Valesca Popozuda e os outros saberes que importam
Na semana em que professor usa letra de música funk em prova, Porvir discute a inclusão dos saberes dos alunos na sala de aula
por Redação 11 de abril de 2014
NOSSO OLHAR – Nesta semana, o noticiário de educação do país foi tomado por uma discussão em torno da artista Valesca Popozuda. Para recapitular aos que não acompanharam desde o início: um professor de filosofia de uma turma de ensino médio do Distrito Federal pedia, em uma das questões de sua prova, que os alunos completassem uma das músicas da cantora, o hit “Beijinho no Ombro”. A questão dizia: “Segundo a grande pensadora contemporânea Walesca (sic) Popozuda, se bater de frente: (A) É tiro, porrada e bomba; (B) É só beijinho no ombro; (C) É recalque; (D) É vida longa”. Veja imagem.
O que se viu, a partir da circulação desta foto nas redes sociais, foi uma enxurrada de críticas em várias direções. Rebateu-se o fato de o professor ter chamado a artista de “pensadora contemporânea”. A presença de um funk numa prova de filosofia. O uso de palavras de baixo calão na música original. A música popular brasileira. A imprensa. O salário dos professores. Não faltou argumento para quem quis jogar pedra. Sem entrar no mérito de julgar a questão, o Porvir faz o convite de se aproveitar a situação para enveredarmos o debate para outro lado: como inserir a realidade, os saberes e os interesses dos alunos, de maneira respeitosa, significativa e educativa, na sala de aula?
Em entrevista recente ao portal, o sociólogo Muniz Sodré fala da importância de se incorporar o que chama de “ecologia dos saberes” em sala de aula. Muito antes, Paulo Freire, o mais importante educador brasileiro, já defendia que a cultura e o conhecimento prévios dos estudantes são importantes porque o aprendizado acontece mesmo é na troca – seja entre professores e alunos, seja com outros professores, seja entre alunos.
Trocando em miúdos, o que ambos os pensadores têm em comum é a crença de que a escola não pode ser um espaço onde apenas um tipo de conhecimento é debatido. Ao contrário, precisa ser um local em que se promove o livre circular de diferentes perspectivas, o respeito à diferença, a tolerância, a flexibilidade. Portanto, os temas que os alunos trazem também precisam ser considerados, até mesmo para que possam ser discutidos com mais criticidade. Nessa conta entram não só o funk da Valesca Popozuda, mas também o samba, o rap, o hip hop, a capoeira, o candomblé e quaisquer manifestações culturais que façam parte do cotidiano dos estudantes.
O desafio para os educadores é abrir as portas da sala de aula para aquilo que já desperta o interesse dos alunos, promover uma reflexão cuidadosa a respeito e criar oportunidades para que eles tenham acesso a novas referências que ampliem seus conhecimentos e seu repertório. Desta forma, ganham todos.
– Ganha a escola, que consegue reter mais os alunos. Aqui, cabe lembrar que, segundo o censo escolar mais recente divulgado pelo MEC, 1,6 milhão de estudantes abandonaram a escola em 2012. Só para se ter uma ideia de volume, é como se todos os alunos matriculados no ensino médio de São Paulo desistissem de ir à escola.
– Ganha o aluno, que passa a ver mais sentido na escola, consegue conectar seus interesses com sua vida escolar, é capaz de ter um olhar desenvolve um olhar mais crítico sobre sua realidade. Também passa a ter uma formação que não se encerra no que é dado e imposto, mas consegue dialogar com diferentes pontos de vista, tem acesso a uma formação mais compreensiva que o ajudará nos desafios da vida.
– Ganha a sociedade, que terá alunos mais engajados no próprio aprendizado e mais críticos como cidadãos.
Muitos são os exemplos de iniciativas que conseguem desenvolver trabalhos personalizados e com resultados significativos a partir dessa perspectiva. A trilha educativa, metodologia adotada na educação integral, é um deles. Nela, os alunos propõem um tema que é de seu interesse e, a partir daí, passam a correlacionar com os assuntos das disciplinas.
A escola Politeia, em São Paulo, é uma das que usa essa abordagem. Lá, recentemente, um grupo de alunos de ensino fundamental 2 – já que não são divididos por séries – resolveu estudar os super-heróis. Os professores aproveitaram o mote para ensinar história, geopolítica, biologia, matemática e, ao fim, os estudantes apresentaram uns aos outros e para a comunidade escolar o resultado de sua pesquisa individual. No portal do Centro de Referências em Educação Integral, é possível conferir como escolas de todo o país têm trazido o interesse dos alunos para dentro da sala de aula.
A tentativa de considerar e valorizar saberes da comunidade é o centro de outra iniciativa atualmente em andamento, o Mundial da Educação. Várias instituições se organizaram para estimular que moradores das cidades-sede de jogos da Copa do Mundo identifiquem os potenciais educativos de suas cidades e promovam eventos de trocas.
Como se vê, as possibilidades são várias, dentro e fora da escola. Voltando à Valesca Popozuda e o uso de uma música sua na prova de filosofia, todo esse debate suscitado deve aproveitar o momento para discutir maneiras de oferecer um ensino mais personalizado e engajador. Se não, a oportunidade vai passar deixando um beijinho no ombro.