Calor extremo: como a crise climática afeta a educação? - PORVIR

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Calor extremo: como a crise climática afeta a educação?

Onda de calor coloca em risco o ensino de mais da metade das escolas brasileiras. Estudo aponta riscos e medidas precisam ser tomadas

por Redação ilustração relógio 25 de fevereiro de 2025

O clima não está favorável para os estudos. A temperatura do planeta vem subindo a cada ano, representando mais um desafio para a rotina escolar. Salas climatizadas ainda não são uma realidade em todas as escolas do país, o que levanta diversas questões, inclusive a possibilidade de suspensão das aulas dado o calor excessivo. 

Mesmo em cidades da Região Nordeste, já acostumadas com os termômetros acima dos 25ºC s como temperatura média, a situação está mais preocupante. Em Pernambuco, por exemplo, estudantes e professores foram às ruas protestar contra a falta de climatização na sala de aula: em algumas escolas, como a da professora de biologia Daniele Mélo, da rede estadual, existem ar condicionados. Mas todos sem instalação.

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“Quando eu estava grávida, apenas norteava alguma atividade, pegava minha cadeira, meu leque e minha garrafinha com água e terminava o expediente no corredor. Infelizmente, meus alunos perderam bastante nas minhas disciplinas com essa situação”, conta a docente em uma mensagem na comunidade de educação antirracista do Porvir no WhatsApp.

Dando aulas em uma escola em Serra Talhada, no sertão de Pernambuco, ela e alguns de seus colegas avaliam que já faz tanto tempo que os equipamentos não foram ligados que talvez já não funcionem por falta de manutenção.

A Região Sudeste também enfrenta fortes ondas de calor, o que coloca em risco as aprendizagens dos estudantes. De acordo com reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, de 34 mil salas das escolas municipais e estaduais da capital paulista, apenas 223 delas possuem ar-condicionado.

Riscos e preocupações

Em reportagem exibida no Jornal Nacional, especialistas afirmaram que, a partir de 38ºC de temperatura ambiente, a capacidade de aprendizagem dos alunos é significativamente afetada. O raciocínio, a memorização dos conteúdos e a compreensão das aulas diminuem consideravelmente. Se a temperatura ultrapassar esse limite, os impactos podem ser ainda mais graves.

Esta é justamente a preocupação de uma outra docente da a comunidade, que preferiu não se identificar. “Tem sido muito difícil lecionar sem salas climatizadas com esse calor absurdo. Isso atrapalha e interfere diretamente no aprendizado. Estar em um ambiente extremamente quente e abafado causa mal-estar nos estudantes, e o rendimento deles fica comprometido”, afirma.

Aulas podem ser suspensas?

No início de fevereiro, a Justiça do Rio Grande do Sul suspendeu o retorno das aulas nas escolas estaduais, atendendo a um pedido do sindicato dos professores do Estado. O motivo: a previsão de altas temperaturas no período. As aulas, porém, foram adiadas apenas por três dias. O sindicato voltou a pedir a suspensão das aulas na rede devido à nova onda de calor que atinge o estado. A previsão indica temperaturas de até 40ºC.

Outros estados do país também sofrem com as altas temperaturas. Esta semana, o Rio de Janeiro atingiu o nível 4 de calor, que ocorre quando uma localidade registra temperaturas entre 40 e 44 graus. Em algumas escolas, a decisão foi reduzir o tempo de aula quando há ausência de ar condicionado

“O debate sobre mudanças climáticas e educação é crucial. Ao integrar o tema no debate público, cria-se um senso de urgência para enfrentar crises climáticas e reforça-se a necessidade de justiça social e climática, fomentando a construção de um futuro mais sustentável e inclusivo”, aponta Sofia Lerche Vieira, autora da síntese de evidências O impacto das mudanças climáticas na educação: iniciando um debate, publicado pela D³e – (Dados para um Debate Democrático na Educação), em parceria com o Todos Pela Educação e Instituto Terra Firme. 

No texto, Sofia destaca quatro eixos importantes para orientar a ação de enfrentamento à crise climática:

  • infraestrutura sustentável e sistemas resilientes;
  • educação climática e ambiental nos currículos e pedagogia;
  • engajamento da comunidade escolar como agentes de mudança; e
  • colaboração intersetorial para respostas inovadoras e escaláveis ao desafio das mudanças climáticas.

Com base em estudos feitos pelo Banco Mundial, uma das recomendações do relatório é garantir que, diante das emergências climáticas, as aprendizagens continuem “considerando a manutenção das escolas abertas (na medida do possível), a mitigação do uso de escolas como centros de emergência, a criação e o estabelecimento de programas de aprendiz”, aponta o texto. 

“O bom senso indica que sejam desenvolvidas atividades em áreas de menos calor, como espaços de melhor ventilação natural e pátios internos com sombra. O bem-estar dos estudantes deve vir em primeiro lugar. Se as escolas possuem boa ventilação e espaços aprazíveis de convivência para todos, a suspensão de aulas não é aconselhável. Medidas de tal natureza devem ser tomadas em casos de ameaça à saúde dos estudantes”, diz Sofia. 

O que o poder público deve fazer em casos de altas temperaturas?

Enquanto as escolas, individualmente, procuram maneiras de refrescar os ambientes (até mesmo oferecendo banhos de mangueira) e lidar com a situação, Sofia destaca uma série de ações que devem estar sob a responsabilidade do poder público. 

Uma das ações propostas pela especialista é que ele promova um debate nacional e multidisciplinar sobre o assunto na forma de Consulta Pública, de maneira a envolver diferentes setores da sociedade, em um esforço parecido com o realizado nos debates de grandes questões como a discussão sobre o PNE (Plano Nacional de Educação) e da BNCC (Base Nacional Comum Curricular). 

“O debate nacional multidisciplinar pode ser planejado em alinhamento com os eventos preparatórios e a realização da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30), em novembro de 2025, em Belém (PA), espaço propício à culminância de uma discussão nacional sobre a Agenda Mudanças Climáticas e Educação, com ênfase na próxima década”, destaca.

Ela também propõe a criação e adoção de um “Pacto Nacional pela Educação e Meio Ambiente”, que envolva a presença de órgãos estaduais e municipais ligados às duas áreas (Educação e Meio Ambiente).

Enquanto as temperaturas permanecem altas, as escolas buscam se adaptar. Muitas, como no Rio de Janeiro, reduziram a carga horária, embora não tenham suspendido as aulas definitivamente. Essa é uma medida emergencial, mas há instituições que se preparam de forma mais estruturada para enfrentar crises climáticas. Elas são chamadas de Escolas Resilientes e se organizam para enfrentarem o clima tanto do ponto de vista estrutural, quanto de currículo e de apoio socioemocional. 

Sofia considera de extrema importância trazer o tema de maneira contextualizada nos currículos escolares. “A inclusão de temas relacionados ao meio ambiente, à sustentabilidade e às mudanças climáticas nos currículos escolares oferece potencial para repensar a educação científica e motivar as novas gerações para a formação e as carreiras nesses campos. Tal perspectiva requer um engajamento distinto de professores e estudantes, o que demanda preparação e foco diferenciado na formação”, argumenta. 

O Porvir produziu uma série de reportagens focada nas Escolas Resilientes, com casos de instituições que dedicam seu currículo, infraestrutura e ações de intervenção e desenvolvimento socioemocional na atenção ao clima. 

Leia a série aqui 

Leia a nota técnica “O impacto das mudanças climáticas na educação: iniciando um debate” na íntegra aqui


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crise climática, mudanças climáticas

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