Em escola infantil na Bahia, crianças decidem o que querem aprender
Estudantes trabalham em projeto durante o ano e apresentam o que aprenderam em seminário para familiares e colegas
por Redação na Rua 22 de fevereiro de 2016
Do Centro de Referências em Educação Integral
As paredes cheias de criações dos estudantes, um lugar reservado para o estudo, brincadeira e leitura, a alimentação saudável e até mesmo o parquinho. Tudo na Escola Municipal Emaus, em Camaçari (BA), remonta ao processo de descentralização do papel do adulto na educação e na aposta na autonomia dos pequenos e pequenas.
A partir das formações promovidas pelo projeto Paralapracá, a diretora e as professoras da escola de educação infantil traçaram um plano pedagógico baseado na realização de projetos com as crianças. No início do ano, cada sala escolhe um tema sobre o qual deve se debruçar durante todo o ano. Ou seja: de forma autônoma, as crianças decidem o que querem estudar.
A diretora Elisângela Rosa de Oliveira conta que uma das turmas demorou um pouco mais para decidir o tema, pois os alunos não chegavam a um consenso. Após um mês de discussões, decidiram estudar as abelhas. “Trabalhamos com a ideia de uma educação com as crianças e não para elas. É preciso valorizá-las como sujeitos sociais que têm uma voz ativa no processo educacional”, explica Elisângela.
Após se dedicarem durante todo ano letivo ao estudo do tema definido por eles mesmos, os pequenos estudantes se preparam, no final do ano, para apresentar um seminário. Cada sala faz uma exposição sobre o que aprendeu para os familiares e os colegas de outras turmas. A organização das apresentações é realizada por eles mesmos.
As crianças, na tarde em que o Centro de Referências em Educação Integral foi conhecer a escola*, estavam concentradas em fazer cartazes com o convite para o seminário. Os temas definidos, além das abelhas, foram: mamão, água, galinha, plantas e pássaros.
“Tivemos a ideia de trabalhar com projetos a partir do processo de formação continuada proporcionada pelo projeto Paralapracá. Não tem um modelo único, mas com base nas formações construímos uma forma de lidar com as crianças a partir da nossa realidade, sempre preocupado em dar a eles o protagonismo”, afirmou.
A partir dessa experiência de projetos, as crianças aprendem não só o conteúdo previsto no currículo, mas trabalham o aprendizado de como trabalhar em grupo e fortalecem a autonomia deles enquanto sujeitos sociais.
“Sentimos que as crianças dizem mais o que elas querem, o que desejam. Elas também aprenderam a dividir, trabalhar em grupo e não têm vergonha de pedir ajuda, não só para a professora, mas também para seus colegas de sala”, afirmou a diretora.
O parquinho e o padre
Aos poucos, as crianças estão se tornando sujeitos ativos não só dentro da escola, mas até mesmo fora dela. Um dos grandes desejos dos estudantes era construir um parquinho ao lado da escola, situada na zona rural de Camaçari. A diretora procurou os pais e junto com eles construiu, em um domingo, um campinho de areia. A ideia era transformá-lo , futuramente, no sonhado parquinho.
O plano parecia correr bem, até que surgiu um problema. O terreno ao lado da escola é da propriedade de uma Igreja, também localizada das proximidades.
O padre, ao ver que seria construído um parquinho, conversou com a diretora e pediu que as obras fossem paralisadas, já que ele pretendia fazer um estacionamento no local.
Elisângela relata que voltou à escola arrasada. Foi contar a má notícia aos alunos e, para sua surpresa, as crianças, ao invés de ficarem tristes, decidiram agir. Fizeram a proposta de irem conversar com o padre para tentar demovê-lo da ideia.
Assim, um grupo de cinco estudantes, com um presente nas mãos, chamou o padre para conversar e explicaram que queriam muito aquele campinho e que era possível compatibilizar as vontades deles e as da Igreja.
O resultado foi um acordo em que a escola recebeu a autorização para manter o campinho e construir um parquinho, desde que não o cercasse com tijolos, mas com garrafas pets.
As garrafas pets foram postas ao redor do espaço e, agora, falta apenas a colocação dos brinquedos do parquinho, o que deve acontecer até o final desse ano, segundo a diretora. ”Nós estamos crescendo muito enquanto escola, com uma escuta mais sensível do que as crianças nos falam. Aprendemos muito quando ouvimos eles e elas”, conta Elisângela.
Construção coletiva
Durante uma hora, Elisângela e a coordenadora pedagógica da escola, Carla Costa, explicaram na sala da direção como funcionava a dinâmica da instituição. Quando a reportagem do Centro de Referências em Educação Integral diz que precisa ir embora para pegar um avião de volta para São Paulo, ela interrompe a entrevista e pede mais tempo. “Não sou eu quem constrói sozinha essa escola. São todas essas pessoas e, mesmo que seja por 5 minutos, você precisa conversar com elas”
Professoras, faxineiras, assistentes de ensino, merendeiras, porteiros entraram na sala da direção e se apresentaram um por um, contando sua função. Enquanto isso, Elisângela saiu para cuidar das crianças que estavam todas as reunidas no pátio.
Alimentação
Outra tema trabalhado na escola é a alimentação saudável e, para isso, o diálogo com a comunidade foi essencial. Por se tratar de uma zona rural, muitas das crianças têm pais que plantam alimentos. Daí surgiu a ideia de fazer uma oficina de comidas, em que as crianças trouxessem aquilo que seus pais cultivavam.
A troca despertou a curiosidade dos alunos que passaram a se interessar por comidas que antes não lhes apeteciam. Além da troca, os alunos plantam alguns alimentos dentro da própria escola, que são consumidos por eles durante as refeições.
Recursos
A diretora diz que a escola não é perfeita e que está constantemente em busca da construção de novas perspectivas a partir da análise dos processos que foram desenvolvidos no período anterior.
Uma dos elementos que elas identificaram que podem ser desenvolvidos para 2016 é a leitura. Para os estudantes, a diretora reivindica um acervo maior de livros para trabalhar na sala de aula. Para os pais, eles buscam uma forma de incentivá-los a ler para seus filhos no período em que eles estão em casa.
Algumas ideias já começaram a ser testadas. Uma delas é uma espécie de varal, colocado na entrada da escola, com livros e jornais perdurados. O intuito é que os pais, ao trazer ou buscar as crianças, peguem e levem para casa alguns dos exemplares e, quem sabe, leia-os para seus filhos.
* O repórter viajou a Camaçari, entre os dias , 19 e 20 de outubro de 2015, a convite do Instituto C&A.