Mau desempenho no Ideb tem apenas um culpado? - PORVIR
Juca Varella / Agência Brasil

Inovações em Educação

Mau desempenho no Ideb tem apenas um culpado?

Bons resultados em indicadores educacionais demandam a participação de múltiplos atores, desde a gestão pública aos professores em sala de aula, e a contextualização do cenário escolar

por Ruam Oliveira ilustração relógio 6 de junho de 2025

O desempenho das escolas no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) voltou a ser assunto recentemente, após a prefeitura de São Paulo propor o afastamento de 25 diretores escolares de seus cargos – que seriam substituídos por interventores. A principal justificativa para a ação foram as notas consideradas baixas no índice. Além do Ideb, a prefeitura também observou dados do Idep (Índice de Desenvolvimento da Educação Paulistana) para tomar essa decisão. Os profissionais deveriam, então, passar por um curso de aprimoramento. 

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Contudo, a prefeitura decidiu voltar atrás na remoção desses gestores, mantendo a obrigatoriedade de curso, que deverá ter conteúdo e período discutidos entre as lideranças dessas escolas. 

Tanto punir quanto privilegiar escolas usando como base índices de qualidade da educação é uma atitude equivocada, afirma Romualdo Portela, professor do curso de pós-graduação em Educação da UFPA (Universidade Federal do Pará). “Cerca de 70% dos resultados de provas em larga escala estão associados ao nível socioeconômico dos estudantes. Isso é algo razoavelmente consolidado na literatura”, destaca, em referência ao debate amplamente investigado e consensuado pelos especialistas em educação, com base em pesquisas e estudos sobre o assunto.

Romualdo avalia que a figura do gestor é essencial para um bom funcionamento de qualquer escola, seja por criar estratégias de melhoria do clima escolar, por incentivar o corpo docente ou adotar outras medidas e condições necessárias para que professores e estudantes alcancem bons resultados. No entanto, para ele, não é possível relegar um bom ou mau desempenho da escola unicamente à atuação da gestão. 

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Ainda que os índices, sozinhos, não sirvam como critério de afastamento da gestão, muitas das escolas da lista da prefeitura de São Paulo estão de acordo com a meta proposta para o ano, informa um levantamento feito pela Repu (Rede Escola Pública e Universidade)

O estudo mostrou que somente 12% das escolas que entraram na lista de afastamento estão entre as 25 últimas no cumprimento das metas do Ideb. Além disso, os dados do Idep apontam  que 44% das escolas afetadas estão entre as 50% com melhores resultados em comparação com as metas dos anos finais.

“A utilização não sistemática de uma mescla de índices para justificar medidas administrativas extremas, como a intervenção em escolas, é inaceitável. Ainda que a decisão da SME (Secretaria Municipal de Educação) fosse lastreada em algum indicador, ela certamente foi baseada na comparação pura e simples dos desempenhos no Ideb ou no Idep, sem levar em conta o atingimento das metas pelas escolas e escolhendo de forma arbitrária os números mais desfavoráveis para cada escola”, registra o levantamento. 

De acordo com Miriam Fábia Alves, professora da UFG (Universidade Federal de Goiás) e presidente da ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), a avaliação feita pelo Ideb tem sido um grande dificultador do trabalho do gestor. “ A tarefa do gestor é coordenar, organizar e pensar coletivamente os caminhos da gestão da escola, algo que some quando a gente tem um foco muito centralizado na avaliação do Ideb”, aponta.

Os dados do Ideb combinam taxas de aprovação escolar e o desempenho dos estudantes e essa somatória tem sido utilizada na construção de rankings em todo o território nacional, o que para Miriam também é um aspecto negativo por incentivar um cenário de competição, além de tornar as metas um hiperfoco para a gestão. 

“O que nós estamos assistindo no Brasil é que muitas redes pressionam os gestores para que eles alcancem bons resultados, independentemente de como fazer isso. E, nessa questão, a gente compromete o processo de ensino-aprendizagem em nome de bons resultados nessas provas”, destaca Miriam. 

Uma responsabilidade dividida

Helena Singer, vice-presidente da Ashoka, organização sem fins lucrativos que apoia e reconhece empreendedores sociais, explica que, ao avaliar diferentes aspectos como proficiência e desempenho, os indicadores tentam apresentar uma visão global. Essa medição, por consequência, torna impossível uma avaliação específica sobre apenas um dos atores que compõem a educação, no caso, o gestor. 

Crianças subindo escada em escola com paredes decoradas e a frase “Sejam bem-vindos”, carregando mochilas.
Rovena Rosa / Agência Brasil

Se fosse necessário designar uma única pessoa para ser responsabilizada em relação ao Ideb de uma escola, por exemplo, ela aponta que, neste caso, a melhor opção seria o próprio secretário de educação, que responde por toda a rede.

Para alcançar bons índices, Helena elenca a atuação de toda a comunidade escolar, desde integrantes da secretaria – responsáveis por preparar formações e balizar estratégias para as escolas – até o professor que está tendo sua disciplina avaliada. Afinal, tudo compõe o processo de ensino-aprendizagem e, consequentemente, a atuação de cada um se reflete nos resultados dessas provas. 

Importância de olhar para os contextos 

A depender de onde a escola está inserida, os resultados tendem a ser influenciados pelo contexto. Mais do que o desejo individual da gestão, há questões como evasão, desigualdades socioeconômicas e migrações que podem influenciar na nota obtida nessas avaliações.

Mesmo escolas premiadas não conseguem ter seu desempenho aferido somente por este tipo de índice. É o caso do Espaço de Bitita, uma das escolas afetadas pela medida da prefeitura da capital paulista Localizado no Canindé, em São Paulo (SP), a atualmente recebe grande quantidade de migrantes e refugiado: 40% dos estudantes vêm de 20 países diferentes, 10% desse percentual vive em centros de acolhida). Crianças em situação de rua também frequentam a escola.

A área é um trecho remanescente da favela do Canindé, onde a escritora Carolina Maria de Jesus criou os três filhos e escreveu o sucesso “Quarto de Despejo”. O nome da escola faz referência ao apelido dado a Carolina por seu avô, por uma campanha liderada pelo diretor, Cláudio Marques. Anteriormente, o espaço levava o nome de Infante Dom Henrique, português que organizou o tráfico de escravizados da África.

O Ideb é um bom sinalizador de aprendizado. São dois resultados importantes, o da proficiência e a aprovação. Agora, usar o índice para avaliar as escolas, desconsiderando esse contexto, é profundamente equivocado, porque você está fazendo comparações de realidades muito diferentes, de mundos diferentes”, ressalta Romualdo. 

Além disso, a estratificação por nível socioeconômico em São Paulo é muito clara, aponta o especialista. “Há uma correlação altíssima do nível socioeconômico desses distritos com os resultados dessas escolas. Então, na verdade, é tomar uma decisão em cima de um diagnóstico equivocado. Porque, na verdade, você está penalizando o fato de a escola estar situada em uma determinada região e não, eventualmente, o sucesso ou o insucesso da ação da escola”, diz. 

Aspectos socioeconômicos já são observados em um outro índice. Em 2014, o Inep criou o Inse (Indicador de Nível Socioeconômico) das Escolas, que ajuda a classificar as instituições de ensino de acordo com poder aquisitivo e condições materiais dos estudantes. 

“A existência do Inse abre a possibilidade de elaboração de rankings restritos a escolas da mesma faixa socioeconômica. Desse modo, os rankings de escolas poderão levar em conta também o contexto socioeconômico dos estudantes, fator que, segundo especialistas, influencia diretamente o desempenho escolar”, aponta a Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação) em guia sobre o Ideb

Caminhos possíveis 

Dados e levantamentos são fundamentais para estruturar políticas públicas e ações voltadas à melhoria da educação. A busca por equidade na educação, por exemplo, se reflete em conhecer melhor as escolas e entender como diminuir desigualdades existentes. Mas a maneira como esses indicadores são aplicados tem sido questionada. 

“Minha avaliação é que essas provas nacionais padronizadas que depois se traduzem em um ranking de quem é melhor ou pior, promove ainda mais as desigualdades nas redes escolares e entre as redes. Ao contrário do que se pensa, as avaliações e o próprio Ideb não têm contribuído para uma melhor equidade na educação”, afirma Miriam. 

Helena também vê que o atual modelo de provas abre pouca margem para perseguir uma equidade educacional. Ela as descreve como uma forma “autoritária” de fazer educação, baseada em uma pedagogia disciplinar e escolástica que prioriza a memorização e a reprodução de conteúdo, que não considera outros saberes e valores das pessoas. 

“Não consigo imaginar que a avaliação nesse formato vá enfrentar as iniquidades e promover equidade”, lamenta Helena. 

No entanto, há caminhos possíveis para observar o estado da arte da educação no Brasil, sem deixar de considerar contextos e saberes próprios de cada território. 

Uma delas é a própria comunidade encontrar maneiras de se auto avaliar, observando as próprias aprendizagens e de forma a envolver não apenas o gestor, mas também professores, coordenação e alunos, como sugere Helena Singer. 

“Você coloca o estudante no lugar de sujeito. Ele sabe o que quer aprender. Na pedagogia que impera sobre as provas, o formato delas parte do princípio de que a criança é uma tábula rasa, que ela não sabe o que quer. E também, se for adulto, se for estudante, esse sujeito não sabe o que quer ou quer enganar, quer ter o diploma sem aprender nada. Mas não é assim. Todo estudante, desde criança, quer aprender”, diz Helena. 

Força da comunidade 

Os especialistas ouvidos pelo Porvir destacam que a situação vivida em São
Paulo pode se converter em uma lição para futuros gestores e também para as secretarias.  

“Quem é de fato capaz de defender a escola em relação a avanços autoritários, de desqualificação, esvaziamento e precarização são as famílias. Se as famílias estiverem firmes e fortes, tudo fica mais difícil para os atores que querem precarizar. Porque esses são os agentes políticos com força, os que têm o voto, quem elege os governadores, prefeitos e vereadores”, sugere Helena. 

Romualdo Portela lembra que existem muitas evidências científicas sobre os benefícios de uma comunicação próxima da escola com as famílias, inclusive que impactam nos resultados obtidos pelas escolas. 

“Do ponto de vista político, [o afastamento dos gestores] torna a atitude da secretaria um duplo erro, porque está tomando uma iniciativa que é além de ineficaz, impopular”, ressalta. 


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ensino fundamental, ideb

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Bruno Castro

O fortalecimento da relação entre escola e família, ou seja, a comunidade escolar de modo geral, só pode gerar benefícios à escola e, consequentemente, ao processo educativo, pois constitui uma rede de apoio aos professores e educandos, que percebem a interação positiva e, deste ponto em diante, entendem a importância da participação, como aluno hoje e como responsável amanhã.

João Kleber De Santana Souza

O governo Nunes não recuou. Mantém os professores afastados em 4 dias por semana. Normativa convocou 25 diretores para segunda-feira 09/06

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