Documentário explora valores democráticos de escola em SP
O filme mostra como o Colégio Equipe atua, desde sua fundação, em defesa do respeito à democracia e participação política
por Ruam Oliveira 8 de setembro de 2022
Antes mesmo de ser uma escola, o Colégio Equipe, que fica em São Paulo (SP), já tinha sobre si os olhos do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). O órgão, que era um aparato de repressão do estado, perseguiu, torturou e matou centenas de brasileiros durante a ditadura militar (1964-1985).
Em uma trajetória de 50 anos, a escola ficou conhecida por reforçar e defender valores democráticos. Foi dela que saíram grandes nomes das artes, da cultura e da comunicação. Entre eles, o apresentador Serginho Groisman, um dos mais famosos na mídia.
Agora, três cineastas – Moira Toledo, Renata Druck e Paulo Pastorelo – que foram estudantes do Equipe decidiram contar a história de resistência do colégio ao regime com o filme “Educar e Resistir”. “A escola teria sido uma ‘ilha de liberdade’ frequentada por todos que buscavam as expressões da cultura que eram silenciadas pela ditadura. Sempre foi um espaço de resistência”, conta Moira, em entrevista ao Porvir.
O filme é também uma forma de refletir sobre as transformações pelas quais a escola passou. Ao longo destas cinco décadas, o colégio mudou de sede seis vezes. Esse se tornou um dos fios condutores do longa, que convidou fundadores, professores e alunos a realizar visitas pelas antigas sedes da escola.
“Quando surgiu o convite, a escola não estabeleceu nenhum parâmetro sobre como deveria ser ou o que deveria conter o filme. E nós três estávamos imersos em toda essa mitologia que há sobre a escola, ou como diz um estudante no filme, imersos em ‘uma certa neblina que nos impelia a olhar para trás’. Mas logo entendemos que queríamos ir além do mito”, comenta Moira.
De acordo com o diretor, esse movimento de observar o passado, mas também olhar o futuro, ficou evidente ao conversar com alunos e ex-alunos do colégio.
O convite para a realização do filme ocorreu em 2017 e as imagens atuais vistas no longa são de 2018, mescladas ao conteúdo de acervo. Foram precisos cinco anos para finalizar o projeto.
Segundo Moira, um dos motivos para que o filme levasse todo esse tempo para ser produzido foi por terem tentado sintetizar esse sentimento de pertencimento à escola para além de suas vivências pessoais.
O filme está disponível no canal do Colégio Equipe. Você pode acessá-lo clicando aqui. Confira abaixo os principais destaques da entrevista:
Porvir – Qual o principal objetivo de vocês ao decidirem contar essa história?
Moira Toledo – Como diz [o arquiteto] Marcos Cartum, em uma das cenas do filme, o fato de “a escola ter atravessado o tempo atravessando o espaço”, imprimiu características únicas à sua pedagogia. Além disso, logo nos demos conta também que depois de uma década exercendo esse papel de resistência contra a ditadura e de oferecer aos estudantes uma experiência pública essencialmente “intra-muros” da escola, como conta o diretor Luis Márcio em outra cena, era necessário encontrar um gesto que definisse a proposta pedagógica num contexto que não era mais necessário ficar dentro da escola: era possível estabelecer uma relação com o mundo, tirando os estudantes de sua zona de conforto.
Nós nos demos conta da autoralidade da forma como o Colégio Equipe lida com os projetos de campo, amadurecidos ao longo dos anos 1980 e nas décadas seguintes. E começamos a pensar em uma espinha dorsal integrando o nomadismo da escola, suas diferentes sedes e a centralidade desse projeto de campo em seu projeto pedagógico.
Porvir – De que maneira o histórico do Colégio Equipe, enquanto instituição, serviu de base para compreender um pouco do cenário da educação atual e construir comparações?
Moira Toledo – Ao entrevistar os profissionais, alunos e ex-alunos da escola, nos deparamos com uma escola que não para de se repensar. Que não está parada no passado. E isso foi muito revelador! Pois uma escola que tem 50 anos de experiência poderia ter cristalizado uma metodologia, e o que vimos, ao chegar mais perto, foi uma escola em pleno movimento.
Uma questão que parece central no momento que atravessamos é a educação política. Há uma demonização da discussão política no âmbito escolar, levada a um extremo no movimento que sugere a necessidade de uma “Escola sem partido”. O Equipe sempre promoveu e promove o debate político, a reflexão sobre as estruturas sociais e de poder. Ensina Filosofia, envolve alunos em projetos sociais e, enfim, promove uma cultura política dentro da escola. Isso não é trivial. Não há muitas escolas, públicas ou privadas, em que de fato seja possível ter a discussão política sempre na pauta sem medo de retaliações. Ainda mais depois dessa Escola sem Partido.
Porvir – Vocês trouxeram isso no documentário?
Moira Toledo – A forma como o Equipe se posicionou com relação a esse assunto não foi incluída no filme, mas nos mostra mais uma dimensão da vocação pública dessa escola. Ao promover palestras sobre o tema, explicitar e criar modelos, experiências concretas e amadurecidas ao longo de anos de diferentes dimensões do que talvez possamos chamar de uma “educação política”, o Equipe me parece em sintonia com talvez o que exista de mais urgente para que possamos garantir, no futuro, a manutenção da democracia e da pluralidade de opiniões.
Porvir – No momento da escrita do roteiro, como as memórias de vocês em relação ao colégio ajudaram a construir o argumento do filme?
Moira Toledo – Acho que seria mais preciso dizer que um dos motivos pelos quais levamos cinco anos para terminar esse filme – quatro deles apenas no processo de montagem – foi termos buscado sintetizar um sentimento de pertencimento à escola para além do que foram nossas vivências pessoais… não pudemos entrevistar a todos e, apesar do escopo ter sido amplo, era impossível não deixar diversos assuntos, eventos e pessoas fundamentais de fora. Mas as vozes que entraram, as imagens que entraram, estavam a serviço de uma construção narrativa baseada nas memórias emotivas de todas essas gerações, representadas por diferentes entrevistados e materiais de arquivo de todas as décadas e em tudo quanto é formato. Buscamos sentir a escola e construir uma narrativa que desse conta das diferentes épocas, de acordo com o que foi possível apurar sobre a história de cada época, história que veio a partir de memórias, acervos e também lembranças, claro.
Porvir – Como essa figura de resistência tão presente na escola aparece nos dias de hoje?
Moira Toledo – Esse mês, antes das eleições, a escola receberá quatro candidatos a deputado, de quatro partidos de tendência progressista. Fora toda a metodologia problematizadora que dispara o olhar mais crítico dos estudantes de que falei anteriormente, a escola não tenta parecer neutra, me parece buscar sempre tomar o partido, da história…
E tem comportamentos similares nos mais diferentes âmbitos, sempre a favor dos direitos dos trabalhadores. Apoiou os professores por ocasião da reforma trabalhista de diferentes maneiras e bem mais do que outras escolas particulares que conhecemos, promovendo debates dentro e fora da escola em sintonia com o presente. Parou as atividades para que o ensino médio assistisse, junto com seus professores, à leitura da carta do Largo São Francisco, dia 11 de agosto recente, e promoveu aulas públicas no Largo Santa Cecília por ocasião das reformas, entre outras muitas ações.
Essa cultura de educação política é algo que não é tratado com esse termo dentro da escola, mas agora, no lançamento do filme, lendo essa história a contrapelo, me parece que existe um constante gesto de resistência, de alinhamento aos valores democráticos de maneira extremamente conectada com o ensino e o cotidiano escolar, e em todas as faixas etárias. Que aponta para uma experiência concreta e muito bem-sucedida de um esboço para uma educação política, apartidária, potente. E que poderia, inclusive, inspirar atividades correlatas em escolas públicas.
Porvir – Como vê a importância da escola na sua trajetória? Pessoal e profissionalmente.
Moira Toledo – A escola impactou minha vida em três etapas distintas, como estudante, como mãe de aluno e agora também como professor (desde o início de 2020). E é interessante como essas diferentes etapas foram sendo impressas na minha experiência social. Sou professor há mais de 20 anos, todos eles dedicados à projetos de educação audiovisual para jovens em projetos de inclusão social e formação de professores, 12 deles na universidade particular (curso de cinema da FAAP), e quase três no ensino médio do Equipe. E meus filhos estudam há oito anos na escola.
E se sou professor, posso dizer que muito se deve a professores que foram extremamente marcantes na minha trajetória, muitos deles ex-equipanos e durante o ensino medio que lá cursei, e tantos outros nesses oito anos como mãe e três como colega de trabalho. As estratégias pedagógicas que me formaram, que foram marcantes para os meus filhos ou das quais participei, levei para as minhas salas de aula.
Porvir – O que a escola te ensinou de mais marcante?
Moira Toledo – Dizem que a gente ensina como aprende, né? Pois. Acho que foi com o Equipe que aprendi a importância de que a educação promova experiências… Como diz o [psicanalista] Enrique Mandelbaum no filme, ‘como a experiência deixa um sabor’ que talvez seja a forma do Equipe de traduzir as ideias freirianas de um aprendizado a partir da prática e que é o norte do que penso em educação no meu cotidiano.