Como resolver problemas complexos
Adam Kahane, de consultoria especializada em inovação social, explica como enfrentar desafios cada vez mais difíceis e frequentes
por Patrícia Gomes 17 de setembro de 2013
O físico Adam Kahane começou sua vida profissional resolvendo problemas objetivos, matemáticos mesmo. Aos poucos, foi sendo desafiado a atuar na resolução de problemas mais multifacetados, menos cartesianos e com mais atores e interesses envolvidos. Dos números na lousa ele passara a analisar situações que envolviam questões sociais, economômicas, de tecnologia e infraestrutura em vários países. São os chamados problemas complexos, sobre os quais Kahane vem se debruçando nos últimos 20 anos como sócio da Reos Partners a partir de uma metodologia própria.
De acordo com Kahane, é preciso tomar cuidado com a palavra “problema”, porque ela implica a existência de uma solução. Em questões verdadeiramente complexas, dificilmente haverá uma resposta única e certeira. Para ajudar a entender se uma situação é complexa ou não, o consultor apresenta os três tipos de complexidade que uma situação complexa deve ter: a complexidade dinâmica, quando causa e efeito são distantes no tempo e no espaço; a complexidade geracional, quando a situação com que se depara é absolutamente nova e nada do que já foi trazido como solução pode ser aplicado; e a complexidade social, quando há atores com diferentes interesses, perspectivas e entedimento sobre os assuntos em análise.
A educação, diz ele, é um exemplo de problema complexo. Uma ocorrência social de 30 anos atrás pode ainda trazer consequências para o Brasil, ao passo que uma tecnologia desenvolvida a milhares de quilômetros na China também pode trazer implicações para o cenário educacional brasileiro. A educação envolve muitos atores diferentes, cada um com seu ponto de vista e entendimento de prioridades, além de requerer soluções novas. “Vamos nos deparar com situações que não podemos resolver mais e mais frequentemente”, afirma o especialista.
Em entrevista ao Porvir, Kahane dá diretrizes genéricas sobre como resolver um problema complexo, aponta as habilidades que essas situações requerem e adianta o passo a passo que estará presente em seu livro “Planejamento de Cenários Transformadores”, que será publicado no Brasil em novembro.
Confira a seguir os melhores momentos da entrevista.
Você enquadraria as questões envolvendo educação na categoria dos ‘problemas complexos’?
É importante deixar claro que algumas situações, como as que envolvem educação, não são exatamente “problemas”. Eu uso essa palavra por ser mais fácil, mas é uma simplificação. Ao dizer “problema”, você sugere que haja uma solução – e eu não acho que seja tão simples. Existem muitas perspectivas em que nossos sistemas educacionais se mostram problemáticos e eu não tenho dúvidas de que o sejam. Isso significa que existem três tipos de complexidade. Primeira, causa e efeito são separadas no tempo e no espaço. Tecnologias desenvolvidas na China afetam a educação no Brasil. As coisas que aconteceram há 30 anos no país afetam a vida das pessoas agora [complexidade dinâmica]. Segundo, há diferentes pessoas, interesses e perspectivas [complexidade social]. Terceiro, estamos lidando com uma situação que é nova [complexidade geracional].
Como essas três complexidades nos ajudam a resolver o problema?
O fato de que a situação dinamicamente complexa nos leva a pensar no sistema como um todo. Esse é a primeira exigência. Não podemos olhar para uma questão em educação isoladamente, sem considerar o desenvolvimento social, o político, o tecnológico, o econômico, o internacional. Segundo, o fato de que a educação é algo socialmente complexo, em que há diferentes atores (alunos, professores, pais) com diferentes interesses e perspectivas, quer dizer que é difícil encontrar uma “solução de especialistas”. Precisamos trabalhar com os diferentes atores diretamente. Quando dizemos que é geracionalmente complexo, queremos dizer que ele tem novas características. Ou seja, não poderemos fazer o que fizemos da última vez. Teremos que encontrar ou criar novas abordagens enquanto a situação emerge.
Como se tornar bom em resolver problemas? É algo que podemos praticar ou referências teóricas são mais úteis?
Os dois. Depende de como você aprende. Algumas pessoas acham que ler livros e aprender conceitos pode ser útil. Existe outra parte que acha que você só pode aprender fazendo. Estamos acostumados a tentar resolver problemas ao quebrar a situação em pedaços. Também costumamos procurar a resposta de especialistas. Ou procurar soluções existentes. Para realmente ser sistêmico, participativo e criativo, precisamos de novas competências.
Quais?
Consideremos dois exemplos simples. Para trabalhar com outros atores, que têm experiências, entendimento de mundo e ideologias diferentes, precisamos ser capazes de suspender nossas próprias crenças e ouvir com empatia. Muitas pessoas acham que isso é muito difícil, especialmente em situações de conflito, nas quais nossa tendência é apenas tentar dizer para a outra pessoa o que é a verdade, tentar convencê-la de que estamos certos. A habilidade de ouvir outra pessoa, um estranho ou um oponente, com empatia é uma característica muito básica, mas a maioria não é familiar com ela.
Outro exemplo é que costumamos pensar na criatividade como uma competência individual. Mas a ideia é que uma equipe pode ser criativa – no sentido mais básico da palavra. Equipes podem criar coisas que ainda não existem. Não é que eu tenha uma resposta e você concorde comigo, mas juntos nós conseguimos criar uma coisa que nenhum de nós conhecia antes.
Você pode explicar um pouco da metodologia?
A Transformative Scenario Planning é uma metodologia que temos desenvolvido na Reos nos últimos 20 anos. A metodologia usa a construção de histórias do que é possível como uma forma de os atores chegarem a um entendimento comum e tecer relações e intenções sobre o que fazer. Chamamos de Transformative Scenario Planning porque é baseada em uma metodologia muito conhecida na área do planejamento, chamada de Scenario Planning. No modelo tradicional, as pessoas constroem histórias de forma que possam adaptar para um futuro que não podem prever ou controlar. No transformador, construímos histórias não apenas para adaptar, mas influenciar o futuro. Essa é a metodologia que será descrita no livro que será publicada em novembro no Brasil.
Pode falar mais do livro?
Um livro simples e curto que explica a metodologia em 5 passos, com instruções práticas sobre como usar a metodologia e também dá exemplos de sucesso e de fracasso.
O primeiro passo é convocar uma equipe formada por pessoas de todo o sistema. Isso significa pessoas que, juntas, têm a capacidade de entender e influenciar o sistema como um todo. O segundo é que esse time observe o que está acontecendo. Isso é fácil de escrever e difícil de fazer. Imergir na complexidade da situação atual tanto falando uns com os outros – o grande valor de ter uma equipe multidisciplinar é poder aprender muito apenas por falar uns com os outros– quanto ao engajar com outros atores de diferentes partes do sistema. O terceiro depende dessa observação e da construção de cenários sobre o que é possível. O quarto passo é usar esses cenários sobre o que é possível e descobrir o que pode ou deve ser feito. Se isso é o que é possível no sistema, o que é meu papel? O que é minha responsabilidade? O que eu posso e devo fazer? O quinto é agir baseado naquilo que aprendemos, nas nossas relações. Agir para transformar o sistema, para endereçar o problema.
A principal mensagem do livro é que nós vamos nos deparar com situações que não podemos resolver mais e mais frequentemente. Essas ferramentas, como o Transformative Scenario Planning são crescentemente mais importantes.