Alunos de comunidade ribeirinha aprendem frações com plantio de hortaliças e receitas de adubo - PORVIR
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Diário de Inovações

Alunos de comunidade ribeirinha aprendem frações com plantio de hortaliças e receitas de adubo

Professor utilizou os próprios conhecimentos sobre adubo que os estudantes tinham para encorajá-los a aprender frações.

Parceria com Instituto Significare

por Edivanderson Lopes ilustração relógio 30 de junho de 2021

A ideia de construção deste projeto começou quando trabalhávamos em matemática o assunto referente a frações. Alguns alunos do 5º ano tinham muita dificuldade para compreender o assunto de forma teórica e também prática. A parte prática geralmente não envolvia atividades que eles estavam acostumados a lidar no dia a dia, visto que a escola é localizada em comunidade ribeirinha e alguns alunos não têm nem ao menos acesso à televisão. Ao entrar na sala de aula, eles frequentemente comentavam o que tinham feito no dia anterior, como a pesca e agricultura, ambas as principais atividades desenvolvidas na comunidade e única fonte de renda para algumas famílias.

Certo dia, a discussão estava relacionada à agricultura, e um aluno comentou que a família dele não plantava determinada hortaliça porque o adubo que utilizavam era muito forte e a planta não resistia. Outro, disse que era melhor misturar com um fertilizante diferente, enquanto uma aluna disse que o pai usava este mesmo tipo, mas plantava outra hortaliça, Daí surgiram várias “receitas” para um bom adubo.

Neste dia observei que havia, segundo os alunos, pelo menos quatro tipos de adubos (esterco de gado, esterco de galinha, pau e terra) mais utilizados na produção familiar, e que a grande maioria utilizava um ou dois desses tipos de adubo em sua produção. A partir dessa discussão em sala de aula e da dificuldade que alguns dos alunos possuíam em fração, surgiu a ideia de realizarmos este projeto. Ele teve como base os principais adubos usados na comunidade, em diferentes frações para o cultivo das três hortaliças mais cultivadas por eles (pimentinha, pimentão e tomate), a fim de descobrir qual seria as frações ideias para este cultivo.

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No período em que não estão na sala de aula, a grande maioria dos alunos ajuda seus pais nessas atividades, adquirindo recursos para sua família e conhecimento para quando estiverem exercendo essas atividades de forma independente. Era comum também recebermos justificativas de alunos que não iam às aulas porque necessitavam ajudar os pais. Essa realidade tem mudado, visto que o conhecimento em sala de aula tem buscado trabalhar com as atividades que eles estão ligados, proporcionando uma maior facilidade na compreensão do assunto, valorização de seus conhecimentos e aumento do interesse em estar presente na sala de aula.

Atividades desenvolvidas

Crédito: Arquivo Pessoal

Escola Municipal Santa Cruz, em Santarém (PA), durante a época da cheia

O nosso projeto aconteceu entre janeiro e abril de 2019, e dividiu-se em seis etapas, esse período marca também o início de chuvas na região amazônica. Na primeira etapa, foram levantados dados junto aos pais e os comunitários que produzem hortaliças, buscando compreender suas dificuldades com o plantio de alguma espécie e as mais cultivadas, além de identificar o tipo de adubo mais utilizado pelo produtor.

Após análise da primeira etapa em sala de aula por mim e pelos alunos, demos início a segunda etapa. Como não possuíamos recursos financeiros para aquisição de material para as sementes, recipientes e adubos, tivemos a ideia de procurar na comunidade e reutilizar materiais descartáveis. As sementes e os adubos (esterco de gado, esterco de galinha, terra e pau podre) foram doados pelos pais. Fizemos uma separação por espécie para que os resultados fossem os mais fiéis possíveis.

A terceira etapa foi o plantio, e levou bem mais tempo que as outras. Em sala de aula, começamos com cálculo e exercícios envolvendo frações com os quatro tipos de adubos e as três espécies de hortaliças que tínhamos. Essas atividades levaram cerca de três dias. A turma foi dividida em três grupos e cada uma fez os cálculos fracionários para a espécie de hortaliça que tinha em mãos.

Em seguida, foram socializados os dados das equipes e encontramos pelo menos 16 frações possíveis que usaríamos nas amostras para cada uma das três espécies (tomate, pimentinha e pimentão)
Crédito: Arquivo Pessoal

Após a pesquisa, começou a etapa de plantio e monitoramento

Identificamos copos descartáveis com etiquetas que continham o nome da espécie da hortaliça e sua respectiva amostra (Ex: Tomate, amostra 1: 2/4 de esterco de galinha – 1/4 terra – 1/4 esterco de gado). Após todo esse processo, demos início à plantação, Todos os participantes montaram a amostra de acordo com o que era pedido na identificação no copo e o assunto de fração trabalhado. Aqui, eles demonstraram pouquíssima dificuldade na montagem da fração em comparação ao início dos trabalhos. Todas as 48 amostras foram colocadas nas mesmas condições ambientais e passaram a ser monitoradas diariamente pelos alunos. Cada detalhe era anotado e levado para sala de aula para debate.

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A quarta etapa foi o acompanhamento do desenvolvimento das plantinhas. Era notória a ansiedade dos alunos em verem logo o resultado e muitas dúvidas surgiram: o que vai sair de lá? Será que o que plantei vai nascer? Será que vai dar certo? Qual adubo é melhor? Eis que elas começaram a nascer.  Algumas até nos surpreenderam, porque conforme a previsão do fabricante que as sementes levariam cerca de 5 dias para germinar – e algumas germinaram com 4 dias, o que elevou mais ainda as expectativas da turma quanto ao resultado.

Crédito: Arquivo Pessoal

Estudantes durante o planejamento das entrevistas

As que germinaram primeiro levaram os alunos a prever que elas se desenvolveriam melhor, hipótese que que foi derrubada com o passar do tempo e o acompanhamento da germinação e desenvolvimento das demais. Durante todo o período de acompanhamento trabalhamos também a importância da produção de alimento orgânico, sem uso de venenos, agrotóxicos, uma vez que essa prática é proibida na comunidade e ainda assim é utilizada por algumas famílias.

Foram dois meses de acompanhamento e anotações, desde a germinação até o seu desenvolvimento. Ao final dessa tarefa, demos início a quinta etapa que foi a análise dos dados coletados e estudo dessas frações.

Assim, conseguimos concluir qual era a melhor fração para as hortaliças e vimos também que, quando acompanhado o plantio, o uso de agrotóxicos é desnecessário, deixando o produto final mais benéfico a nossa saúde. Além de causar sérios problemas para quem manuseia o agrotóxico, também observamos que o material fica no solo até ser lavado pela subida dos rios e chegar ao bebedouros das famílias da comunidade, causando sérios problemas.

Após todas as análises demos início a sexta e última etapa, que envolveu a distribuição das 35 mudas produzidas e repasse dos dados para a comunidade a partir do trabalho realizado pelos alunos. Esses resultados foram repassados em uma reunião juntos aos pais e alunos, buscando facilitar suas atividades e contribuindo para a sua produção familiar, o que pode gerar aumento de sua renda com um produto livre de agrotóxicos e com boa aceitação no mercado.

O rendimento dos alunos no assunto que trabalhávamos foi além do esperado. Aqueles  que possuíam dificuldades conseguiam reconhecer seus avanços. No bimestre, não houve notas vermelhas, e as relações com frações passaram a ser ampliadas. Eles começaram a ver as frações presentes no seu dia a dia e em outras atividades que desenvolviam. Nenhuma nota é capaz de medir a  participação e o envolvimento da turma, o trabalho em grupo, o comprometimento e a realização de pesquisa para atender a comunidade em que estão inseridos.

* Este projeto foi selecionado pelo Prêmio Professor Transformador e hoje integra do banco de práticas do Instituto Significare

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Instituto Significare

Edivanderson Lopes

Professor. Secretaria Municipal de Educação do Pará.

TAGS

aprendizagem baseada em projetos, educação mão na massa, ensino fundamental

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