Livro traz dicas para manter um projeto de educação – e fazê-lo crescer
“Guia de Sobrevivência da Educação Inovadora”, do jornalista Caio Dib, tem dez tópicos essenciais para garantir a sustentabilidade do trabalho dos educadores
por Fernanda Nogueira 7 de dezembro de 2018
Como manter, estruturar e fazer crescer um projeto de educação? O “Guia de Sobrevivência da Educação Inovadora”, do jornalista Caio Dib, traz respostas para estas dúvidas. O livro tem dez dicas práticas, divididas em capítulos. Entre elas estão temas como a importância de conhecer e ouvir a turma, trabalhar de forma colaborativa e divulgar o trabalho. Educadores e profissionais de diferentes áreas contam como fazem para atingir seus objetivos.
A publicação pode ser considerada um passo adiante do trabalho anterior de Caio, o livro “Caindo no Brasil: Uma Viagem pela Diversidade da Educação”, que falou sobre experiências inovadoras de educação espalhadas pelo país. Enquanto o primeiro era um “livro de inspiração”, com projetos visitados pelo jornalista durante uma viagem de ônibus de cinco meses, o novo guia traz uma proposta de ação, segundo Caio.
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“O guia conta como garantir que os projetos continuem acontecendo e fiquem vivos. Em 2013, o grande problema da área de inovação era que o mercado era imaturo. Agora tem o problema que as práticas nascem e morrem todos os dias. Existem muitos desafios para sobreviverem. O guia traz dicas práticas que ajudam os projetos tanto de escolas como da educação informal a continuarem fazendo a diferença”, diz o autor.
Um dos prefácios do guia é da fundadora e presidente-executiva do Movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz. O outro é do professor Cléssio Bastos, que faz um trabalho inovador em uma escola rural de Goiás. A orelha foi escrita pela professora de língua portuguesa Maria Eduarda Gomes, do Mato Grosso, “que também tem um olhar de professora inovadora, que sofre para fazer seu projeto”, diz Caio.
Entre os entrevistados estão Elton Luz, diretor da escola Alan Pinho Tabosa, de Pentecoste, no Ceará. “A escola estadual de educação profissional surgiu da criação de uma metodologia estruturada e hoje é replicada em escolas públicas do estado. Tem bastante base teórica, conseguiu exponenciar o projeto”, diz Caio. Lucas Fonseca, da Garatéa, tem um negócio social que aproxima crianças do espaço. Mônica Passarinho, do Instituto Toca, em Itirapina (SP), desenvolve um trabalho com educação infantil. A professora Fátima Vidal Rodrigues, da UnB, tem um projeto sustentável (Projeto Autonomia), que transforma a educação pública em Brasília. Já Priscila Gonsales, do Instituto EducaDigital, trabalha com recursos educacionais abertos. Confira entrevista com o jornalista sobre o guia:
Porvir – O que este novo livro traz do projeto anterior, “Caindo no Brasil”?
Caio Dib – Traz a proposta de ação. “Caindo no Brasil” é um livro de inspiração, para mostrar que existem boas práticas acontecendo. É um livro de referência, tem histórias e a parte teórica. Este novo livro é mais rápido, com dicas de como agir e fazer a coisa acontecer. É bem mais mão na massa. Tem uma linguagem super simples e ágil. A média de leitura é de uma hora e meia. Tem ferramentas muito práticas para aplicar. Representa uma evolução. Em 2013, fui conhecer as práticas. Agora é o momento de aplicar a inspiração, vista na realidade, e de fazer com que seja frequente, que não nasça e morra toda hora.
Porvir – Por que decidiu escrever o guia?
Caio Dib – Depois da viagem pelo Brasil, continuei a mapear as práticas inovadoras e segui conhecendo gente. Minha vontade era pegar o que aprendo com pessoas e projetos bem-sucedidos e tentar mostrar, não com um livro de receitas, mas com algumas dicas que ajudem projetos que têm o desafio de continuidade a seguir em frente.
Fui educador por quatro anos. Sinto que, como educador, não fazia várias coisas que foram prejudiciais para a continuidade e para ser mais forte. Uso um pouco das minhas dores, coisas que acho que não fiz bem no meu projeto, que foram cruciais. Uma das coisas mais legais do livro é o trabalho que chamo de “cenários análogos”, não falo só sobre desafios com educadores. Busco respostas em outras áreas, que usam outros pontos de vista e outras experiências para resolver o problema.
Entrevistei um engenheiro espacial, um psicomotricista (profissional que estuda o corpo) e preparadores vocais. Por exemplo, o professor perde a voz no final do ano. Cai a energia do projeto. A cantora Anitta também precisa cuidar bem da voz. Como ela faz isso? Falei com um preparador vocal, que deu dicas para cuidar bem da voz e continuar dando aula.
Um outro ponto muito legal é como negociar com tomadores de decisão. Tem pessoas que negociam bem. Conversei com um profissional que faz “advocacy” (incidência política) com o governo, para que a pauta dele seja valorizada. Esses são aprendizados de outras áreas que podem ser adaptados para o ambiente da educação. O Todos pela Educação, por exemplo, defende a causa da escola pública de qualidade.
Porvir – Quais são as principais dificuldades para colocar em prática e dar continuidade a projetos educacionais?
Caio Dib – Cada capítulo fala sobre um desafio. Um deles é conhecer a turma. Às vezes, o educador tem uma ideia na cabeça, mas o projeto não tem nada a ver com o grupo. Tem que apresentar o projeto. Quando fui educador, cheguei com uma proposta sobre produção de projetos para melhorar o bairro. Minha primeira proposta foi de levantarmos problemas. Foi um caos. As primeiras aulas foram trágicas. Até que um aluno disse que não queria ver problemas. Ele disse que a Copa do Mundo ia acontecer e que eles não queriam que os gringos vissem os problemas. Queriam que vissem as coisas boas. Decidimos mapear os pontos positivos do bairro e o projeto funcionou. Cheguei sem conhecer direito a turma. Isso pode matar o projeto desde o começo.
Outro tópico fala sobre a importância de ter uma base teórica (para conhecer os beneficiados e ter fundamentação a partir do trabalho de outras pessoas na área). Um capítulo fala sobre colaboração, sobre como conseguir parceiros no entorno, para fazer o projeto ser mais forte e ir além de você.
Tem ainda outros tópicos, como registrar o trabalho feito. Muitas vezes o educador não registra e não consegue ver desafios e pontos positivos. Precisa usar dados para ver se o projeto está dando certo. Você entrega um baita projeto para o mundo e não dá certo. Isso acontece porque não fez pontos de checagem no meio. Outro tema é divulgação. Como fazer para que mais pessoas conheçam o trabalho. Como conseguir colocar no jornal, em sites, rádios, mostrar para formadores de opinião. Vários projetos cresceram porque começaram a sair em veículos de comunicação.
A sustentabilidade financeira também é importante para pagar as contas. Entrevistei um engenheiro que leva projetos de estudantes para o espaço. Precisa encontrar parceiros que possam apoiar financeiramente o projeto. O último capítulo fala sobre saúde. Entrevistei um coaching mental. Ele trabalha com uma técnica de hipnose super séria. O educador precisa cuidar da cabeça. A maioria dos professores tem depressão, ansiedade, síndrome de burnout.
Porvir – Quais são as principais dicas para os educadores?
Caio Dib – Ressaltaria muito ouvir o aluno, o jovem, a pessoa que vai fazer o projeto. Outro ponto super importante é a colaboração. A Bahia, por exemplo, faz os currículos envolvendo todos os atores da rede. Além disso, é importante colaborar, inclusive com pessoas que não apoiam 100% a sua causa. Um livro interessante sobre o assunto é o “Trabalhando com o Inimigo”, de Adam Kahane. É legal porque, muitas vezes, em educação e em outras áreas, a gente não conversa com o diferente. Conversa só com quem concorda com a gente. Esse livro pauta muito isso. De que precisa conversar com todo mundo e sair da bolha. Por último, precisa divulgar o projeto, fazer com que seja mais conhecido além do seu círculo de amigos.