Estudantes no centro do processo educativo
Como gestores e professores podem adotar novas atitudes partindo da premissa de que todos os estudantes, sem exceção, têm capacidade de aprender e podem contribuir com a sua própria educação
por Anna Penido 18 de setembro de 2017
A participação dos estudantes acontece quando os colocamos no centro do processo educativo. No entanto, além de não entender muito bem o que isso significa, temos ainda mais dificuldade de colocar essa ideia em prática. Basta uma distração e já esquecemos de considerá-los quando planejamos uma aula, tomamos uma decisão sobre a escola ou desenhamos uma política pública.
As resistências também não facilitam. Há quem confunda a proposta, achando que pretende deixar os alunos decidirem tudo sozinhos. Há os que acreditam que os estudantes não têm nada a contribuir. E há aqueles que estão tão acostumados a não envolvê-los, que nem imaginam como podem fazer diferente.
Para colocar os alunos no centro do processo de ensino e aprendizagem, os educadores precisam mudar a forma como percebem e interagem com seus educandos, partindo da premissa de que todos eles, sem exceção, têm capacidade de aprender e podem contribuir com a sua própria educação.
– Leia mais sobre o tema no guia Personalização do Ensino do Porvir
A mudança implica na adoção de uma nova visão e atitude por parte de gestores e professores, mas algumas práticas podem apoiá-los a implementá-las no seu dia a dia. Listamos abaixo algumas delas:
Conhecer
Educadores precisam saber quem são seus alunos para entender melhor o seu perfil e as condições que favorecem ou dificultam a sua aprendizagem. Torna-se difícil oferecer uma educação que faça sentido quando não sabemos a quem estamos servindo. É preciso identificar onde esses estudantes vivem, sua realidade familiar e situação socioeconômica, sua trajetória escolar e dificuldades de aprendizagem, questões de saúde física e psicológica, interesses e expectativas, inclusive em relação à escola. O desafio, nesse caso, consiste em não rotular ou estigmatizar o estudante, mas utilizar essas informações a favor da sua aprendizagem.
Como colocar em prática
O trabalho de coleta e análise de informações sobre cada aluno torna-se mais viável quando compartilhado por gestores e equipe docente.
Exemplos
· Questionários preenchidos no momento da matrícula ou no início das aulas para levantamento de informações relevantes sobre cada aluno;
· Conversas individuais com as famílias, realizadas de maneira franca, estruturada e sem julgamento;
· Atividades de integração na primeira semana de aula para que os alunos possam refletir e expressar ideias e sentimentos sobre si, sua realidade presente e suas expectativas em relação à escola, o ano letivo e o futuro;
· Diagnóstico e análise de dados disponíveis sobre o desempenho de cada estudante e da escola como um todo.
Reconhecer
Educadores precisam reconhecer os limites e o potencial de cada aluno. Ao longo de sua trajetória escolar, os estudantes acumulam experiências importantes, como a participação em grêmios, gincanas, competições esportivas, seminários, projetos artísticos e comunitários, mas, quando deixam a escola, tudo que levam é um histórico de notas. O reconhecimento de diferenciais, avanços e realizações de cada aluno não apenas desenvolve a autoconfiança e estimula o engajamento, como demonstra outras aprendizagens acumuladas ao longo da Educação Básica. Também ajuda a desconstruir estigmas e estereótipos. Por isso, é importante que os educadores valorizem as conquistas e fomentem que os alunos utilizem seus talentos e habilidades para contribuir com a sua própria aprendizagem e dos seus colegas. Quanto aos limites de cada um, reconhecê-los significa considerá-los como especificidades a serem respeitadas e desafios a serem superados.
Como colocar em prática
As formas de reconhecimento devem ser inclusivas, buscando não gerar competição ou constrangimento para os estudantes.
Exemplos
· Sistemas de reconhecimento como os praticados por jogos eletrônicos, em que os estudantes vão acumulando pontos por sua participação, colaboração e superação;
· Programas de monitoria, em que alunos são convidados a utilizar suas habilidades para apoiar as atividades da sua turma e da sua escola;
. Portfólios em que professores e estudantes registram desafios e conquistas;
· Diálogos respeitosos, acolhedores e propositivos de gestores e professores com estudantes e suas famílias para refletir sobre suas dificuldades e potencialidades.
Relacionar
Educadores precisam construir relações de confiança com seus alunos. Estudantes conectam-se mais fortemente a professores que lhes inspiram admiração, afeto e segurança, especialmente aqueles que são firmes, mas acolhedores e demonstram genuíno compromisso com sua aprendizagem. Por outro lado, ressentem-se quando os docentes não sabem nem os seus nomes, não os cumprimentam e subestimam a sua capacidade. Quanto mais profunda a relação com o educador, mais ele consegue estimular seus alunos a superar seus limites e seguir adiante.
Como colocar em prática
Os educadores que têm relações atentas e construtivas com seus estudantes não são necessariamente os mais bonzinhos ou divertidos. Professores que se preocupam verdadeiramente costumam estabelecer dinâmicas próprias de relacionamento com seus alunos, de forma a perceber o que é singular em cada indivíduo, exigir o máximo que cada um pode dar e reconhecer o valor de cada conquista. É preciso ainda ter cuidado para que preferências não interfiram na forma como os estudantes são tratados, a fim de que todos tenham sua parcela de respeito e atenção.
Exemplos
· Criação de combinados da turma e da escola para uma convivência positiva;
· Observação permanente do comportamento de cada aluno, com identificação de possíveis problemas e intervenção assim que necessário;
· Conversas de encorajamento com os estudantes sobre dificuldades e avanços;
· Realização de atividades extraclasse para convivência mais próxima em ambientes mais lúdicos.
Planejar
Educadores precisam planejar suas práticas pedagógicas em função do perfil e das necessidades de seus alunos. Gestores e professor devem considerar todas as informações de que dispõem sobre seus estudantes antes de tomar decisões importantes. Alunos que aprendem com mais dificuldade ou em ritmo mais lento, bem como aqueles mais rápidos ou desmotivados devem ser permanentemente considerados, para que não acabem deixados para trás. Programas pré-formatados e sequências didáticas estruturadas funcionam bem como referências quando podem ser readaptados em função da realidade de cada rede, escola ou turma.
Como colocar em prática
Os educadores têm sido convidados a atuar como designers da aprendizagem. O designer é aquele profissional que entende a necessidade das pessoas e desenha as melhores soluções para atendê-las. Assim também, gestores e professores precisam entender as especificidades de seus estudantes e planejar suas atividades de forma a contemplá-las, para que cada um garanta o seu direito de aprender e se desenvolver.
Exemplos
· Planejamento de práticas pedagógicas diversificadas, que contemplem diferentes perfis de alunos;
· Escuta dos estudantes para mapear percepções sobre a dinâmica da escola e das aulas e identificar o que está funcionando e o que pode melhorar;
· Divisão do tempo de aula em diferentes momentos e atividades para permitir que todos acompanhem;
· Divisão da turma em subgrupos para realização de atividades diferenciadas, que atendam a necessidades específicas.
Engajar
Educadores precisam engajar seus alunos para que se sintam comprometidos com o seu processo de aprendizagem e encorajados a continuar se desenvolvendo. O desinteresse dos estudantes é um dos principais motivadores de infrequência, indisciplina, baixo aprendizado, abandono e evasão escolar. Quanto mais envolvidos e atuantes no cotidiano das suas escolas, maior a chance de aprenderem e menor a probabilidade de decidirem parar de estudar. Engajamento significa promover a efetiva participação dos estudantes nas atividades pedagógicas e de gestão, na tomada de decisões, na elaboração de projetos, entre muitas outras possibilidades.
Como colocar em prática
A participação pode acontecer de forma superficial, decorativa ou manipulada, com estudantes apenas executando tarefas prescritas por seus educadores. Mas o engajamento acontece de fato quando gestores e professores se dispõem a abrir mão das suas certezas e do seu poder, para compartilhar dúvidas e tomar decisões junto com seus alunos.
Exemplos
· Escuta sistemática dos estudantes, especialmente antes da tomada de decisões que afetam a sua vida escolar;
· Flexibilização para que alunos possam fazer escolhas em relação ao ambiente da escola, à dinâmica das aulas (como aprender) e a aprendizagens do seu interesse (o que aprender);
· Abertura de oportunidades para que estudantes sejam coautores de práticas pedagógicas, projetos, eventos, produtos, entre outras criações relacionadas à sua aprendizagem;
· Abertura de oportunidades para que alunos se corresponsabilizem por decisões e pela busca de soluções para os problemas da sua escola, sempre em colaboração com gestores e professores.
Acompanhar e Avaliar
Educadores precisam acompanhar e avaliar o desenvolvimento dos seus alunos de forma a assegurar que todos aprendam. Nenhum estudante pode ser deixado de lado, por isso gestores e professores devem estar atentos a como cada estudante evolui ao longo do seu processo educativo. Acompanhar significa estar ao lado para apoiá-los quando as coisas não estiverem caminhando bem, rever estratégias pedagógicas que se mostrarem ineficazes e estimulá-los a dar o melhor de si. Já a avaliação não pode ser vista como instrumento de punição, mas como termômetro que indica se os objetivos estão sendo alcançados e se os direitos de cada um à educação estão sendo garantidos.
Como colocar em prática
Grande parte das vezes, as avaliações escolares respondem mais a demandas dos sistemas de ensino do que dos estudantes. Muitas não são capazes de ajudá-los a superar suas dificuldades. Acompanhamento e avaliação centrados nos alunos têm a preocupação de entender como aprender, o que já aprenderam e o que ainda precisam aprender, oferecendo-lhes às condições necessárias para superar adversidades e seguir se desenvolvendo. Por isso, precisam envolvê-los em todo o processo.
Exemplos
· Observação atenta do comportamento e da participação de cada aluno e devolutiva clara e propositiva para que eles próprios possam se corresponsabilizar por seus avanços;
· Mentoria para apoiar os estudantes a estabelecer objetivos, organizar seus estudos e superar suas dificuldades;
· Utilização de plataformas tecnológicas ou recursos similares para realizar avaliações em tempo real, a fim de detectar rapidamente as lacunas de aprendizagem e oferecer outras estratégias pedagógicas para aqueles que não conseguem avançar;
· Utilização de práticas de avaliação diversificadas, que atendam a diferentes perfis e possam verificar o desenvolvimento intelectual, físico, social, emocional e cultural dos estudantes.
Anna Penido
Diretora do Inspirare. Jornalista formada pela UFBA, com especialização em Direitos Humanos pela Universidade de Columbia e em Gestão Social para o Desenvolvimento pela UFBA. Em 2011, participou do programa Advanced Leadership Initiative da Universidade de Harvard. Trabalhou como repórter para o jornal Correio da Bahia e para as revistas Veja Bahia e Vogue. Integrou as equipes da Fundação Odebrecht e do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia. Fundou e dirigiu a CIPÓ – Comunicação Interativa. Coordenou o escritório do UNICEF para os Estados de São Paulo e Minas Gerais. É fellow Ashoka Empreendedores Sociais.