família possa ter, condições de apoiar esse jovem, não viver uma situação de pobreza, você tem que ter uma atenção básica na área da saúde, você tem que ter os nos municípios, têm que dar apoio, tem que ficar de olho. Tudo isso é importante, você tem que ter para escolas jovens, quando crianças está na pré escola, você tem que desenvolver as habilidades socioemocionais. Quando você olha para o jovem, não é só resolver o problema do jovem com políticas para os jovens, não. Se você adotar políticas para as crianças, as crianças vão ficar jovens no futuro e aí você protegendo as crianças, permitindo que as crianças se desenvolvam, que elas vão para a pré escola, que elas tenham os primeiros anos de vida saudáveis, como alimentação, tudo isso junto em aí, nesse cuidando bastante das crianças. Quando elas ficarem jovens, elas não vão estar passando por toda essa desilusão. Começa antes que eu quero dizer não, não adianta só políticas de remediação para o jovem. Lógico que tem que cuidar dos jovens atuais.
Não vamos abandoná los, mas nós acaba tendo que enxugar gelo. Porque você, se você puder proteger antes, você evita que a situação chegue nesse ponto. Então há todo um ciclo de vida. E é importante ressaltar também isso, que se o jovem ninguém não estuda, dificilmente no futuro ele vai conseguir se inserir no mercado de trabalho. Vai ficar nessa situação durante a vida inteira. Depois, a precisar de novos programas de assistência do governo, muitas meninas acabam tendo filhos na adolescência. Essa é uma outra questão, também acaba tendo que cuidar de crianças que também toma o tempo da do aprendizado por falta de esperança também. Eu, por falta de informação, então tem muitas coisas que você deve fazer, mas tem que começar desde cedo, desde a gravidez da mãe.
[Tatiana Klix]
Quanto mais cedo o ingresso no mercado de trabalho, maiores as chances de que isso afete a renda de adolescentes e jovens ao longo da vida. Está relacionado a uma questão de nível de escolaridade e acesso a oportunidades.
É esse movimento que, também, contribui com os níveis altos de desigualdade social.
[música de fundo]
O Futuro se Equilibra é uma produção do Porvir e conta com o apoio do Instituto Unibanco.
A produção é de Larissa Werneck e Gabriela Cunha. A edição é do Gabriel Reis, da Podmix.
O roteiro é meu e do Ruam Oliveira, repórter do Porvir.
Estamos chegando ao fim desta primeira temporada. Faltam apenas mais dois episódios. Se você chegou agora e ainda não ouviu os outros, sugiro que faça isso. Todos eles estão disponíveis nas principais plataformas de podcasts.
Daqui a quinze dias vamos falar sobre maternidade e educação. Se inscreva no podcast para não perder nenhum episódio!
Eu sou a Tatiana Klix, diretora do Porvir. Muito obrigada pela escuta!
[fim do episódio]