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Diário de Inovações - Gestão

Gestão escolar impulsiona clube de leitura com equipes e estudantes

Voltado para professores e comunidade escolar, clube de leitura no CETI Augustinho Brandão, na cidade de Cocal dos Alves, ajudou a escola a alcançar maior proficiência em língua portuguesa do estado do Piauí

por Darkson Vieira Machado ilustração relógio 29 de fevereiro de 2024

Assumi o CETI (Centro Estadual de Tempo Integral) Augustinho Brandão, localizado em Cocal dos Alves (PI), em janeiro de 2021, em meio ao turbulento período de pandemia. Faço parte do corpo docente desde sua fundação, como professor de língua portuguesa, há 20 anos. Durante todo esse período, passaram pela gestão pessoas coerentes com o desenvolvimento e transformação da sociedade local por meio da educação pública oferecida pela unidade. Participei de iniciativas bacanas, mas destaco como inovadora a proposta “Tudo começa com a leitura”, iniciada na gestão da professora Aurilene Vieira de Brito, em 2016, que mantive quando assumi a direção e hoje é política da escola.

Trata-se de um projeto simples, mas com imenso potencial. Em poucos anos, a iniciativa conseguiu mobilizar as equipes docente, pedagógica e administrativa para desenvolver o hábito da leitura na comunidade escolar. 

Lembro-me bem do início das atividades, quando o colégio adquiriu 20 títulos de autores brasileiros e estrangeiros, clássicos e contemporâneos. A lista incluía importantes livros da nossa literatura, como “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector, e “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto, além de grandes obras da literatura universal como “Dom Quixote”, do escritor espanhol Miguel de Cervantes, e “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, expoente da literatura francesa. 

O passo seguinte foi criar um clube de leitura entre os profissionais da escola. Professores das exatas, secretários e muitos outros integrantes da comunidade escolar resolveram participar. Todos tinham um título para ler durante dois meses e aos sábados nos reuníamos na biblioteca da escola para debater as obras. Ficávamos o dia inteiro e adentrávamos a noite. Almoçávamos e jantávamos na escola. Os alunos ainda não participavam desta etapa.

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Inicialmente, apresentávamos o enredo, os personagens, o espaço e o tempo da história. Em seguida, havia uma análise mais minuciosa, em que debatíamos os temas que poderiam ser abordados e explorados na verificação de leitura dos alunos, bem como a análise dos personagens e reflexões sobre os autores. Toda a apresentação ficava a cargo do professor leitor. Alguns faziam em forma de slides, outros com cartazes ou em roda de conversa, e assim fluía o clube. Com o tempo, passamos a compartilhar críticas literárias também.

Com todos os livros lidos e discutidos, os professores elaboraram um teste de verificação de leitura, com 10 questões de múltipla escolha para medir o nível de compreensão dos alunos. A parte prática começa na etapa seguinte, quando os professores repassam os livros para as turmas. Todas realizam rodas de conversa e apenas ao final os testes são aplicados. 

No clube, todos os professores de todas as áreas participavam das atividades de verificação Antes de serem aplicadas aos alunos, essas atividades eram revisadas pela coordenação pedagógica. Atualmente, como todos os títulos já foram lidos e explorados no clube, sempre há uma revisão das questões, com retirada ou acréscimo de algumas.

Com a pandemia e a necessidade ainda maior de manter os alunos leitores, as atividades extras eram disponibilizadas via WhatsApp e os livros eram levados até a casa dos alunos. Nesse período, tivemos a ideia de rodas de conversa online com os professores leitores e os alunos. Foi uma ação exitosa, pois manteve o projeto ativo e eficiente.

A proposta do clube segue a mesma: queremos que os estudantes do ensino fundamental e médio elevem o nível de leitura e melhorem a aprendizagem em geral. Por isso, entendemos lá atrás que era interessante que a escola toda respirasse o mesmo ar do projeto, com tom mobilizador, para assim estimular os jovens. O intuito era não somente alcançar a fluência literária dos alunos, mas também desenvolver professores leitores.

Iniciativas que inspiram

Um dos grandes problemas na gestão pública, principalmente na educação, é a descontinuidade de bons projetos. Muitas vezes, um novo gestor não quer deixar marcas do seu antecessor e, assim, encerra muitas ações que estão dando certo. Precisamos repensar essa atitude de forma geral e, a partir de análises e consultas públicas, tomar as atitudes certas. 

Foi isso que fizemos com relação ao projeto de leitura quando assumi a gestão do CETI, em 2021. Sem sombra de dúvidas, era um projeto que estava transformando a rotina do ensino-aprendizagem da escola, e os resultados já eram notórios, como o aumento da qualidade da produção de texto da escola, bem como o aumento na média de redação dos alunos.

De lá para cá, muitas coisas mudaram no projeto. Como boa parte do acervo já foi lida e analisada, os novos livros, como “Torto Arado”, de Itamar Vieira Junior, e outras obras do PNLD (Programa Nacional do Livro e do Material Didático) Literário, são lidos pelos professores do grupo de linguagens, mas há espaço para qualquer integrante da escola participar. No mês passado, por exemplo, a professora de Projeto de Vida participou do grupo, com a leitura de “Eu, minha irmã e seu universo particular: uma história de amor e autismo”, da norte-americana Eileen Garvin. O livro foi escolhido para receber a nova turma do primeiro ano, que veio de outra escola a entender o comportamento autista, pois temos aqui no CETI estudantes no espectro, com Síndrome de Asperger.

As obras adquiridas recentemente retratam temas a serem abordados em sala de aula e refletidos pela comunidade escolar, como preconceito racial e bullying. Em casos como esses, alguns títulos são importantes, tais como “Eu Sou Malala”, autobiografia da ativista e vencedora do Prêmio Nobel da Paz de 2014 Malala Yousafzai, escrita em parceira com a jornalista britânica Christina Lamb, e “Extraordinário”, romance infantil escrito por Raquel Jaramillo, sob o pseudônimo R. J. Palacio. A literatura africana também está presente, como em “O Dom da Infância” de Baba Wagué Diakité, artista plástico e escritor, nascido no Mali, África Ocidental.

Pretendemos aumentar e/ou trocar os títulos. Entendo que isso requer recurso financeiro, mas é algo vital para a continuidade do projeto. Caso ocorra, teremos o mesmo envolvimento inicial de toda a comunidade escolar. Inclusive, é uma pergunta recorrente de alguns colegas que gostariam de voltar a participar do clube.

Atualmente, os livros são distribuídos nas salas com um calendário fixo para entrega e recebimento, bem como para o dia da verificação de leitura entre os alunos. Por exemplo, se na turma do 2º ano do ensino médio foram entregues “Um Sonho no Caroço do Abacate”, de Moacyr Scliar, e “Eu Sou Malala”, metade recebe “Malala” e a outra “Moacyr”. De acordo com o calendário, haverá uma data em que eles deverão trocar entre si, para que ao final do bimestre, toda a turma tenha lido dois títulos. 

Há sempre uma logística para que todos os alunos, do 6º ano do ensino fundamental ao 2º ano do ensino médio, leiam sempre oito títulos por ano. Assim, durante esse período, terão lido no mínimo 48 obras, porque existe uma aquisição do hábito de leitura que vai muito além dessa quantidade.

No decorrer dos anos tenho, juntamente com nossa equipe de linguagens liderada pela coordenadora Kuerly Vieira de Brito, mobilizado os estudantes para a conservação dos livros, bem como a reposição nos casos de extravios, quando acontece. Além disso, mantemos muito ativo o grupo de linguagem, que faz toda a logística dos títulos, organização nos novos livros adquiridos e distribuição para os professores que irão ler, etc.

Formação continuada

Hoje o projeto é uma política da escola, que não deixa de ser uma formação continuada permanente dos docentes. Estamos no ápice da colheita de bons frutos, pois temos uma comunidade estudantil que inicialmente lê bimestralmente dois livros, mas sei que isso já foi extrapolado por muitos estudantes que adquiriram literalmente o hábito da leitura. 

No quesito ensino-aprendizagem, temos a proficiência em língua portuguesa de 334, a maior do estado do Piauí segundo sua avaliação externa, o SAEPI (Sistema de Avaliação Educacional do Piauí), alcançando o nível avançado. Além disso, a escola tem uma média de 830 na redação do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) com alunos concluintes.

Achei fantástico um comentário do professor de física da escola que participava do clube de leitura, ao ser parabenizado pelos colegas quando seus alunos ganharam várias medalhas na Olimpíada Brasileira de Física das Escolas Públicas. “O resultado não é só meu, o resultado é de todos nós, pois eu só sei ensinar física, mas os alunos sabem ler e interpretar as questões porque existe um grupo que tem os mesmos objetivos no ambiente escolar.” Diante dessa fala, vejo que é importante agregar toda a comunidade em ações cujos objetivos são partilhados por todos. Essa fala do professor também é sentida pelos alunos: significa que a escola é homogênea quando o assunto é o desenvolvimento dos discentes.

O brasileiro, notadamente, não tem o hábito da leitura. Alguns fatores podem ser levados em conta, como a questão do clima, contexto histórico, rotina de trabalho, grau de escolaridade, mas o tempo não é o vilão do leitor. Levando em conta esse viés brasileiro, penso na importância da escola para criar leitores na sociedade.

Com o hábito criado, a leitura é conquistada e torna-se prazerosa; o tempo aparece. Vejo que perdemos tanto tempo com aparelhos eletrônicos, rolando linhas do tempo de perfis em redes sociais, que poderíamos aproveitar para ler um bom livro. A leitura influencia no seio familiar: o jovem leitor de hoje será o pai leitor de amanhã e, assim, teremos uma família leitora, uma sociedade leitora e, por fim, um país leitor.


Darkson Vieira Machado

Filho de um agricultor e uma professora da rede estadual de educação do Piauí, é natural de Cocal dos Alves (PI). Possui licenciatura em letras-português, licenciatura em letras-inglês, especializações em gestão da educação municipal, coordenação pedagógica, língua portuguesa. Foi visiting student na Iowa State University (EUA). Professor efetivo da rede estadual de educação do estado do Piauí, atualmente é diretor do CETI Augustinho Brandão, escola na qual trabalha desde sua fundação. É membro da Rede de Líderes da Fundação Lemann e coordenador local da Rede Conectando Saberes, rede nacional de professores que fazem educação de qualidade no Brasil. Já passou pelos mais diversos cargos dentro da educação pública municipal. Tem como missão transformar a realidade social de onde vive por meio da educação pública de qualidade.

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ensino fundamental, ensino médio

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