O que o Brasil deve fazer para que todos os dias sejam o Dia do Professor? - PORVIR
Crédito: Marcos Santos - USP Imagens

Como Inovar

O que o Brasil deve fazer para que todos os dias sejam o Dia do Professor?

por Promenino Fundação Telefônica ilustração relógio 15 de outubro de 2015

Após andar 30 quilômetros debaixo de um sol escaldante – pois falta transporte público -, o professor chega em sua escola, pronto para inspirar seus jovens estudantes com seu conhecimento e vontade de ensinar. A sala de aula carece de estrutura básica e seu salário mal dá para encher a barriga, mas ele não se deixa desanimar: ele faz o que faz por amor, não por dinheiro.

Todo ano, no dia 15 de outubro, chovem histórias mais ou menos como essa nos meios de comunicação, na internet e nas redes sociais. De fato, a história da educação no Brasil é marcada por exemplos de superação, carinho e esforço de educadores que amam seu ofício e escolhem a dura batalha do ensino público como destino, apesar das agruras e da desvalorização crônica da profissão.

Mas será que não é possível pensar em um país que garanta condições necessárias para que exemplos como esse sejam antes uma exceção do que uma regra?

Com isso em mente, as equipes de reportagem do Portal Aprendiz, do Centro de Referências em Educação Integral e do Promenino elencaram quinze passos que nossa nação tem que dar para se aproximar da propagandeada e escanteada Pátria Educadora. Quinze lições de casa que um país tem que cumprir para garantir que todo dia seja dia do professor e para que toda cidade seja uma escola.

Garantia de direitos fundamentais para seus estudantes, formação continuada, condições para inovar, participação da família e o direito à reivindicar tudo isso foram alguns dos pontos abordados. Confira a opinião dos entrevistados:

1. Valorização docente

“É preciso consagrar a Lei do Piso em território nacional, em um esforço de universalizá-la e promover avanços em relação ao seu valor, de forma que a carreira do professor se torne atrativa. Além disso, é preciso estabelecer uma Base Nacional de Carreira, com critérios que determinem o avanço do docente em sua atividade. Isso é fundamental para que o piso não vire teto, ou seja, as remunerações se regulem por esse valor.”

Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

2. Formação inicial e continuada

“Na formação inicial, o desafio é que as universidades coloquem a educação básica no centro da formação. De modo geral, há pouco investimento no sentido de transformar a educação básica em objeto de estudo, pesquisa e trabalho da educação superior. O ponto principal é: não tem como formar bom professor sem transformar a educação básica no cerne da formação inicial. A formação continuada, ainda que apresente boas experiências, também dissemina cursinhos rápidos. A proposta legítima da formação continuada coloca a sala de aula no centro da discussão e diz de ir à escola, observá-la, entender seu entorno. Ou seja, não é um curso, é um processo de reflexão permanente sobre a prática. Sem isso, não há avanços.”

Maria Thereza Marcilio, gestora institucional da Avante  

EMEI Gabriel Prestes (SP) / Crédito: Danilo Mekari

EMEI Gabriel Prestes (SP) / Crédito: Danilo Mekari

3. Rede de garantia de direitos fortalecida

“Preciso partir da premissa de que a escola precisa encarnar beleza, educação, ensino, compromisso e autonomia. Assim, ela pode ser, no seu cotidiano, um projeto de cidade, estado e nação. Nessa ação, aprende a construir integralidades e reconhece que as novas gerações perfazem redes de direitos, representações diretas das comunidades: professores, conselheiros tutelares, gestores, pessoas do apoio, família, grupos de comunicação. A cada um e cada uma, seus direitos e valores. Ao encarar a educação na história republicana do Brasil, não há como não desejar e querer que exijamos saber fazer melhor. Professar é preciso.”

Luiz Roberto Alves, presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE)

4. Acesso à cultura

“Em muitas formações de professores das quais participei, como professora e como formadora, as palestras e debates eram intercalados com apresentações artísticas e culturais e isso era extremamente rico. Somos sujeitos culturais e por isso é fundamental entendermos que educação é cultura: é por meio dela que construímos nossa identidade. Então, é essencial que nosso país seja capaz de garantir na formação de professores e em seu exercício profissional continuado, oportunidades de acesso e usufruto de diferentes manifestações culturais, populares e eruditas e de conhecer as culturas dos territórios e realidades das quais faz parte. Claro que isso vale para toda a população, mas o professor é um agente formador e multiplicador e se torna um segmento social prioritário em políticas que garantam acesso à livros, meia-entrada ou entrada franca em museus, exposições e apresentações artísticas. É importante também não esquecer que, além de consumidor, o professor é sujeito fazedor de cultura, e isso pode e deve ser valorizado na sua formação. Enfim, é preciso construir políticas que coloquem a formação cultural no centro da formação docente.”

Madalena Godoy, professora de Física e pesquisadora e formadora em Educação Integral no Centro de Referências em Educação Integral.

5. Condições para criar e inovar na sala de aula

“É fundamental olharmos para o professor não como um reprodutor de práticas e de ferramentas pré-estabelecidas, mas como um co-autor que, ao compreender as necessidades dos seus alunos, propõe estratégias que fazem sentido. E, para que ele desenvolva essa capacidade, algumas condições são essenciais: tempo – não apenas para planejar, mas para executar. Se ele tiver muito conteúdo para despejar sobre os alunos, isso não será possível. A segunda são referências, pois mesmo as pessoas mais geniais não criam do nada. Ele precisa de subsídios formativos para ampliar seu repertório e dar um passo além. Condições básicas de infraestrutura, como bons equipamentos, materiais de qualidade, acesso à internet, ambiente flexível, são importantes também. Outro ponto são colaboradores. Além de ser muito mais interessante, criar junto permite que os desafios que ele vive na escola gerem processos de solução envolvendo coordenadores, gestores, pais, ONGs… Este espaço aberto é favorável à inovação. Por fim, o respaldo de políticas públicas para que a inovação seja encorajada na rede de ensino. Isso dá outra nobreza a profissão. É preciso pressupor que o professor é capaz de muito mais do que hoje ele é levado a fazer.”

Anna Penido, presidente do Instituto Inspirare  

EMEF Maria Borges Ghion / Crédito: Danilo Mekari

EMEF Maria Borges Ghion / Crédito: Danilo Mekari

6. Tempo de planejamento e importância da coordenação pedagógica

“Para falar de coordenação pedagógica é preciso pensar antes que a escola é uma organização e, portanto, um coletivo. E nada substitui isso. Nessa perspectiva, o coordenador é articulador e formador. Ele colabora tanto com a integração como na análise e reflexão da prática do professor. Entra aí, também, a questão de pensar o tempo de planejamento. Se você pensar bem, ninguém se forma sozinho. Nem o aluno, nem o professor. E quem colabora para a formação deste sujeito? Aquele que revisa e revê com ele as suas práticas. Diz respeito a este ciclo eterno de formação e aprendizagem, próprio da condição humana.”

Cybele Amado, presidente do Instituto Chapada de Educação e Pesquisa (Icep)  

7. Gestão democrática: professor pode e deve participar da gestão da escola

“Sou entusiasta da gestão democrática porque a participação da comunidade é fundamental para o bom andamento das unidades escolares e fundamental para a qualidade da educação. A participação fortalece e envolve toda os agentes da escola no processo pedagógico e professor tem um papel fundamental nisso. Precisamos fortalecer a gestão democrática, mas ela precisa vir com mecanismos de acompanhamento porque não estamos aprendemos a andar agora e é preciso ajudar a orientar os caminho da escolas.”

Rowenna Brito, coordenadora de Educação Integral da Secretaria de Educação da Bahia 

8. Saúde do professor / mediação de conflitos

“A questão dos conflitos, violência e indisciplina em sala de aula é uma das causas de stress e afastamento dos professores quanto à carreira. Não temos nenhum tipo de politica pública dentro dessa área que forme o professor para lidar com esses problemas de convivência. É preciso que o docente se sinta mais apto e seguro para lidar com esse tipo de situação. Iniciativas nessa área são isoladas, e não institucionais e, por isso, têm pouca duração. A tendência da educação não é discutir a violência em si, mas sim buscar o bem estar da escola que, no Brasil, atua muito como “bombeiro”. Quando as soluções passam a ser coletivas e preventivas, professores se sentem mais amparados e seguros. Quanto melhor o clima escolar, mais o professor permanece, se sente bem e se envolve com os alunos.”

Telma Vinha, professora da Faculdade de Educação da Unicamp

Cortejo poético reuniu escolas pelas ruas de SP / Crédito: Danilo Mekari

Cortejo poético reuniu escolas pelas ruas de SP / Crédito: Danilo Mekari

9. Condições para que o território seja usado pelo docente como insumo educativo

“A atual geração não tem bons resultados no modelo tradicional de aula. Cada vez mais exige-se que os professores sejam capazes de garantir protagonismo e engajamento dos alunos. O território é uma possibilidade objetiva de mediação desse processo, na medida em que o professor pode, com seus alunos, discutir a história que vem dali, quem circula, o que acontece, que saberes têm ali. O território é cada vez mais um objeto dessa estratégia de mediação do professor para que ele construa o conhecimento junto ao estudante e, de quebra, consegue envolver a família, a comunidade, os saberes locais, trazendo para dentro do processo educativo todo o repertório daquelas crianças. O entorno imediato das escolas é um espaço vivo que pode ser apropriado no planejamento das estratégias cotidianas. Isso faz parte de um novo processo de aprendizagem, mais colaborativo, participativo e horizontal.”

Maria Antonia Goulart, coordenadora do MAIS (Movimento de Ação e Inovação Social)

10. Liberdade da cátedra dentro da sala de aula

“A Constituição Federal de 1988 (art. 206) definiu, sabiamente, como princípios do ensino brasileiro, dentre outros: (…) “a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, bem como “o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”. E por que esta definição é importante? Porque ela traduz o dever e a responsabilidade da professora ministrar suas aulas a partir de suas convicções pedagógicas e da sua visão de mundo. E estas convicções se expressam a todo o momento: a indicação da leitura de um livro ou artigo, a apreciação de uma obra de arte, a discussão dos valores democráticos desenvolvidos nas suas aulas, o respeito aos direitos humanos que o cotidiano escolar expressa e exige.”

Lisete Arelaro, professora da Faculdade de Educação da USP e presidente da Fineduca 

11. Formação tecnológica

“A maioria dos professores brasileiros já é a favor do uso de tecnologia na educação, mas aponta que é preciso ter formação para a sua aplicação em sala de aula. O uso das tecnologias como ferramentas de ensino aproxima a escola da realidade digital já vivida pelo aluno, despertando seu interesse e ampliando suas possibilidades de expressão. Facilita também a organização de tempo do professor em sala de aula, possibilitando sua atuação como orientador na formação dos alunos e a entrega de conteúdos personalizados. Para que as crianças e jovens brasileiros tenham oportunidade de usufruir de todas as possibilidades que o mundo de hoje oferece, a ?in?ternet é fundamental. Em diferentes países já existem políticas para levar conexão de alta velocidade para escolas, alunos e professores?,? e o acesso à rede já se tornou parte integrante do direito à Educação.”

Denis Mizne, diretor executivo da Fundação Lemann que, em parceria com o Instituto Inspirare, a Rede Nossas Cidades e o Instituto de Tecnologia & Sociedade (ITS), realiza a Internet na Escola  

Crédito: Agência UnB

Crédito: Agência UnB

12. Famílias: políticas que garantam que as famílias se corresponsabilizem e participem

“Em uma comparação com o dia de outro profissional, como o jogador de futebol, que precisa fazer o gol, o professor precisa de mais ações de aprendizagem, em todos os sentidos. Isso inclui a participação das famílias, que vai desde o dar as mãos para a criança até a escola, se interessar pelas tarefas, apoiar a organização do material, até o resgate da sua própria aprendizagem neste ritual. É o aprender para a vida. E de que forma a comunidade pode fortalecer isso? Criando espaços públicos de participação, como a biblioteca, para contribuir com esse acompanhamento da aprendizagem. Podemos falar sobre outros espaços, mas a leitura chama todo mundo. Ler com as crianças, para as crianças, é algo que volta para a escola. Aí o movimento se cumpre.”

Marília Novaes, coordenadora pedagógica e formadora da Comunidade Educativa – Cedac 

13. Avaliação docente

“Vários planos de carreira têm colocada a questão da progressão funcional do professor mediante mérito. Algumas redes de ensino acabam avaliando o docente a partir de resultados obtidos nas avaliações de larga escala, ou seja, estipulam benefícios de acordo com o rendimento de seus alunos. Esse caminho, além de equivocado é perverso. Vários estudos e pesquisas comprovam que há outras variantes que interferem no desempenho dos alunos e é muito difícil isolar uma delas. Precisamos compreender que em relação a avaliação e também ao processo pedagógico como um todo, o professor precisa de domínio e autonomia, mas não aquela autocentrada em que a avaliação dele sobre o desempenho basta. Acredito numa avaliação mediada pelo coletivo da escola, até porque ela não é peça descolada de um jogo e deve vir articulada ao projeto pedagógico da instituição, em que se questione: onde quero chegar com esses alunos? O que eu desejo para essa comunidade? Acho que a democratização dos processos de aprendizagem passa por aí também, de rever os processos de avaliação e, portanto, de acompanhamento dos alunos, visando uma educação de qualidade.”

Solange Feitoza Reis, integrante do Núcleo de Educação Integral do Cenpec 

14. Priorização da agenda do professorado nas políticas públicas

“É fundamental, quando se fala numa Pátria Educadora, em democracia, em construção coletiva, que os professores sejam protagonistas das políticas educacionais. São eles que estão próximos do aluno, conhecendo suas demandas e particularidades. Os docentes são seres políticos e devem ser considerados como tal. Para isso, temos que propor uma escuta efetiva, afinal, ele conhece o chão da sala muito mais que um político ou um intelectual e sabe o quanto é necessária a valorização de sua posição e o aprimoramento da sua formação, para estar cada dia mais de acordo com a realidade das escolas, dos estudantes e dos territórios.”

Neuza Macedo, assessora de Relações Institucionais do Gabinete da Secretaria de Educação de Minas Gerais 

15. Direito a reivindicar seus direitos

“A repressão que vimos contra os professores paranaenses no Centro Civíco, em 29 de abril deste ano, mostra exatamente o lugar que a educação pública ocupa na mente dos nossos governantes. A educação é um direito público fundamental, objeto de propaganda estatal mas no primeiro sinal de crise, suas verbas são cortadas e ai de quem ousar falar qualquer coisa contra. Os professores têm o dever de se manifestar para evitar que as conquistas sejam perdidas e tentar avançar na valorização docente e na qualidade dos professores, seja na esfera municipal, estadual ou federal. E os governos têm o dever de nos respeitar.”

Hermes Silva Leão, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato), entidade que esteve à frente da greve de 44 dias dos professores paranaenses neste ano. A mobilização, que recebeu apoio de 90% da população do estado, ganhou destaque nacional pela forte repressão sofrida em 29 de abril, quando 213 professores ficaram feridos ao protestarem por seus direitos. 

 

**Conteúdo do Promenino Fundação Telefônica produzido em parceria com o Portal Aprendiz e o Centro de Referências em Educação Integral


TAGS

engajamento familiar, formação continuada, formação inicial, tecnologia, uso do território

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