Por que a educação profissional e tecnológica no Brasil ainda é para poucos?
Levantamento do Itaú Educação e Trabalho alerta para entraves da EPT no Brasil e a necessidade de expansão dessa modalidade de ensino
por Ana Luísa D'Maschio 27 de novembro de 2024
Política pública que beneficia as juventudes por estar alinhada às tendências do mundo do trabalho, a EPT (Educação Profissional e Tecnológica) também é uma importante estratégia para o crescimento do Brasil. Caso o acesso à EPT triplique, como recomendado pelo Plano Nacional de Educação, o impacto no PIB pode chegar a 2,32%, devido ao aumento no emprego e na renda gerados pela formação profissional dos jovens.
Contudo, a proposta ainda segue no papel. Atualmente, os estados brasileiros oferecem apenas 10% das matrículas de ensino médio juntamente com o ensino técnico. E ainda há barreiras socioeconômicas a serem superadas: jovens oriundos de famílias mais pobres estão em menor número na EPT, especialmente nas regiões Sul e Sudeste.
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Estas são as principais conclusões da pesquisa “Democratização da EPT no Brasil: Análise sobre a oferta considerando raça, gênero, condição socioeconômica e local de residência”, do Itaú Educação e Trabalho, lançada no começo de novembro. Elaborado pelos pesquisadores Alysson Portella e Thiago Patto, o levantamento busca analisar os desequilíbrios da EPT e contribuir para a expansão do acesso à modalidade.
Realizada a partir de dados do Censo Escolar de 2019, PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua) e o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), a análise completa está disponível para download. Entre as considerações positivas, está o equilíbrio do acesso em termos de raça e gênero.
Como é feito o cálculo? |
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O IRD (Índice de Representação Descritiva) mede a equidade de acesso à EPT. Um valor 0 indica equilíbrio total, entre -10 e 10 equilíbrio relativo, -10 a -30 desequilíbrios pequenos, -30 a -50 desequilíbrios médios, e valores abaixo de -50, desequilíbrios altos. Por exemplo, no Sudeste, o índice -42 para estudantes de mães com ensino fundamental indica um desequilíbrio médio. A pesquisa aponta que estudantes de baixo nível socioeconômico, cujas mães têm até o ensino fundamental completo, estão sub-representados em todas as regiões, especialmente no Sul (-23%) e Sudeste (-42%) para a rede estadual. À medida que a escolaridade das mães aumenta, o desequilíbrio diminui, mas ainda é significativo no Sudeste (-30%) e Centro-Oeste (-17%). |
O Porvir conversou com o pesquisador Alyson Portella e com Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho, para entender as recomendações centrais do estudo. Confira:
Porvir – O estudo menciona que os “vestibulinhos”, se revisados, poderiam ajudar a reduzir as disparidades no acesso à EPT. Você poderia explicar quais revisões deveriam ser implementadas e como contribuiriam para uma maior equidade?
Ana Inoue – Os dados mostram que as formas de acesso à EPT precisam ser revistas para considerarem marcadores que apresentam disparidades de equidade. Para isso, cada estado precisa fazer um diagnóstico local para entender quais têm sido os gargalos da oferta de EPT, o que tem sido barreira para os jovens acessarem a modalidade, principalmente considerando as diferenças de gênero, raça e condição socioeconômica, além de observar políticas e soluções que estão sendo desenvolvidas na busca da equidade e diminuição das desigualdades.
Algumas escolas adotam os chamados ‘vestibulinhos’ como porta de ingresso e, assim como o ensino superior, cabe revisitar se tais processos seletivos estão contemplando soluções já comprovadamente inclusivas, como as políticas afirmativas e cotas raciais, para que todo jovem interessado nesta formação profissional tenha condições equitativas de acesso.
Porvir – A pesquisa destaca que estudantes de famílias de menor nível socioeconômicoestão sub-representados na EPT, especialmente nas regiões Sul e Sudeste. Quais fatores contribuem para a falta de acesso?
Alysson Portella – O estudo não olhou diretamente para os fatores que explicam a sobre-representação de alguns grupos. Mas é possível lançar algumas hipóteses. A principal é a existência de ‘vestibulinhos’, provas que selecionam alunos para frequentar instituições de ensino médio. Alunos de maior nível socioeconômico teriam vantagem nessas provas, o que leva à sua sobrerrepresentação. Outra possibilidade é a localização das escolas combinada com altos níveis de segregação. Escolas técnicas abririam em bairros mais ricos e aceitariam alunos apenas desses bairros, por exemplo.
Porvir – Também é apontada uma super-representação de homens brancos entre os estudantes da EPT e uma sub-representação de homens e mulheres negros, pardos e indígenas. Quais fatores causam esse desequilíbrio?
Alysson Portella – De modo geral, contribuem os mesmos fatores que mencionei anteriormente. Além disso, na questão de gênero podem existir também diferenças no tipo de curso ofertado. Na dimensão racial, mas também de gênero, podem atuar diferenças de aspirações dos alunos, por acreditarem que a Educação Profissional e Tecnológica talvez não seja o lugar deles.
Porvir – Quais estratégias podem ser implementadas para promover maior equidade racial e de gênero no acesso à EPT?
Ana Inoue – Em primeiro lugar é preciso reconhecer que estas desigualdades estão presentes e tomar uma decisão de agir e concretamente brecá-las. Ou seja, é preciso reconhecer que as desigualdades são um fator ruim que afeta o país e a todos. Nosso país é marcado por profundas e históricas desigualdades econômicas, de raça e gênero, que alcançam, invariavelmente, as juventudes brasileiras. Isso se reflete, também, na exclusão, discriminação e baixo acesso a oportunidades de melhoria de vida e de realidades por meio da educação e do trabalho.
Apesar de o estudo mostrar que na educação profissional as distorções de gênero ou raça não são grandes, elas existem – e se existem devem ser corrigidas. Importante ressaltar, também, que essas distorções aumentam quando cruzamos os dados de gênero e raça. Corrigir estas distorções significa desenvolver ações concretas voltadas para eliminá-las da educação profissional, tornar a oferta dessa modalidade de ensino de fato democrática e, com isso, realizar o potencial que esta modalidade traz de promover transformações na vida das juventudes e, consequentemente, no desenvolvimento do país.
Porvir – O que é preciso para que isso de fato aconteça?
Ana Inoue – As estratégias para que isso aconteça envolvem, entre outras ações, um diagnóstico que enfoque a realidade das juventudes, uma avaliação local dos impeditivos para atrair e reter esses jovens que estão à margem dos cursos técnicos, especialmente daqueles eixos tecnológicos com maior valor agregado em termos de remuneração no mundo do trabalho. Além disso, é fundamental que haja uma comunicação efetiva sobre os cursos técnicos disponíveis e que esses sejam alinhados com as tendências do mundo do trabalho, para que sejam de fato atrativos para esses jovens e promovam verdadeiras oportunidades de carreira a partir deles.
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Quais as tendências para políticas públicas em educação profissional e tecnológica?
Porvir – A pesquisa também indica que as mulheres estão concentradas em determinadas áreas tecnológicas dentro da EPT, como meio ambiente e saúde, enquanto estão sub-representadas em outras, como controle e processos industriais. Quais fatores impulsionam essa distribuição de gênero nos campos tecnológicos?
Alysson Portella – As diferenças de gênero nos eixos da EPT refletem diferenças que já são observadas no ensino superior. Pode explicar isso a construção histórica e social dos papéis de gênero na sociedade, que direcionam homens e mulheres para áreas de interesse distintas. Muitas vezes faltam modelos inspiradores para alunos de certo perfil em alguns cursos, e eles podem acreditar que aquele não é um curso que eles teriam sucesso.
Porvir – Quais medidas podem ser tomadas para incentivar uma maior participação feminina nas áreas tradicionalmente dominadas por homens?
Ana Inoue – As áreas tradicionalmente dominadas por homens costumam ter rendimentos maiores daquelas onde as mulheres estão concentradas. Um estudo recente do Itaú Social revelou que as ocupações relacionadas à área de matemática têm rendimentos médios duas vezes maiores que os trabalhos em geral. E as mulheres indígenas, pretas e pardas, que prevalecem em ocupações de outras áreas, têm os rendimentos mais baixos. Temos que agir para mudar este cenário. Para que haja uma melhor distribuição de matrículas por gênero, precisamos implementar ações que incentivem o ingresso de mulheres em determinados cursos e garantam um maior equilíbrio dos eixos tecnológicos.
Porvir – O estudo também sugere que expandir o acesso à educação técnica no ensino médio poderia aumentar significativamente o PIB do Brasil. Você poderia detalhar essa projeção? Quais seriam os benefícios a longo prazo ao se investir na EPT?
Ana Inoue – Esse dado parte do estudo “Potenciais efeitos macroeconômicos com expansão da oferta pública de ensino médio técnico no Brasil”, do Itaú Educação e Trabalho, divulgado em 2023, e foi a base para essa atual pesquisa projetar quais devem ser as metas de expansão do sistema de ensino nos próximos dez anos garantindo equidade da oferta. A pesquisa mencionada calcula que, se triplicado o acesso ao ensino médio técnico no país, conforme a meta do Plano Nacional de Educação (PNE), o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro poderia registrar aumento de até 2,32%, resultado decorrente da maior empregabilidade e rentabilidade promovida aos trabalhadores a partir da formação profissional. Ou seja, a EPT é uma modalidade de ensino que não só está alinhada com as tendências do mundo do trabalho e oferece oportunidades de inserção digna produtiva para os jovens, mas também contribui com o desenvolvimento socioeconômico do Brasil. Trata-se, então, de importante estratégia para o crescimento do país.
Saiba mais sobre as perspectivas da EPT no Brasil |
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Preparação de jovens para o futuro: a educação profissional é desafiada a preparar os jovens para carreiras que ainda estão se formando ou que podem não existir atualmente. Isso envolve não apenas fornecer conhecimentos técnicos e práticos, mas também desenvolver habilidades que permitam aos jovens se adaptar e inovar em um ambiente de trabalho em rápida evolução. Requalificação permanente de trabalhadores: quem já está no mercado de trabalho precisa pensar em requalificação contínua para expandir suas habilidades e permanecer empregáveis e eficientes em suas funções diante das mudanças do mercado. Incorporação de tecnologias digitais e competências socioemocionais: a educação profissional deve responder à necessidade de integrar tecnologias digitais em sua gestão e processos pedagógicos. Isso não se limita ao ensino de habilidades técnicas, mas também ao desenvolvimento de competências socioemocionais, que se tornaram igualmente importantes no ambiente de trabalho moderno. ➡️Leia mais na reportagem de Vinicius de Oliveira |