Flexibilidade do Novo Ensino Médio precisa atender estudantes da educação inclusiva
Protagonismo e habilidades do estudante têm de ser valorizados. Profissionais da educação devem direcionar o olhar para as barreiras impostas pela sociedade e pela escola e não para o tipo de deficiência
por Fernanda Nogueira 22 de dezembro de 2022
As melhores práticas de educação inclusiva no ensino médio são aquelas que consideram o estudante como protagonista do processo de escolarização e valorizam seu interesse e habilidades. Assim como nas etapas anteriores da trajetória escolar, é preciso acreditar que a escola é capaz de igualar oportunidades de aprendizagem e de diversificar estratégias de ensino porque percebe que cada estudante aprende de uma forma singular – por mais que nesta etapa a pressão por entrega de conteúdo acadêmico seja ainda mais forte.
Quem explica como isso pode ser adotado nas escolas é Katia Cibas, especialista da equipe de formação do Instituto Rodrigo Mendes. “É imprescindível que eles sejam ouvidos e participem de todo processo, desde o planejamento anual em que são definidos os objetivos, conteúdos curriculares e estratégias. É necessário também, para atuar na perspectiva inclusiva, que a escola tenha como premissa que toda pessoa aprende e deve ter garantido seu direito à educação, inclusive no ensino médio. As escolas precisam criar diferentes meios e modos para que o aluno com deficiência participe plenamente de todas as atividades propostas, junto aos demais estudantes.”
Esta é a forma de atuação do IFSP (Instituto Federal de São Paulo), onde as melhores experiências de inclusão são aquelas pensadas de maneira colaborativa, envolvendo escola, professores e alunos, de acordo com Carla Vilaronga, professora do instituto, que trabalha com formação profissional e ensino médio integrado.
“Além da acessibilidade, temos que entender o contexto da vida do estudante, o que ele almeja, o que sonha. Tem alunos que entram na escola porque o ensino médio é forte e querem ir para a universidade. Não gostam do curso técnico. Tem outros que gostam do técnico e querem trabalhar. Fazemos reuniões de planejamento individual e investimos no empoderamento do aluno. Alguns deles chegam com uma grande lacuna de escolarização. Trabalhamos essas lacunas em um ou dois anos”, conta Carla.
A professora dá o exemplo de uma estudante surda que pediu mudanças na carga horária de atividades no primeiro ano na escola. “Lotamos a agenda dela para recuperar o que não sabia, mas ela e a família explicaram que estava muito pesado. Entendemos, continuamos oferecendo suporte, mas diminuímos a carga horária”. Ela foi muito bem no ano seguinte, se formou e hoje cursa pedagogia em uma universidade pública.
Outra estudante, com paralisia cerebral, chegou à escola com dificuldade em exatas e na área técnica. Ela teve acompanhamento dos professores para se desenvolver e descobriu, durante o percurso escolar, uma grande facilidade com a escrita. Hoje, cursa letras. “Ela escreve textos muito bonitos, conseguiu fazer com que as pessoas leiam o que escreve”, comenta a educadora.
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Direitos da pessoa com deficiência
Segundo Katia Cibas, no passado já se acreditou na existência de metodologias específicas de acordo com cada deficiência. “No entanto, a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência – publicada em 2006 e aprovada com equivalência de emenda constitucional no Brasil, em 2008 – apresenta um novo conceito de deficiência, que deixa claro que o foco do professor deve ser a remoção ou minimização de barreiras que dificultam a participação e aprendizagem de estudantes público-alvo da educação especial, e não o tipo de deficiência.”
O artigo primeiro da Convenção diz que: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.”
Para Katia, isso quer dizer que devemos direcionar nosso olhar para as barreiras impostas na sociedade e na escola, e não para as aptidões das pessoas. Nas escolas, as barreiras podem ser arquitetônicas, quando não é considerado o livre acesso de uma pessoa usuária de cadeira de rodas a todos os espaços, ou pedagógicas, quando o professor elabora um único tipo de atividade para ser realizada por todos os estudantes, sem considerar as especificidades da turma.
“O Desenho Universal para Aprendizagem (DUA) é um grande aliado neste processo e deve ser considerado pelos professores no momento de elaborarem aulas que possam ser acessadas por todos. É preciso haver diversificação na apresentação dos conteúdos curriculares, nos formatos dos materiais didáticos, nas estratégias pedagógicas, na mediação com os estudantes e nas inter-relações entre o conteúdo e o dia a dia do estudante”, afirma a especialista.
O texto “Ensino médio inclusivo: boas práticas são agulha no palheiro?“, de Rodrigo Hübner Mendes, disponível no site DIVERSA, aprofunda o debate sobre inclusão no ensino médio.
Adaptações e acompanhamento
O Instituto Mano Down, em Belo Horizonte (MG), trabalha em acordo com a Lei Brasileira de Inclusão no contraturno escolar, fazendo adaptação de materiais, capacitação de professores, reforço escolar, palestras e convivências.
“A maioria dos estudantes está no ensino fundamental, temos quatro pessoas no ensino médio. Trabalhamos muito com conceitos concretos, adaptação de apostilas, com vídeos, letras maiores para entendimento das provas e integração com o professor regente. Mandamos relatórios, principalmente com a participação da família, entendendo o educando e mostrando a potencialidade e a forma de aprender”, explica Leonardo Gontijo, diretor presidente do instituto.
O foco do trabalho é o processo de aprendizagem. O primeiro documento cobrado das escolas é o PDI (Plano de Desenvolvimento Individualizado). Com base nele, o instituto trabalha a trajetória do aluno. “Além disso, atuamos junto com a família, fortalecendo os pontos que serão trabalhados pelo PDI e fazendo avaliações rotineiras. Trabalhamos muito com deficiência intelectual. Vemos que a defasagem é grande, mas fazemos as adaptações e o alinhamento para que os estudantes tenham sucesso no ensino médio”, diz Leonardo.
Disposição para o encontro
O texto de referência “Eletivas – Diversidade e Inclusão na Escola”, do programa Nosso Ensino Médio, realizado pelos institutos iungo e Reúna, com a gestão operacional do Porvir, afirma que uma sociedade justa é aquela que valoriza as diferenças e se enriquece com elas e aprofunda o significado do termo inclusão.
“A inclusão nos diz de uma disposição para o encontro com o desconhecido, de poder olhar cada um sem adiantar preconceitos, sustentando-o em sua vitalidade por ser e estar entre nós, de uma abertura para a ampliação do nosso repertório de mundo. Nesse sentido, não há um sujeito que inclui e outro que é passível de ser incluído, posto que não há um grupo naturalmente estabelecido, que decidiria aqueles que acessarão o lugar comum. A inclusão é justamente esta superação da assimetria de direitos e de poder. É um processo que se dá entre sujeitos, que tem a igualdade como princípio, não com promessa”.
Para a professora Carla, o processo de trabalho com os estudantes da educação especial mostra que eles são “muito mais iguais do que diferentes”. “Trabalhamos a acessibilidade, mas, na maioria das vezes, elas são pequenas em relação à história que as pessoas trazem. Damos oportunidade, pensamos juntos, de forma coletiva, e elas se desenvolvem.”
Para conhecer casos de escolas que desenvolvem uma educação inclusiva segundo os princípios desta série, visite a seção Estudo de Caso, da plataforma DIVERSA.
A série Educação Inclusiva, aqui no Porvir, também apresenta escolas e conceitos importantes sobre recursos didáticos, metodologias para avaliação e adoção de tecnologia.