Como um computador de bolso pode revolucionar a programação?
Fundação Micro:bit

Inovações em Educação

Como um computador de bolso pode revolucionar a programação nas escolas 

As Micro:bits são pequenas placas de baixo custo usadas em projetos de programação e robótica na educação básica. Você já conhecia?

por Ruam Oliveira ilustração relógio 31 de janeiro de 2024

Entre 2015 e 2016, a rede de comunicação britânica BBC criou um projeto que ganharia o mundo. Chamado de “Micro:bit”, pequenos computadores de bolso foram disponibilizados para crianças do ensino fundamental em todas as escolas da Inglaterra. A proposta era incentivar habilidades digitais que não estivessem ligadas somente com algo técnico, mas que trouxessem o pensamento computacional para a realidade de crianças de 8 a 14 anos. 

Quase uma década depois, as pequenas placas hoje podem ser encontradas e acessadas por educadores e crianças em diferentes países do mundo, inclusive o Brasil. Elas são utilizadas nas escolas para introduzir os estudantes em conceitos como pensamento computacional e lógica de programação de forma simples e lúdica.

Em conversa com o Porvir, José Scodiero, diretor da Fundação Micro:bit para a América Latina, detalhou como essa pequena ferramenta pode ser usada na sala de aula e traçou uma linha do tempo desde sua criação até o momento atual. A entrevista foi feita durante a 3ª Conferência de Aprendizagem Criativa, promovida pela RBAC (Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa), em novembro de 2023. O evento também sediou a Micro:bit Live, experiência que envolveu educadores de todo o país em oficinas práticas e formações sobre a ferramenta. 

Saiba mais sobre a ferramenta na entrevista abaixo. 

Porvir – O que é a placa Micro:bit e quais são suas principais características? 

José Scodiero – A gente a chama de computador de bolso. Ele surgiu de uma iniciativa coordenada pela BBC de Londres por volta de 2015 e 2016, quando o Reino Unido estava no programa chamado “Make Digital”, tentando olhar para a economia digital há alguns anos. A BBC pensou numa possibilidade de ter mais alunos e professores focados em tecnologia, mas sem ser algo extremamente teórico e técnico, então ela fez o projeto de desenvolvimento da placa e todo o software pensando na criança e no que a gente chama de computação física, pensamento computacional, algo mais abrangente do que só uma robótica ou programação. Crianças de 8 a 14 anos são o principal foco. 

Porvir – Como foi o desenvolvimento do projeto? 

José Scodiero – Uma junção de várias empresas – perto de 29 – fizeram colaborações e produziram 1 milhão de placas, distribuídas gratuitamente para todas as crianças do último ano do ensino fundamental britânico – algo em torno de 12 a 13 anos de idade. Ao longo do ano seguinte, foram feitas pesquisas que mostraram que 93/94% das crianças tiveram interesse em seguir uma carreira tecnológica e que elas entenderam que a tecnologia não era um bicho de sete cabeças. Também houve um crescimento de 70% no interesse de meninas estarem na nesse mundo. 

Foi uma atividade tão bem sucedida que se transformou na abertura da Fundação Micro:bit, que hoje tem produtos espalhados por 65 a 70 países pelo mundo e conta com cerca de de sete milhões e meio de placas já produzidas. Nosso objetivo é impactar o mercado e impactar as crianças a terem o melhor futuro digital que elas podem ter. O produto hoje é bastante bem sucedido no mundo.

Porvir – Como o micro:bit pode ser integrado ao currículo escolar?

José Scodiero – A Micro:bit tem a capacidade de trazer conceitos de pensamento computacional e programação, que a gente chama de computação física. Por exemplo, eu posso programar uma Micro:bit para funcionar como um pedômetro. Quando amarrada na perna da criança, ela é programada para contar quantos passos deu. A informação fica na própria placa, e dá para baixar e fazer uma análise dos dados.

Com a Micro:bit, você consegue usar todos esses processos e conceitos de tecnologia educacional para crianças, mas não como uma coisa técnica, e sim como se utiliza a tecnologia para soluções do cotidiano.

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Aqui no Brasil, nós ainda não temos um currículo obrigatório [de programação]. A BNCC (Base Nacional Comum Curricular), exige algumas coisas, então você pode utilizar a Micro:bit ou outras placas. Todas essas funcionalidades estão dentro daquela mini plaquinha, por isso que a gente a chama de computador de bolso, que pode ser utilizado de maneira diversa, não precisa criar um mega kit. 

Porvir – Quem fica responsável por essas placas e existem diferenças entre modelos?

José Scodiero – A Fundação Micro:bit é uma entidade sem fins lucrativos, que projetou e projeta a Micro:bit. Só existiu uma versão anterior que foi a de lançamento, chamada v1, que ficou até 2020. Desse ano para cá, usamos a V2, mas as duas são um produto só. 

O produto que a gente tem no Brasil é igual no mundo inteiro, com um valor extremamente acessível. Os três pilares da Micro:bit são: ser fácil de usar, o valor é acessível e as lições no site são gratuitas. Você pode baixar, imprimir e usar. 

Porvir – Esse material pode ser usado como planos de aulas?

José Scodiero – Você tem acesso a diversos planos de aula e programas de formação de professores. No entanto, nem tudo o que está disponível tem o objetivo de oferecer um currículo pronto. Em grande parte, é para servir como inspiração. Além disso, nem todos os recursos estão traduzidos para todos os idiomas, mas há uma quantidade significativa de conteúdo no site que pode ser utilizado, desde que sejam respeitados os termos de Creative Commons.

A fundação também oferece um editor de código Python, que é uma linguagem um pouco mais avançada. O objetivo é preparar as crianças para um futuro mais promissor, possibilitando que elas ingressem no mercado profissional de programação.

Porvir – Como as escolas podem começar a usar a Micro:bit?

José Scodiero – Não é necessário possuir a placa para começar a aprender. Além disso, não é preciso estar conectado à internet. Ou seja, é possível utilizar o recurso offline. Sem a placa, obviamente, você não terá todas as experiências que teria caso a possuísse, mas essa é uma opção para iniciar o trabalho.

Porvir – E como as escolas podem conseguir os micro:bits?

José Scodiero – Na Inglaterra, como mencionei, o primeiro projeto piloto foi financiado por empresas privadas, com uma doação de 1 milhão de unidades. Recentemente, um novo projeto britânico chamado Next Gen começou com uma doação de 700 mil placas. As escolas entram em contato com a organização e recebem o conjunto de placas.

Essas placas serão utilizadas para conduzir uma pesquisa introdutória aos conceitos de Inteligência Artificial e Aprendizado de Máquina. No Reino Unido, isso é conhecido como Playground Survey, como se fosse uma pesquisa realizada no parquinho da escola. Os resultados dessa pesquisa serão compilados e se tornarão nossa primeira ferramenta internacional relacionada à inteligência artificial.

Porvir – No Brasil acontece o mesmo?

José Scodiero – Nós lidamos com o lado funcional em parceria com os governos, mas não realizamos vendas. Na maioria das vezes, existem processos de licitação que precisam ser neutros. Doações são mais comuns fora do Brasil, mas são mais difíceis de acontecer aqui. Às vezes, até encontramos dificuldades para doar produtos devido à necessidade de deixar claro que não estamos visando gerar vendas. Essa é uma diferença em relação a outros países ao redor do mundo.

Porvir – Como o micro:bit pode ajudar no desenvolvimento de habilidades de programação em jovens estudantes?

José Scodiero – A principal característica é a facilidade de uso, dentro dos três pilares que mencionei. Aqui no Brasil, os impostos são pesados e aumentam o custo; a cada nova venda, há impostos cumulativos. O chamado “custo Brasil” impacta no preço da placa.

Uma ideia que sempre tivemos e chegamos a discutir com o governo, mas não avançou devido à pandemia, foi considerar as placas como livros e zerar os impostos, possibilitando que crianças e adultos criem tecnologia e não apenas a consumam.

Este é um ponto importante, pois a micro:bit é de fácil acesso, com custo acessível, e todo o conteúdo do site é gratuito e elaborado por especialistas. Isso possibilita levar os estudantes tanto para a área técnica – onde há uma grande falta de programadores – quanto para a carreira de programadores, desenvolvedores de software ou de hardware, que podem projetar o próximo iPhone. Além disso, inclui o pensamento computacional e a lógica de programação para resolver problemas do cotidiano.

*O repórter viajou a São João del-Rei (MG) a convite da Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa


TAGS

competências para o século 21, ensino fundamental, tecnologia

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