'Fazemos a diferença num universo de dificuldades' - PORVIR

Diário de Inovações

‘Fazemos a diferença num universo de dificuldades’

No Diário de Inovações, professora de uma zona rural conta como criou uma horta para integrar família, escola e comunidade

por Ester Brambila ilustração relógio 19 de novembro de 2014

Meu projeto surgiu da realidade dos meus alunos. Situada numa zona rural, em Charqueadas (RS), a comunidade escolar enfrenta uma realidade social em que falta tudo: saneamento básico, posto de saúde, água e transporte. Sendo assim, pensei em como poderia usar esse espaço para integrar de uma forma mais eficiente escola e famílias.

Tudo começou com a questão da merenda escolar, que era em quantidade insuficiente para atender a demanda de duas refeições diárias dos estudantes (café da manhã e almoço). Como estamos localizados em uma zona de assentamento rural, dispomos de uma boa área de terra cultivável em torno da escola. Ciente da atuação social de uma grande empresa na minha cidade, enviei e-mail expondo nossas dificuldades e perguntando sobre a possibilidade de nos ajudarem em um projeto de desenvolver uma horta sustentável.

diário_inovaçõesCrédito: Arquivo pessoal

A horta teria que ser sustentável, pois dessa forma estaríamos contemplando a necessidade de conscientizar nosso aluno sobre questões relativas ao meio ambiente. Partimos para reuniões com a comunidade e começamos a solicitar a ajuda dos pais na efetiva implantação da horta, já que isso beneficiaria diretamente seus filhos.

Os alunos ficaram motivados e o projeto começou efetivamente a deslanchar. Mães se dispuseram a ajudar nos cuidados e na manutenção dos canteiros. Num sistema de revezamento, elas ajudam a plantar, limpar e, principalmente, refazer o plantio.

Os alunos se dividiram em trios e foram incumbidos de cuidar de cada canteiro, ficando sob sua responsabilidade a manutenção dos mesmos. Árvores frutíferas foram plantadas e levaram o nome do aluno que escolheu. Isso passou a integrar o patrimônio da escola e consolidou de vez a passagem do aluno pela instituição. Eles foram alfabetizados dentro dos conceitos pedagógicos de Paulo Freire, onde a sua realidade estaria sendo usada na formação do conhecimento.

A horta serve no dia a dia como um ambiente de aprendizado de língua portuguesa, matemática e ciências, além de trabalhar valores como responsabilidade, comprometimento, cooperação e solidariedade. As atividades de língua portuguesa são trabalhadas quando se lê os rótulos das sementes e instruções de como plantar; os nomes das hortaliças são escritos e os alunos fazem rótulos para cada canteiro, incluindo a data de plantio e tabelas com os cuidados necessários. Em ciências e matemática, discutimos sobre insumos orgânicos, suas quantidades e os malefícios dos compostos químicos.

diário_inovações2Crédito: Arquivo pessoal

Tudo isso está contemplado dentro das diversas disciplinas do currículo. Como uma opção para manter a qualidade do solo, temos uma composteira e usamos os restos orgânicos da cozinha e esterco que alguns alunos trazem de casa.

Na questão de responsabilidade, percebe-se uma mudança grande de comportamento. Os alunos hoje não querem faltar às aulas, pois tem o compromisso de cuidar diariamente de seu canteiro. É preciso verificar diariamente o que há para ser feito e todos querem acompanhar o desenvolvimento de sua plantação. A solidariedade também teve seu crescimento, quando os próprios alunos falaram em doar o excedente para algumas pessoas da comunidade que se encontram abaixo da linha da pobreza. Foi emocionante.

No todo, o projeto mostrou-se vitorioso ao integrar a comunidade por meio de um trabalho voluntário. As famílias se aproximaram da escola e passaram a acompanhar de forma muito mais efetiva o desenvolvimento escolar dos filhos. Por tudo isso, acredito que estamos fazendo a diferença num universo repleto de dificuldades e dentro de uma realidade tão adversa.

*Dois dias antes da publicação deste depoimento, a professora entrou em contato com a equipe do Porvir e disse que na última semana, em decorrência dos fortes temporais que atingiram o Rio Grande do Sul, a horta da escola foi completamente dizimada. “Ano que vem o projeto começa do zero. Não tenho dúvida de que conseguiremos novamente”, contou.


Ester Brambila

É natural de Guaíba, no Rio Grande do Sul. Com 52 anos, a professora é formada pela Universidade Luterana do Brasil, em Letras. Concursada pela rede municipal e estadual, atualmente atua com as séries iniciais do ensino fundamental. Ester trabalha em uma escola de zona rural com uma turma multisseriada, incluindo alunos de baixo nível socioeconômico que são oriundos de um assentamento.

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engajamento familiar, escolas rurais

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