Escola dentro da escola pública ensina a empreender - PORVIR
Divulgação / Convexo

Inovações em Educação

Escola dentro da escola pública ensina a empreender

Projeto usa comunicação, empreendedorismo e lógica para estimular lideranças comunitárias na periferia de Porto Alegre

por Marina Lopes ilustração relógio 8 de maio de 2015

Em um bairro da periferia da zona sul de Porto Alegre, pesquisadores saíram às ruas de terra da Comunidade Chapéu do Sol para realizar um censo com quase cem mulheres. O motivo? Entender o perfil das entrevistadas e levantar dados que ajudariam na constituição de uma cooperativa feminina para produção de azeite de oliva. Daria até para imaginar que a ação foi organizada por uma universidade ou programa de empreendedorismo social. Mas, não. A iniciativa partiu de alunos da Escola Estadual Ensino Fundamental Nehyta Martins Ramos.

Trabalhando com foco na resolução de problemas reais da comunidade, desde 2013 esses alunos vivenciam uma nova experiência. Enquanto no período regular eles assistem a aulas “tradicionais”, com divisão por séries e conteúdos curriculares acadêmicos, no contraturno se misturam com colegas de diversas idades para participar da Escola Convexo, uma ação que incentiva o protagonismo infantil e o surgimento de lideranças a partir de metodologias sustentadas por comunicação, lógica e empreendedorismo.

Apadrinhado pelo educador português José Pacheco, o projeto tem bases na metodologia da Escola da Ponte, além de também trazer referências da John Perry Primary School, em Londres, e a Junior Achievement, uma organização social sem fins lucrativos que desenvolve programas educativos para despertar o espírito empreendedor na escola.

A ideia de criar uma “escola dentro da escola” surgiu do administrador Bruno Bittencourt e a consultora contábil Onília Araújo, que se conheceram em um programa de empreendedorismo da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Após as manifestações de junho de 2013, decidiram que gostariam de fazer algo além de ir para as ruas levantar cartazes. “A gente pensou que a educação era justamente a resposta para grande parte dos problemas sociais que vivenciávamos. A gente sempre tenta achar um culpado pela educação, mas na realidade não existem culpados. Todos precisam participar”, contou Bruno Bittencourt, que é mestrando em inovação, tecnologia e sustentabilidade.

‘Se o aluno souber se comunicar, desenvolver o raciocínio lógico e ter visão empreendedora, independente da área que seguir, ele vai se dar bem’

Com um projeto piloto na mão e a vontade de levar a cultura do empreendedorismo para dentro do ambiente escolar, bateram na porta de diversas escolas públicas da cidade até chegarem na Nehyta Martins Ramos, que abraçou a ideia e cedeu espaço na instituição. Em um grupo de dez alunos, no turno inverso passaram a trabalhar com as crianças os conteúdos curriculares com foco metodologia de resolução de problemas. “A gente começou adaptar os conteúdos do ensino fundamental para a lógica do empreendedorismo, pensando que se o aluno souber se comunicar, desenvolver o raciocínio lógico e ter visão empreendedora, independente da área que seguir, ele vai se dar bem.”

Hoje a Convexo trabalha com 50 alunos da escola, com idades entre 7 e 17 anos. Como em uma empresa, eles se dividem em funções de marketing, finanças, recursos humanos, operacional e vendas. Todo o ciclo educacional é composto por quatro movimentos, que são: 1) identificar uma necessidade da comunidade; 2) transformar essa oportunidade em um projeto; 3) pensar em um negócio; 4) transformar em uma empresa. Em cada etapa são trabalhados conteúdos de português e matemática em situações reais, como usar pontuação para redigir um contrato ou aprender estatística com pesquisas de opinião.

Projetos protagonizados pelos alunos

Quando o projeto começou, a primeira tarefa realizada pela turma envolvia pensar em estratégias para transformar a horta da escola, que estava praticamente abandonada. Os alunos que participavam da atividade foram para o pátio da escola e convocaram os outros colegas para ajudarem na revitalização do espaço, elaborando um plano de ação com diversas estratégias.

No ano seguinte, já olhando além do perímetro da escola, o desemprego foi identificado como um problema que afetava a comunidade. Ao mesmo tempo, notaram que não existiam brechós na região e faltavam espaços para moradores venderem lanches e produtos caseiros. Dessa necessidade, surgiu a ideia de organizar brechós mensais na escola, trazendo os pais e vizinhos para ajudarem. Segundo Bittencourt, o mais interessante da ação é conseguir envolver a comunidade nos projetos. “A gente acredita muito na visão de espiral, que começa pela criança, envolve os outros alunos, os professores, a direção, os pais, a comunidade e a sociedade como um todo”, defendeu o administrador.

‘Os alunos estão conseguindo se colocar no lugar do outro e percebem que podem agir para melhorar a sua escola e sua comunidade’

Para Mara Regina Romeira, diretora da Nehyta Martins Ramos, a ação tem ampliado o diálogo da escola com a comunidade. “Os alunos estão conseguindo se colocar no lugar do outro e percebem que podem agir para melhorar a sua escola e sua comunidade. Eles estão identificando necessidades e transformando em empreendedorismo”, contou. De acordo com ela, essas noções fizeram com que eles percebessem que podem tirar suas ideias do papel. “Como eles vão fazer para ganhar dinheiro? Eles podem criar uma cooperativa, montar projetos e correr atrás das suas metas.”

No projeto da cooperativa de mulheres que começou este ano, por exemplo, após debates sobre questões de gênero em conjunto com as mães e outras pessoas da comunidade, os alunos identificaram que a ação ajudaria a gerar renda para as famílias do local. Eles são responsáveis por pensar na estrutura da organização, convocar mulheres da comunidade, estabelecer parcerias e envolver os pais. Até o momento, já conseguiram apoio de uma agência de publicidade para pensar na identidade visual da marca e fecharam uma parceria com uma rede de restaurantes veganos e vegetarianos da cidade para comercializar o azeite.

De acordo com Bruno Bittencourt, ao se sentirem responsáveis por essas ações, os alunos conseguem se ver capazes de gerar transformação. “A gente tenta trabalhar muito a questão da autoestima. Eles estão muito acostumados a ouvir ‘tu não podes’ ou ‘tu não consegues’. A educação é responsável por uma transformação social.”


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aprendizagem baseada em projetos, empreendedorismo

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