Escola impulsiona trajetória empreendedora de jovens na Amazônia
Porvir conversou com grupo de representantes selecionados pelo programa Jovens Transformadores, da Ashoka, e descobriu como atividades pedagógicas e educadores podem encorajar o engajamento social dos estudantes
por Maria Victória Oliveira 21 de janeiro de 2022
Qual papel a escola tem no desenvolvimento da veia empreendedora de crianças e jovens? As atividades realizadas dentro e fora da sala de aula ajudam a pavimentar o caminho para que adolescentes se tornem transformadores de suas realidades?
Essas foram algumas perguntas respondidas pelo grupo de representantes selecionados pela terceira edição do programa Jovens Transformadores, da Ashoka. Realizada desde 2019 no Brasil, a iniciativa prova que não existe idade para se tornar um empreendedor e mostra que o trabalho pela melhoria do planeta pode começar desde cedo, ainda na adolescência.
Os sete selecionados – todos da região amazônica – passaram a integrar um grupo internacional de jovens que lideram iniciativas de transformação social. Para entender de onde vem o interesse em atuar socialmente para mudar a realidade na qual estão inseridos, o Porvir conversou com o grupo sobre como os professores e as propostas pedagógicas despertaram ou reforçaram um interesse já existente por temas sociais e de que forma a colaboração pode ser mais abordada no ambiente escolar. Confira.
Importância da identidade
Beatriz Lacerda, de Ananindeua, no Pará, estudou em uma escola que seguia a Pedagogia Waldorf e, por isso, incentivava que os estudantes desenvolvessem e praticassem diariamente sua criatividade e liberdade de criação. Segundo a jovem de 17 anos, fundadora do Projeto Equidade (que trabalha raça, educação, gênero e sexualidade em oficinas), a passagem por essa e outras escolas que incentivaram o exercício do protagonismo estudantil ajudaram muito em sua formação.
“De que adianta um jovem saber fórmulas e não entender qual seu papel no mundo ou o que ele quer ser para ele mesmo? Nosso sistema [de ensino] tenta, de todas as formas, fazer com que pensemos igual, apagando as nossas identidades. Acredito que a juventude precisa se sentir parte da escola, e entendê-la como um lugar seguro onde poderá evoluir. A educação precisa ser adaptada para a realidade do aluno, caso contrário não fará sentido para ele.”
Espaço de debates e disseminação de conhecimento
Já o escritor e poeta quilombola de 17 anos, Rian Corrêa, de Cachoeira do Arari, no Pará, defende que atividades, trabalhos em grupo e debates sobre temas sociais importantes, como aborto, racismo, gravidez precoce e falta de estrutura nos espaços escolares fizeram com que ele percebesse a necessidade de agir e se mobilizar para transformar e melhorar sua realidade.
Por ser um espaço de socialização e disseminação de conhecimento, Rian acredita que a escola contribuiu para que a veia empreendedora aflorasse. Junto com amigos, ele co-lidera o Projeto Biblioteca Gurupá, que visa estimular jovens e suas famílias a desenvolverem o hábito da leitura. “São muitas as formas que escolas, redes de ensino e educadores podem trabalhar o tema da colaboração, como a partir de trabalhos voltados à comunidade escolar, como mutirão, pesquisa de campo, entrevistas com a população local, palestras, debate sobre temáticas sociais e grupos de estudos. Com certeza essas iniciativas serão de grande contribuição para que os estudantes se sintam chamados à colaboração social.”
Disciplinas conectadas ao social
Junto com amigos, Samuel Benzecry, de Manaus, no Amazonas, criou um grupo de estudos após perceber que os currículos das escolas da sua região não abordavam de forma satisfatória as histórias e a cultura da Amazônia.
Samuel conta que, desde os primeiros anos do ensino fundamental, teve contato com projetos escolares que abordam o tema do empreendedorismo social. Agora, aos 17 anos, ele acredita que a melhor forma de incentivar a colaboração e participação dos jovens é mostrar que problemas e desafios afetam não apenas a comunidade, bairro ou cidade, mas também o país e o planeta na escala macro.
“Diversas matérias escolares abrem portas para esse tipo de discussão, desde química até geografia. Fora isso, acredito que integrar iniciativas de transformação social com a escola pode gerar bons frutos.”
Clara Gentil, jovem indígena de 17 anos natural de Santarém, no Pará, concorda com Samuel e defende que sua escola, com disciplinas voltadas ao cuidado e preservação do meio ambiente, foi fundamental para que ela passasse a se envolver em projetos relacionados à sustentabilidade.
Líder da iniciativa Plantar Um Mundo Melhor, que pratica o reflorestamento e plantio de mudas e já organizou iniciativas de limpeza de córregos, destinação correta do lixo nas escolas, compostagem e o lançamento de um programa de rádio dedicado a aproximar vozes de pessoas de diferentes comunidades, Clara reforça a importância da rede de pessoas que conheceu na escola para sua formação.
“Acredito que todas as escolas deveriam ter disciplinas que possam educar as crianças e adolescentes de uma maneira mais sustentável, para que cresçam com consciência sobre o que é certo. Os projetos que desenvolvo são voltados para o trabalho com alunos nas escolas públicas, pois quanto mais projetos assim nas escolas, mais alegria para todos nós.”
Papel dos professores
Gabriel Santos ou KENAI, como se identifica, é fundador do projeto Jovens pelo Futuro do Xingu, iniciativa que busca envolver adolescentes na busca de soluções para a poluição do Rio Xingu, a violência social e suas conexões, além de promover ações de educação ambiental. Mais de quatro mil litros de lixo já foram recolhidos do rio pelo projeto.
O jovem de 16 anos, residente em Altamira, no Pará, conta que a escola é o espaço ideal para que jovens possam desenvolver e exercitar habilidades sociais como liderança, características como proatividade e interesse pelo empreendedorismo, tudo isso a partir de trabalhos em grupos, esportes coletivos e convívio diário com pessoas de diferentes realidades sociais, além do apoio por parte dos professores.
“Muitas vezes o incentivo que não recebemos em casa de familiares vem da escola e dos educadores. Todo mundo tem um professor que marcou a sua vida de alguma maneira, que trouxe oportunidades, que te elogiou e disse que você é capaz. Muitas vezes, professores vão além do seu papel de ensinar e se tornam verdadeiros mentores e amigos para seus alunos. Na escola, aprendemos que a educação muda vidas e que nós somos uma ferramenta que pode impactar a vida de todos ao redor.”
Atividades extracurriculares
Mesmo que sua escola não contasse com muitas atividades capazes de despertar o interesse para áreas do conhecimento além dos conteúdos abordados em sala de aula, Lívia Silva, de 17 anos, residente em Capanema, no Pará, conta que sua experiência como vice-chefe de turma foi muito significativa para que pudesse desenvolver um espírito de liderança e buscar oportunidades de crescimento profissional e pessoal.
Foi a primeira jovem da sua comunidade a ter a oportunidade de vivenciar um programa de intercâmbio nos Estados Unidos. Com um olhar mais crítico sobre a importância de fortalecer as juventudes para que olhem para os problemas de suas comunidades, fundou o Levanta Jovem, iniciativa que oferece mentorias e formações para desenvolver autoconhecimento, oratória, trabalho em equipe, formação de projetos e negócios sociais entre jovens de sua região.
“Eu realmente acredito que, por meio da promoção de atividades extracurriculares diversas no ambiente escolar, é possível engajar os estudantes com interesses diferentes no tema da colaboração, especialmente de uma forma prática, facilitando o aprendizado.”
*Além de Beatriz Lacerda, Rian Corrêa, Samuel Benzecry, Clara Gentil, Gabriel Santos (KENAI) e Lívia Silva, o grupo dos sete jovens transformadores selecionados pelo programa homônimo da Ashoka também é composto por Gleice Tukano, 18 anos, indígena do povo Tukano, natural de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, e dirigente da iniciativa Juventude Indígena pelo Bem Viver de Hoje e das Futuras Gerações e líder do Departamento de Juventude da FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro). Gleice não pode atender a reportagem por motivos de saúde, mas incluiremos sua experiência assim que possível.