Alunos aprendem mais quando a gestão é acolhedora - PORVIR

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Alunos aprendem mais quando a gestão é acolhedora

Uma boa liderança escolar pode promover um ambiente seguro e inclusivo, focado no desenvolvimento dos alunos e da equipe como um todo

Parceria com Isaac

por Luciana Alvarez ilustração relógio 22 de novembro de 2024

A escola é o primeiro ambiente de socialização das crianças fora do seio da família. Para os pequenos, que estão começando a explorar o mundo além do olhar dos pais, é evidente a necessidade de se sentirem seguros e acolhidos. No entanto, à medida que as crianças crescem, essa preocupação parece ser negligenciada. Contudo, criar um ambiente acolhedor é essencial desde a primeira infância até a adolescência, abrangendo todas as etapas da jornada educativa.

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“Com acolhimento, abre-se uma possibilidade maior de desenvolvimento pleno, tanto das habilidades socioemocionais quanto dos aprendizados acadêmicos. A criança ou adolescente chega ao seu potencial se estiver acolhido. Em um ambiente hostil, sente-se inseguro, desvalorizado, e tende a se retrair”, explica Gustavo Estanislau, psiquiatra especialista em psiquiatria da infância e adolescência pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre (UFRGS) e membro do Instituto Ame sua Mente.

Os estudantes, muitas vezes, não expressam verbalmente que não se sentem acolhidos, mas demonstram sinais claros. No caso das crianças pequenas, os comportamentos mais comuns incluem recusa em ir à escola, atitudes mais infantilizadas. “A alimentação pode ficar mais complicada, assim como pode passar a apresentar problemas de sono, muitas vezes porque está tensa em saber que terá de ir para a escola na manhã seguinte”, explica o psiquiatra. 

Conforme crescem, evidências podem ser observadas em sinais como desmotivação repentina ou queda no rendimento escolar. “Temos também certas falas, como ‘eu sou burro’, ou ‘ninguém gosta de mim’. Se eu não me sinto acolhido, tenho minha autoestima afetada e não me sinto digno de ser gostado por um grupo. A partir daí, eu passo a me isolar”,  aponta o médico. Segundo Estanislau, uma criança isolada tem risco acrescido de ser vítima de bullying. Um amigo já protege contra o bullying, mas estudos mostram que quem tem pelo menos três amigos já está praticamente a salvo. 

De acordo com os pesquisadores do estudo “A Friend Is a Treasure and May Help You to Face Bullying” (em tradução livre, “Um amigo é um tesouro e pode ajudar você a enfrentar o bullying”), o bullying é menos frequente entre crianças que têm amigos.

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Contudo, nem sempre essa criança ou adolescente isolado é facilmente identificado pelos professores e demais adultos na escola. A própria estrutura escolar dificulta o olhar mais atento. “Nos anos finais do fundamental, muitas vezes ocorre uma mudança de escola. Elas passam de crianças mais velhas da escola, para as mais novas. Junto disso, passam a ter múltiplos professores, especialistas. Esses professores chegam a ter 500 alunos, trabalham em várias escolas, em mais de uma rede. Com 50 minutos de aula, às vezes nem consegue memorizar o nome das crianças”, diz Esmeralda Macana, coordenadora do Observatório Fundação Itaú.

O Observatório Fundação Itaú, em parceria com o Equidade.Info, fez uma pesquisa sobre o clima escolar, as práticas de racismo e dos conflitos nos estabelecimentos de ensino das redes pública e privada no Brasil. Segundo o estudo, na média geral, 81% dos alunos se sentem acolhidos pela escola. Mas a porcentagem diminui conforme avançam as etapas de ensino. Nos anos iniciais do Fundamental, o índice é de 86%, nos anos finais cai para 77%, e chega a 72% no Ensino Médio. O levantamento aponta que os alunos negros se sentem menos acolhidos que os brancos (78% entre negros e 84% entre brancos).

Há ainda uma diferença de percepção entre os estudantes e os docentes: 92% dos professores disseram que os alunos se sentem acolhidos na escola, uma diferença de 11 pontos em relação à mesma pergunta para os alunos. 

Foi perguntado também se professores e gestores sabiam lidar com as mudanças que ocorrem na adolescência, como variações no humor ou questões de autoestima. Apenas 64% dos professores e 61% dos gestores concordaram que sabem lidar com as mudanças. Vale observar que 27% dos professores e 28% dos gestores disseram que “não concordam, nem discordam”, indicando dúvidas em relação ao tema.

Papel fundamental da direção
Um relatório de 2021, publicado pela Wallace Foundation, uma ONG de Nova York, destaca que, entre os fatores dentro das escolas, a gestão é o segundo que mais impacta a aprendizagem dos estudantes — ficando atrás apenas do professor. O estudo aponta que diretores eficazes direcionam suas ações para interações com foco no ensino, trabalhando ao lado dos professores para “criar um ambiente escolar produtivo, promover a colaboração, fomentar comunidades de aprendizado profissional e implementar processos estratégicos de gestão de pessoal e recursos.”

A edição mais recente do Relatório Global de Monitoramento da Educação (GEM Report), da Unesco, reforça a importância da liderança escolar e as principais habilidades e competências necessárias para a profissão. Clique aqui para conferir a reportagem do Porvir.

Estratégias para melhorar o acolhimento

A discrepância entre a percepção dos alunos e dos adultos da escola significa que muitas vezes, o problema pode estar bem ao lado, sem ser notado. Portanto, Esmeralda defende que o primeiro passo é fazer um diagnóstico em cada unidade escolar. “Os gestores devem fazer um diagnóstico, ouvindo professores e alunos, para só então desenvolver um plano de ação, com todos juntos” sugere. Para ela, é importante que os estudantes participem do desenho da solução, porque numa gestão participativa eles já começam a se sentir incluídos e pertencentes à escola.

Para ser de fato acolhedora, a escola também precisa promover uma educação antiracista, respeitando todos com seus cabelos, cores e culturas, defende Esmeralda. Mas isso só vai acontecer com ações estruturantes. “Não se resolve com um dia de palestra, algo pontual, mas sim com planos pedagógicos, materiais didáticos e boas formações. O professor tem que saber como agir se, por exemplo, ouvir um comentário racista de um aluno para outro”, diz ela. 

A coordenadora do Observatório recomenda ainda que as famílias sejam incluídas em todo o processo, porque fazem parte da comunidade escolar. “Quando se fala em clima de acolhimento, não podemos deixar parte da comunidade de fora. É desafiador, mas é essencial criar estratégias de participação da família – não basta convocar para reunião quando há problema, ou para atividades em horários que os pais trabalham. Mas vale a pena, porque todos vimos durante a pandemia como o envolvimento das famílias dá resultados”, diz Esmeralda. 

Outra linha de ação, defendida pelo representante do Instituto Ame sua Mente, é cuidar para que os professores estejam bem emocionalmente. “As pessoas precisam estar se sentindo bem para conseguir acolher. Vejo em relação a mim mesmo: quando não estou bem, quando estou irritado, ou triste, não consigo acolher. Uma escola acolhedora seria uma escola que se importe com a saúde mental do seu educador, que ofereça rodas de conversa, que consiga ajudar os profissionais que se sintam angustiados. Sempre penso na metáfora do avião: primeiro tenho que estar com a máscara de oxigênio no meu rosto para poder ajudar a botar a máscara nos outros”, diz Gustavo.

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Boas práticas de proximidade

Em Portugal, desde 1998 um decreto institui que todas as turmas a partir do 5o ano – que é quando começam as aulas com os professores especialistas no país – tenham um professor “diretor de turma” (DT). “Em termos gerais, o DT é responsável por coordenar e acompanhar o percurso académico, disciplinar e pessoal dos alunos da sua turma. Ele atua como elo entre a escola, os alunos e as suas famílias, promovendo o bom funcionamento do grupo”, conta Lurdes Neves, docente e pesquisadora do Instituto Superior de Gestão (ISG).

Os DTs têm uma carga horária destinada para exercer as suas funções; este tempo é usado para reuniões com as famílias, análise do progresso dos alunos, resolução de conflitos e questões administrativas relacionadas à turma. O seu trabalho acaba até por facilitar a gestão da escola. “Podem intervir preventivamente em casos de comportamentos problemáticos, reduzindo o número de situações a serem resolvidas pela direção. Assim, eles são peças-chave para o bom funcionamento da organização interna”, explica Lurdes.

Mas eles são ainda peças-chave para a colaboração com os pais. “Para as famílias, o DT é muitas vezes a primeira linha de contato com a escola, o que ajuda a criar um vínculo de confiança e proximidade, especialmente relevante nas idades em que os alunos começam a ganhar maior autonomia”, diz a professora. As famílias costumam se comunicar diretamente com o DT para saberem sobre o desempenho e comportamento de seus filhos, qualquer que seja a disciplina.

Esse professor especial tem ainda a função de mediar as relações entre os alunos e promover o acolhimento. “Em casos de conflitos, o DT tem a função de facilitar o diálogo e promover a resolução pacífica de problemas, contribuindo para um ambiente de maior acolhimento”, afirma Lurdes.

lookstudio/Freepik

Gestão acolhedora

No Brasil, o estado do Ceará se inspirou no modelo português e também incluiu a figura do professor diretor de turma em suas escolas de ensino médio. A política foi iniciada em 2008 para escolas de formação profissional, mas acabou se expandindo e, em 2022, foi universalizada para todas as turmas da rede, seja do diurno ou do noturno. Os docentes DT têm 3 horas semanais destinadas para as funções. 

O objetivo é aprimorar o acompanhamento dos alunos em sua rotina escolar e no seu desenvolvimento pessoal. Nesse modelo, um dos professores da base comum é designado para assumir a responsabilidade por uma turma específica, desempenhando também a função de docente. Cabe ao diretor de turma conhecer os estudantes individualmente, para atendê-los em suas necessidades. Ou seja, para acolhê-los e, assim, permitir seu desenvolvimento pleno.

Na dissertação de pós-graduação “Professor diretor de turma: um estudo entre Brasil e Portugal acerca de uma política educativa do estado do Ceará”, Vagna de Brito Lima, doutora em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e coordenadora de formação docente e ensino a distância da rede estadual do Ceará, reflete que “o programa professor diretor é uma política educativa focalizada no aluno, pensando na redução da inadimplência, evasão e abandono e na melhoria dos resultados da aprendizagem.”

Atualmente, a rede cearense também oferece um ambiente virtual no qual o diretor de turma registra informações sobre a ficha biográfica dos alunos, as características socioeconômicas de suas famílias e seu desempenho acadêmico. Além de acompanhar a evolução curricular, o sistema também monitora o desenvolvimento das habilidades socioemocionais.

“Essa é uma das principais diferenças entre o programa brasileiro e o modelo português”, explica a mestre em educação e professora da rede estadual cearense, Alexsandra dos Santos Barbosa, autora da dissertação “Projeto Professor Diretor de Turma na escola pública: desafios e funcionalidades”.

Em entrevista ao Instituto Claro, Alexandra ressaltou que a cooperação, de fato, retira a sobrecarrega da gestão. “Quando você está em uma classe que não é a sua e percebe algo diferente, pode comunicar diretamente o professor diretor daquela turma e trocar informações.”

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gestão democrática, gestão escolar

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