Aulas preparam crianças e adolescentes para lidar com as emoções
Programa Semente leva para as escolas atividades que ajudam a trabalhar sociabilidade, autoconhecimento, autocontrole, empatia e tomada de decisões
por Marina Lopes 16 de fevereiro de 2017
Os anos de experiência na sala de aula mostraram ao psiquiatra Celso Lopes de Souza e ao linguista Eduardo Calbucci que a falta de preparo para lidar com as emoções era um dos grandes desafios enfrentados pelos estudantes. Apesar de aprenderem português, matemática e ciências, as crianças e os adolescentes não eram ensinados a criar empatia, tomar decisões e reconhecer sentimentos. Com essa inquietação, os dois amigos começaram a mergulhar no universo das habilidades não-cognitivas e, após muitas pesquisas, decidiram dar início a um programa de aprendizagem socioemocional nas escolas.
Lançado em outubro de 2016, o Programa Semente começou a ser utilizado neste ano em cerca de 30 escolas brasileiras. Sua metodologia foi desenvolvida com base em referências internacionais do Casel (Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning), que há mais de vinte anos estuda o desenvolvimento dessas habilidades na educação básica.
Junto com o executivo André Saretta e uma equipe de cerca de vinte especialistas da área de educação, medicina e psicologia, os amigos produziram um material didático que possibilita aos educadores trabalhar em sala de aula o desenvolvimento de habilidades diversas. “O ensino tradicional cognitivo, que reconhecemos como importante, tem as suas limitações. Nós percebemos que também era necessário fazer uma espécie de alfabetização socioemocional”, conta Calbucci, que já deu aulas de português e produziu materiais didáticos.
Para ensinar crianças e adolescentes a gerir emoções, criar empatia e tomar decisões, o programa oferece uma formação aos professores da própria escola. Eles são treinados para trabalhar atividades de aprendizagem socioemocional e, enquanto participam do programa, também contam com um plantão de dúvidas online. “Muita gente tem o receio de transformar a sala de aula em uma espécie de terapia coletiva, mas não é nada disso. Estamos falando de uma coisa que deveria ser ensinada na escola”, aponta o linguista.
As atividades que compõem o programa podem ser inseridas nas escolas durante o período regular de aulas ou até mesmo no contraturno, como uma prática extracurricular. Voltadas aos alunos do ensino fundamental, do 6º ao 9º ano, elas são organizadas em 12 lições, agrupadas em 4 unidades. Todas as aulas são adaptadas para cada faixa etária e procuram trabalhar cinco domínios fundamentais: sociabilidade, autoconhecimento, autocontrole, empatia e tomada de decisões.
O psiquiatra Celso Lopes explica que cada unidade tem o objetivo de fazer os alunos reconhecerem suas emoções. Para isso, ele menciona que é importante conhecê-las. “Qual é a diferença entre estar irritado ou frustrado?”, questiona ele, que começou a ser professor plantonista de química em um cursinho pré-vestibular no mesmo ano que ingressou na faculdade de medicina. Dessa forma, autoconhecimento e autocontrole são os primeiros domínios trabalhados no programa. A partir daí, as crianças e adolescentes já têm subsídios para desenvolver as outras habilidades.
Ao exemplificar como as aulas acontecem, o psiquiatra cita uma atividade usada para estimular o desenvolvimento de empatia. Após ouvirem uma história, os alunos precisam debater sobre como a visão do outro pode ajudar a aprimorar uma visão do todo. “A empatia é biológica e importantíssima. Quando você consegue se colocar no lugar do outro emocionalmente, isso faz com que você aprenda”, avalia.
De acordo com ele, diversos estudos já deram conta de demonstrar que o desenvolvimento de habilidades socioemocionais é tão importante quanto o de competências cognitivas. “Os maiores esforços de nota não significam necessariamente as pessoas mais realizadas pessoal e profissionalmente.
Em busca de uma forma de trabalhar a abordagem socioemocional de maneira organizada e intencional, os colégios Progresso Cambuí e Anglo Taquaral, que pertencem ao grupo Grupo Atmo Educação, incluíram neste ano uma aula de aprendizagem socioemocional na grade curricular. Uma vez por semana, os alunos começaram a participar de atividades do Programa Semente.
“A proposta veio ao encontro do nosso interesse em trabalhar o desenvolvimento de habilidades socioemocionais de uma forma muito convincente. Quando você começa a falar sobre isso na escola, algumas famílias apresentam uma certa desconfiança”, diz a coordenadora pedagógica Cristina Tempesta, que é responsável por oito escolas do Grupo Atmos. Ela ainda conta que, quando os pais conhecem melhor a metodologia e a estrutura do programa, eles também passam a achar a proposta interessante.
O retorno das crianças também tem sido positivo, segundo ela. “No primeiro dia, um aluno disse que era muito bom pensar que agora teria uma aula na escola para falar de sentimentos. Isso nos fez perceber que tínhamos acertado”, avalia.