Estudantes reforçam pedido de apoio emocional e a escola precisa colocar o autocuidado em pauta - PORVIR
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Coronavírus

Estudantes reforçam pedido de apoio emocional e a escola precisa colocar o autocuidado em pauta

O que gestores e educadores devem fazer para apoiar jovens a identificar e saber lidar com suas emoções

Parceria com LIV

por Ruam Oliveira ilustração relógio 6 de julho de 2021

Para combater o tédio e a solidão, Alice França, de 20 anos, acessa a internet e sai em busca de pessoas para conversar. Gente que tenha uma idade parecida com a dela e que também esteja vivenciando sua juventude enquanto o mundo passa por uma pandemia.

Esta é uma das estratégias de Alice quando diz o que faz para manter a saúde mental equilibrada e para manter o autocuidado em dia. Natural de São Sebastião do Umbuzeiro, município paraibano com 3.512 habitantes, ela atua de maneira muito engajada com outros jovens de sua região.

A busca feita na internet a permitiu criar o que chama de “grupão”. Um conjunto de jovens de vários estados brasileiros que se reuniam semanalmente para comentar sobre suas dificuldades, ânimo e perspectivas sobre o presente. A este grupo ela chamou de “rede de sentimentos”.

De acordo com a segunda edição da pesquisa Juventudes e Pandemia, idealizada pelo Conjuve (Conselho Nacional da Juventude), revelou que a tendência a sentimentos negativos foi um marco significativo em 2020 quando se trata de saúde mental. O relatório aponta que 6 em cada 10 relataram ter vivenciado quadros de ansiedade e uso exagerado de redes sociais.

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Pandemia e um assunto tabu
Apesar de ser um tema importante que tem ganhado cada vez mais espaço de discussão – espaço este amplificado pela pandemia e necessidade de isolamento social – a saúde mental já merecia atenção por parte de educadores e da escola mesmo antes do atual cenário.

Phelipe Ribeiro, psicólogo e consultor pedagógico do LIV, aponta que a sociedade, com intenção de se organizar, guarda em pequenos compartimentos como se fossem gavetas os problemas a fim de organizar estratégias de enfrentamento. Ele ressalta, porém, que é preciso estar atento ao todo, a este “grande armário” que é a vida, onde ficam as pequenas gavetas.

“A pandemia é uma dessas gavetas. Mas não podemos esquecer que ela também está inserida num contexto maior que é o agora. É importante lembrar que a gente já vinha num agravamento em questões de saúde mental antes da pandemia, um agravamento no uso de psicotrópicos, em índices de suicídio, adoecimento mental, adoecimento no trabalho. Nós já tínhamos um quadro depreciado”, afirma o psicólogo.

O impedimento de socialização, por exemplo, é também um dos pontos centrais de atenção quando se pensa nas juventudes e no quadro de saúde mental delas, explica Caio Lo Bianco, diretor do LIV. É nesta fase da vida que geralmente acontece uma ruptura com o núcleo familiar e os jovens começam a expandir seus universos de relações e essa privação pode ser uma das causadoras de ansiedade.

Adolescente em quarentena usando máscara protetora olhando para fora da janela ao pôr do solCrédito: Maria Casinos/iStockPhoto

Na pandemia, a ansiedade aumenta diante de tantas incertezas, medo do que vai acontecer no futuro ou a sensação de que as coisas estão piorando.

Apesar de toda a atenção que tem recebido recentemente, o assunto ainda é ignorado em alguns setores da sociedade. Nesses espaços, falar a respeito de saúde mental é algo a ser evitado, ou até entendido de forma errada, o que coloca a busca por apoio e tratamento como “coisa de louco”, aponta Caio. “A gente precisa desconstruir um pouco esse tabu, naturalizando um pouco mais o assunto. É entender que questões e problemas mentais são normais na condição de sujeito”.

No contexto pandêmico, casos de ansiedade podem aumentar e se justificam devido ao quadro de incertezas, medo a respeito do futuro ou a sensação de que as coisas estão piorando. Dentro dessa realidade, os jovens já faziam parte de uma parcela considerada vulnerável, destaca Phelipe.

Esse viés de incerteza e de medo do futuro é o que Alice escuta quando conversa com outros colegas da mesma idade. Falando por si e pelo que ouve dos demais, ela aponta que lidar com o medo, a insegurança, frustração e incertezas sobre como será o futuro são os temas que mais os preocupam.

Além disso, há o temor sobre o próprio desempenho escolar quando o retorno presencial for uma realidade e também quando tiverem que encarar outros desafios como o vestibular ou a universidade.

“A gente cria muitas expectativas. Dizer que o jovem tem que estudar e trabalhar é muito fácil, mas não é bem assim. Eu ouço que o meio tecnológico facilitou a vida, e a gente pode estudar, enviar um currículo… é mais fácil, mas nem tanto. A tecnologia evoluiu sim, mas os nossos sentimentos não. O meu sentimento de medo ainda é de medo, não tenho como adaptá-lo à tecnologia.”, diz Alice.

É uma grande pressão em cima da expectativa do futuro principalmente quando se fala em emprego, renda, educação e estudo

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O que a escola pode fazer
A escola, neste contexto, não pode ser superprotetora e fingir que nada está acontecendo. Phelipe destaca que ter uma escola que está conectada com essa realidade é estabelecer estratégias pedagógicas onde seja possível construir debates, rodas de conversa, espaços de fala e escuta nos quais os alunos se sentem autorizados para se envolver no problema e pensar soluções.

Ele também diz que é praticamente impossível fugir ao assunto. Mesmo que o tema não seja apresentado pela gestão da escola, muito provavelmente os jovens poderão trazê-lo para dentro da escola. Isto porque o ambiente escolar não está separado da totalidade da vida dos estudantes e, portanto, essa realidade acaba por vezes se impondo.

“Nesse processo de tentar ser propositivo, é importante que a escola se aproxime das famílias na questão de se aliar na construção de uma política pedagógica realista, que prepara esses alunos, que ofereça a eles essa rede de apoio para eles entenderem que a realidade é difícil, mas que os possibilite arriscar encontrar soluções, se envolver nos problemas e não escondê-los, de maneira a que eles tenham um lugar seguro para refletir e arriscar soluções”, destaca o psicólogo do LIV.

Um exemplo desta demanda originada pelos próprios jovens aconteceu com Alice. Ela escreveu ao secretário de educação de seu município solicitando que a secretaria olhasse com mais atenção para a saúde mental dos estudantes. A sugestão dela é que, além dos conteúdos programáticos já previstos nos currículos, sejam realizadas ações para entender como os alunos estão se sentindo. “Pode ser uma sala no Google Meet ou uma conversa com um profissional de saúde mental”, disse.

Se antes era comum encontrar uma escola muito preocupada com o conteúdo, com o aspecto cognitivo, a tendência é que cada vez mais exista a necessidade de uma escola que também se preocupa com questões mentais e emocionais dos estudantes, compreendendo ambos os aspectos como interligados entre si.

“Todo mundo está muito mais sensível e nesse momento a escola cumpre um papel importante de sensibilização de acolhimento, de identificação, de responsabilização e de encaminhamento”, aponta o diretor do LIV. Além dos espaços de fala, o diretor aponta que é importante abrir espaço para outras formas de expressão, como encenar ou por meio de comportamentos.

A estratégia de convidar um profissional de saúde mental para uma palestra, por exemplo, é uma das ferramentas endossadas por Phelipe. Ele destaca que a escola deve trabalhar em parceria com as famílias, entendendo que ambos são atores importantes na construção dos jovens.

É importante que essa discussão também seja feita com a comunidade e que a escola trabalhe o tema num sentido coletivo, olhando para as diferentes faces da instituição. “Oferecer para os professores formação, valorizar iniciativas que eles possam ter e notar que muito provavelmente o professor está sobrecarregado, lidando com essas questões também”, diz Phelipe, são algumas das estratégias que podem ser adotadas na busca por melhores condições de suporte à saúde mental.

Oferecer para os professores formação, valorizar iniciativas que eles possam ter e notar que muito provavelmente o professor está sobrecarregado, lidando com essas questões também

Há também que estar atento ao encarar apenas os professores como sendo os únicos responsáveis pelo processo de aprendizagem dos estudantes. Diferentes pessoas em diferentes cargos também possuem o papel de educar. É possível, por exemplo, que um estudante se sinta mais confortável para falar sobre suas emoções com o porteiro do que com o professor com quem lida mais diretamente dentro da sala de aula.

“A gente não pode esquecer que quando estamos falando de problemas mentais, precisamos olhar caso a caso. Devemos sempre levar em consideração qual é o contexto daquela família e daquele jovem, o que ouviu e o que ele tem a dizer”, reforça Caio.

O diretor do LIV aponta que não se trata de transferir aos educadores o papel de profissionais de saúde, mas de prepará-los para promover esse acolhimento. Há que se entender também que a escola, como um todo, deve estar preparada e atenta para comunidade inteira, compreendendo também que os professores estão inseridos no mesmo contexto e passam por problemas e dificuldades.

“Eu acho que uma escola está falhando socialmente quando ela não está aberta a discutir essas questões e esses problemas mentais. O que precisamos é estar abertos a discutir e criar espaços para que essas discussões sejam colocadas. Preparados 100% nunca vamos estar, pois muitas das coisas e das questões vão surgir ao longo do processo”, afirma.

Alice diz que vê uma demanda grande por debater saúde mental entre os jovens, mas percebe que o acesso ainda não é amplo para todos e muitos, assim como ela, esbarram na questão financeira na hora de buscar apoio, por isso a sugestão feita ao secretário. “Educação também faz parte do nosso cotidiano e se eu estou mal não vou me sair bem nas disciplinas”, diz.

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competências para o século 21, educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, socioemocionais

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