Com debates, meditação e projetos, cursinhos vão além da preparação para o vestibular
Sem focar apenas nos conteúdos de exames, preparatórios trabalham com novas abordagens e estimulam reflexões sobre temas atuais
por Marina Lopes 27 de julho de 2017
O vestibular costuma ser um período de grande estresse para os estudantes. Na transição entre a adolescência e o início da juventude, onde eles já precisam lidar com uma série de conflitos, a disputa por uma vaga no ensino superior traz um peso ainda maior para quem está vivendo uma fase de descobertas. Como uma alternativa ao modelo conteudista, alguns cursinhos estão promovendo espaços de debate e projetos que vão além da preparação para exames.
Em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, o Personal Educa tem feito rodas de conversa, dinâmicas e momentos de relaxamento para engajar os jovens e fugir da abordagem tradicional dos preparatórios. “O curso tem um eixo convencional, mas fazemos praticamente um trabalho de redução de danos. Como diminuir os danos que esse aluno pode ter em um contexto de vestibular e como ter um ambiente mais favorável ao diálogo?”, afirma Renan Garcia, cofundador e diretor do pré-universitário.
Com turmas pequenas e salas de aula no formato de U, o preparatório trabalha em um modelo de ensino colaborativo, que contraria a lógica de competição dos vestibulares. Durante as monitorias e períodos de estudo, antes de tirar dúvidas com um professor, os alunos são incentivados a compartilhar conhecimentos com os colegas. Em um quadro, eles têm espaço para marcar o que estão aprendendo e o que estão com dificuldade. “Aqui fazemos projetos sociais e discutimos conteúdos interdisciplinares. Temos uma mente mais ampla, mais aberta. Era muito incômodo ver a competição que acontecia dentro dos cursinhos”, diz Isadora Junqueira Figueiredo, 19, que pretende fazer direito e chegou a cursar seis meses em um cursinho tradicional.
Apesar de não perder de vista os tradicionais conteúdos exigidos pelos exames, o cursinho promove debates sobre imperialismo na América Latina, movimentos sociais e estereótipos de gênero. “Durante o dia, o aluno não tem apenas aulas. Temos alguns eixos para também trabalhar as suas perspectivas de vida”, observa o professor de biologia Willian Barberino, gestor de projetos no Personal Educa. Ele conta que para conter os excessos da fase pré-vestibular, o curso também faz o acompanhamento emocional e psicológico dos estudantes, valorizando momentos de relaxamento e meditação.
O formato das aulas foge da repetição de conteúdos. Os jovens aprendem por meio de experimentos, estudos de caso e outras metodologias ativas que o colocam como protagonista na construção do conhecimento. “Eu percebo que antes eu decorava a matéria. Agora compreendo e tenho um processo de aprendizagem mais efetivo, que não fica só no macete”, avalia Nathália Masuno Macias, 19, que vai prestar vestibular para medicina.
A proposta de não focar apenas em exames também é uma abordagem conhecida em muitos cursinhos populares, que contam com o apoio de voluntários para ampliar o acesso ao ensino superior e estimular que os jovens reflitam sobre temas que estão presentes no seu dia a dia. “Como um pré-universitário, entendemos que nosso papel não é preparar os estudantes apenas para uma prova, mas também para a universidade e, principalmente, para a vida”, defende Taline Chaves, cofundadora e coordenadora da Rede Emancipa, um movimento social de educação popular para jovens de escolas públicas, que começou há dez anos em Itapevi, na região metropolitana de São Paulo, e hoje está presente em 19 cidades de sete estados brasileiros.
Além de abordar as matérias que caem nas provas, a rede de cursinhos trabalha dentro de uma perspectiva de defesa da educação e direito à cidade, promovendo aulas abertas que ocupam espaços públicos. “Tentamos ser uma alternativa de organização popular”, diz Taline, ao mencionar que o conceito de educação popular está relacionado ao entendimento de que educação é poder.
Dentro do cursinho, estudantes de bairros das periferias encontram espaço para discutir temas atuais, como racismo, machismo e homofobia. Durante saraus, organizados pela Rede Emancipa, eles também podem expressar o que sentem por meio da arte. “Eles começam a perceber que existe um caminho que eles são respeitados e que eles podem falar”, garante a coordenadora, sem esquecer de mencionar que dentro do planejamento de aulas os jovens também encontram um tempo livre para refletir, socializar, organizar grêmios, fazer oficinas ou até mesmo relaxar.
Na hora de lidar com a tensão, os cursinhos da rede também procuram desconstruir a pressão criada em torno da aprovação no vestibular. “Se o nosso estudante não passou no vestibular no final do ano, não é o começo e nem o fim da vida dele. Tentamos mostrar que a sociedade está o tempo inteiro falando para ele competir, mas isso envolve um problema estrutural. Não é uma questão de esforço individual, é algo muito mais complexo.”
Depois de participar do preparatório da Rede Emancipa e ser aprovada no curso de geografia da USP (Universidade de São Paulo), a universitária Paula Faria, 20, voltou ao cursinho como professora voluntária. “Na minha aula eu costumo costurar opressão de gênero e classe com o conteúdo de geografia”, explica.
A partir da sua experiência como aluna e também como professora na rede, ela conta que as aulas são espaços de debate que incentivam os estudantes a se reconhecerem e pensarem de forma crítica. “Conforme eu frequentava o cursinho, eu percebia que não perdia o meu sábado. Eu ganhava o dia por todo o debate político que, como moradora de periferia, não tinha acesso”, diz Paula, que hoje é coordenadora na unidade do Grajaú, zona sul de São Paulo. “Os alunos começam a se questionar: Por que tem gente que a vida inteira sabe o que é Enem, vestibular e USP, mas na minha família não tem ninguém que é formado? Aí acontece o divisor de águas, porque você pode até saber o conteúdo do vestibular, mas agora passa a se entender enquanto pessoa periférica.”