Avaliação não pode ser punição, diz professor dos EUA
Greg Light, diretor da Northwestern University, em Illinois (EUA), fala ao Porvir sobre as mudanças necessárias no ensino superior
por Vinícius de Oliveira 27 de abril de 2015
Enquanto a educação básica experimenta novos modelos de ensino de maneira mais sistemática, gestores do nível superior ainda preferem dar ouvidos à tradição e hesitam mudar o trabalho em sala de aula, seja nas carreiras de humanas, exatas ou ciências. Com isso, aulas e conteúdos continuam sendo transmitidos da mesma maneira que décadas atrás, como se houvesse um caminho natural para o conhecimento.
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Mas nem todos pensam assim. Gregory Light, diretor do Searle Centre para Ensino e Aprendizado Avançados da Northwestern University, de Illinois, nos Estados Unidos, aponta a necessidade de novas formas de recompensa ao professor para que ele melhore sua didática e consiga oferecer questões desafiadoras em sala de aula. “Eu digo às faculdades que elas têm direito de falhar e de cometer erros, mas não podem deixar de ser profissionais”, explica.
No último mês, o Porvir conversou com o especialista logo após sua palestra – que traz exemplo de “mentoria na vida real” – no evento promovido pelo Consórcio STHEM Brasil (iniciais em inglês de ciências, tecnologia, humanidades, engenharia e matemática), organização que reúne 31 instituições brasileiras de ensino superior. Leia a entrevista abaixo:
Porvir: Qual sua avaliação sobre o que é feito nas universidades brasileiras?
Greg Light: Conheço um pouco do Brasil e ministrei um workshop para 100 professores universitários. É maravilhoso ver como vocês têm um leque bastante grande de universidades que vai desde a elite aos que ainda precisam trabalhar e estudar. É assim nos Estados Unidos e a maioria dos países também tenta levar para a universidade estudantes de diferentes setores da sociedade. Acho que isso é um ponto positivo. O que me impressiona no Brasil é o interesse em mudanças pedagógicas e em obter uma avaliação sobre o que se está fazendo nas universidades.
Porvir: De uma maneira geral, por que as mudanças demoram tanto para acontecer na universidade quando comparado até mesmo com a educação básica?
Gregory Light: A tradição das aulas é de passar conhecimento de uma geração para outra e entender que há um conjunto de conhecimentos que precisa ser retransmitido. Para mim, isso está errado. Precisamos levar para as gerações futuras o conhecimento que temos e acrescentar o que foi aprendido. Muito do que vamos entregar vai mudar e estaremos errados ao transmitir isso como verdade. Algumas pessoas avaliam a maneira atual de dar aula como eficiente e seguindo um custo-benefício, mas não é nem uma coisa e nem outra.
Porvir: E isso acontece em toda e qualquer faculdade?
Light: Existem pesquisas que mostram que as mudanças são mais difíceis em áreas como ciências e engenharias porque existe um risco maior. Um dia desses, estava conversando com um escultor que integra o departamento de artes de uma universidade no Reino Unido que disse: “Se eu fizer errado, pode ser que as pessoas até gostem mais das minhas esculturas”. Nesse caso, não é a vida de alguém que está em risco. Em medicina, pode existir o risco de alguém morrer. Mas em direito não há esse risco. Algumas usam o método socrático (bem ou mal) em que você leva problemas e, se der um feedback apropriado, pode desafiar os alunos. Mas há um grande passo a ser dado.
Porvir: Onde estão os erros do ensino superior?
Light: A maior parte está relacionada ao desenvolvimento profissional dos professores. É importante que eles sejam recompensados para mudar a maneira com que ensinam. Muitos dizem que ganham status e dinheiro com pesquisa e o aprendizado deles mesmos vem antes daquele dos estudantes. Isso é estranho. O governo os premia para realizar seus próprios estudos, mas não faz o mesmo para que ajudem a melhorar o modo de ensinar aos estudantes.
Porvir: Como o senhor avalia o domínio das discussões pelo ensino baseado em projetos?
Light: A questão principal é oferecer questões significativas e desafiadoras para os estudantes. Depois, é preciso abastecê-los com informações para que completem o trabalho. O PBL (sigla em inglês para aprendizado baseado em projetos) é só um dos jeitos, mas as faculdades podem prestar mais atenção em outros caminhos, como a sala de aula invertida.
Porvir: Como mudar a avaliação para atender à nova maneira de ensinar?
Greg Light: Se você realiza avaliações muito muito arriscadas e difíceis para estudantes e faculdades, eles não vão aproveitar. E aqui eu cito Paulo Freire, que defende “uma educação que estimule a alegria de criar e o prazer do risco, sem o qual não há criação”. Precisamos de um modo de avaliação que não use o risco como mecanismo punição. Eu digo às faculdades que elas têm direito de falhar e de cometer erros, mas não podem deixar de ser profissionais. Se não correrem riscos, falta profissionalismo. Mas muitos de nossos gestores só punem as pessoas por não terem feito algo direito e, assim, as avaliações não fazem qualquer sentido.