Expedições levam paulistanos a rios escondidos
Projeto Rios e Ruas promove preservação de bacias hidrográficas através de oficinas práticas e teóricas
por Marília Arantes 6 de junho de 2014
Uma trama de córregos, riachos e rios sobrevive imersa no subsolo da cidade de São Paulo. São mais de 400 cursos resistindo a camadas de asfalto e construções, que ora desaparecem, ora com a força das chuvas retomam seus caminhos. Em 2010, uma dupla de amigos encantados pela natureza escondida começou a redesenhar estes elementos insistentes, que sobrevivem à ação humana. Assim, surgiu o projeto Rios e Ruas.
Desde 1995, um dos fundadores do projeto, o geógrafo e educador Luiz de Campos Júnior, já desenvolvia trabalhos de campo com estudantes, além de atividades de formação para educadores do ensino fundamental e médio relacionadas à educação ambiental. Há quatro anos, ele se juntou ao arquiteto e urbanista José Bueno para levar curiosos a conhecer as veias da cidade. A ideia era extrapolar o ambiente das escolas e levar a experiência para as ruas e outros públicos.
O objetivo do Rios e Ruas é reconhecer as principais bacias hidrográficas da cidade para disseminar a conscientização sobre a importância de preservá-las e até recuperá-las. Através de oficinas práticas e teóricas – vivências in loco de rios e riachos, soterrados ou não -, eles guiam expedições da nascente à foz dos cursos d’água, para que se volte a percebê-los. “Vivemos sobre nossos rios. Embora eles estejam canalizados e sofridos, são vivos e merecem ser reencontrados”, diz José Bueno.
Questionado sobre o potencial educativo das expedições, o geógrafo Campos Junior diz não concordar com a separação entre educação ambiental e ensino convencional. “Não é possível dividir o cotidiano da questão, questões naturais relacionam-se ao dia a dia. Trabalhamos a natureza através de rios enterrados, invisíveis. É uma educação para a vida. Abrir a torneira e lavar o rosto tem relação direta com mananciais.”
Para Luiz, a experiência de ver uma nascente aberta e correndo num lugar urbanizado como a Avenida Heitor Penteado, em São Paulo, tanto surpreende como muda a percepção das pessoas. “Alguém só pode querer preservar uma coisa que conhece. Pouquíssimos paulistanos sabem, mas temos mais de 400 rios correndo pela cidade (são 300 oficiais) e cerca de 3.000 km de curso d’água no município. Entre as avenidas Paulista e Consolação, nascem três braços diferentes – do Anhangabaú, do Iguatemi que desce pelos Jardins e a que forma o lago norte do Ibirapuera, pela 23 maio. É muita água!”, explica.
Entre as expedições promovidas pelo Rios e Ruas mais conhecidas, a do Riacho das Corujas vai da nascente, lateral a uma escadaria, passa por bocas de lobo, galerias subterrâneas, até a praça onde corre a céu aberto, abastecendo uma horta comunitária. Outra segue o rio escondido Saracura, que nasce a duas quadras da Avenida Paulista, espigão-berço de quase todos os rios da cidade – os que nascem para o lado dos Jardins desaguam no rio Pinheiros, os do lado do bairro Bela Vista desembocam no Tietê.
Campos Junior considera gratificante o retorno do projeto. Mais de 2.000 pessoas já participaram de atividades como expedições, oficinas e palestras. No próximo semestre, o projeto envolverá sete escolas da rede municipal de São Paulo, em 40 expedições e 40 oficinas sobre a bacia do rio Jaguaré. Segundo o geógrafo, o encerramento acontecerá às margens do rio Pinheiros, no Projeto Pomar. Parcerias com universidades também são consideradas importantes para os líderes do projeto. Luiz menciona uma oficina realizada em parceria com a Fatec (Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza) para calouros do curso de saneamento ambiental. “Foi espetacular, pois são eles que terão que resolver esse pepino,” diz.
Mostra Rios e Ruas
Além das expedições, o Rios e Ruas realiza outras atividades com o objetivo de conscientizar a população para a questão das águas. Um exemplo é a Mostra Rios e Ruas, realizada em parceria com a plataforma Planeta Sustentável, da Editora Abril, que está em cartaz até 31 de julho, na Praça Victor Civita, em São Paulo. “Ao ocupar o espaço público, a arte urbana poderá multiplicar educadores ambientais”, comentou Charles Groisman, responsável pelo planejamento criativo da exposição que faz parte do evento Planeta no Parque, e conta a história de São Paulo sob o olhar do crescimento acelerado.
Na Praça Victor Civita, obras retomam a paisagem por debaixo do concreto. São cinco intervenções dos artistas Carla Caffé, Danilo Zamboni, Eduardo Srur, Paulo Von Poser e Zezão. Para o lançamento, foi realizada uma expedição pela bacia do Coruja com a participação de mais de 100 pessoas e do ultramaratonista Carlos Dias, que percorreu simbólicos 30km em caminhos fluviais. “Tudo coincidiu com o momento da crise hídrica que estamos vivendo, junto com a semana do meio ambiente. Ainda é tempo para uma nova consciência, pelo impacto de grandes ideias em movimento”, dividiu Groisman. No segundo semestre, uma segunda parte da exposição será realizada na mesma praça, e no dia 22 junho acontecerá uma nova expedição pelo Coruja. As inscrições para a caminhada, gratuita, podem ser feitas na pela página da Mostra na internet.
Limpeza do Tietê
Otimista em relação ao futuro, Campos Junior defende uma repaginação urbana que respeite a geografia da cidade. Segundo acredita, missões complicadas como limpar o Tietê, por exemplo, não são impossíveis. “Já gastamos muito dinheiro, resultados demoram. Porém, o Tâmisa, em Londres, esteve em situação pior. Ou em outro caso recente, reabriram um rio no centro da cidade de Seoul. Isso está acontecendo em vários lugares, acontecerá aqui também”, prevê.
A mudança de mentalidade vale mais do que qualquer campanha, segundo o geógrafo. Por isso, considera fundamental tornar pública a questão das águas. “Rio e nascente são completamente diferentes de esgoto. Isso é obvio, mas não em São Paulo. O rio Pinheiros não tem cheiro, aquele cheiro é nosso. Tomar essa consciência é o trabalho mais importante da iniciativa. Daí aparecem mil ideias”, conclui.