Respostas e desafios nas suspensões de aulas na crise climática

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Gestão escolar: respostas e desafios nas suspensões de aulas diante da crise climática

Além do que é possível ver a olho nu, a retomada da rotina escolar demanda um olhar atento à dimensão socioemocional, escuta ativa e planejamento atento da gestão

Parceria com Instituto Ame sua Mente

por Ruam Oliveira ilustração relógio 14 de agosto de 2024

(Foto: Porto Alegre, RS, Brasil 01/07/2024: Escola do Sarandi retoma atividades em espaço temporário. Crédito: Júlia Azevedo / SMED / PMPA)

Os impactos físicos de desastres naturais são sempre muito claros, seja para quem está vendo ao vivo ou para quem acompanha a cobertura jornalística. Cenários de destruição causados por enchentes, tempestades, calor ou seca extrema fazem com que o calendário escolar seja revisto e até mesmo interrompido. Além do recente caso ocorrido no Rio Grande do Sul, outros municípios no Brasil já enfrentaram a paralisação das aulas por intempéries climáticas.

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Menos perceptível, porém igualmente importante, é o impacto na saúde mental das pessoas que vivenciam essas situações. Retomar as aulas após adversidades requer acolhimento e atenção especial, seja em escolas públicas ou da rede privada.

Gustavo Estanislau, médico especialista em psiquiatria da infância e adolescência e pesquisador do Instituto Ame Sua Mente, aponta que é necessário fazer com que as pessoas afetadas se sintam parte de um sistema acolhedor, que transmita segurança. 

“O primeiro passo, do ponto de vista socioemocional, é investir no desenvolvimento de redes”, exemplifica. Estar em contato com outras pessoas, proporcionar rodas de conversa que tornem a acolhida mais efetiva também são sugestões dadas por Gustavo. 

“Os professores também precisam de espaço para expressar como estão se sentindo”, afirma. Para o psiquiatra, o apoio de uma equipe de psicologia na escola pode aprimorar ainda mais esse trabalho.

Nem sempre pegos de surpresa 

O caso de catástrofe climática que interrompeu as aulas no Rio Grande do Sul em maio deste ano é apenas uma forma de a educação ser impactada. Todavia, outros lugares do país convivem com clima seco, calor extremo e situações adversas que também resultam na suspensão das aulas.

Júlia Gabriele Lima da Rosa, mestre em Políticas Públicas e pesquisadora do NEES (Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais) da UFAL (Universidade Federal de Alagoas), alerta que o termo “retomada” pode não ser o mais adequado, pois algumas regiões enfrentam impactos climáticos de forma contínua e já incorporam essa realidade no planejamento escolar.

O termo ‘retomada’ passa a ter menos sentido quando considerada a situação corrente de mudanças na rotina escolar em função dos eventos climáticos. As interrupções deixam de ser inéditas, e, em muitos casos, a continuação das aulas em diferentes modalidades é, inclusive, prevista

Júlia Gabriele Lima da Rosa, pesquisadora do NEES (Núcleo de excelência em tecnologias sociais) da Universidade Federal de Alagoas.

Ela sugere que boas práticas e estratégias sejam integradas ao planejamento do calendário escolar, ajustado às condições climáticas, com ações de adaptação da infraestrutura para reduzir riscos ambientais e promover a resiliência, priorizando o bem-estar e a saúde mental dos estudantes e da comunidade.

O Japão, por exemplo, pelo histórico de casos envolvendo desastres naturais, possui um monitoramento contínuo de riscos, e os estudantes são preparados para interpretá-los e se protegerem. 

A pesquisadora apresentou o conceito de escolas resilientes como elemento chave para lidar com o retorno ou reestruturação das aulas diante de tragédias climáticas. Escolas resilientes são aquelas que, mesmo diante de condições extremas, conseguem manter o bem-estar da comunidade escolar, assegurando a segurança e a continuidade da aprendizagem.

“Precisamos ter em mente que a escola é uma instituição que representa mais do que ensino-aprendizagem. Ela é um símbolo de acesso a direitos sociais, pertencimento à comunidade, alimentação, acompanhamento da saúde, atenção psicossocial e atendimento às necessidades educativas especiais. Em síntese, pode-se dizer que a escola é também cuidado”, argumenta. Gustavo também aponta que as lideranças escolares precisam estar atentas a essas questões não diretamente relacionadas ao currículo. “Não adianta falar sobre estratégias de saúde mental se a criança não está se alimentando ou não tem onde dormir”, diz.

Desenvolvimento de novas estratégias

Elio Molisani, professor na UFAM (Universidade Federal do Amazonas), vê na aprendizagem baseada em problemas e projetos uma oportunidade interessante de reconexão para os estudantes. Ele acredita que, em momentos como esse, o desenvolvimento de uma escuta ativa é fundamental.

“Cada família sofre de uma maneira diferente. É importante elencar e ouvir quais foram os problemas. A estratégia é trabalhar com os alunos em grupo para levantar os problemas de cada um deles. A ideia da aprendizagem baseada em problemas e projetos é encontrar soluções para essas questões”, afirma.

Além do trabalho entre os alunos, Elio sugere que os professores atuem de forma colaborativa, expandindo o tempo de aula para refletir e pensar em soluções conjuntas.

“Oferecer a oportunidade de trabalho em grupo para os estudantes ajuda a empoderá-los. É importante que não fiquemos parados no levantamento de problemas, mas que eles (estudantes) participem do desenvolvimento soluções”, destaca o educador. 

Ou seja, ele acredita que além da escuta ativa e do acolhimento sobre o que os estudantes estão sentindo, é o momento de possibilitar o protagonismo dos estudantes, pensando juntamente com eles, mas deixando-os refletir e projetar novos caminhos. 

“Essas estratégias que colocam o aluno como verdadeiro protagonista favorecem bastante a retomada e a aprendizagem. Quando todos estão fragilizados, muitas vezes a última coisa que se deseja é estudar ou pensar no futuro porque o presente está muito conturbado. Mas, ao oferecer soluções, voltamos a pensar no futuro”, afirma Elio.

O que a gestão escolar precisa fazer

Gustavo Estanislau considera que, além de organizar diretrizes para a comunidade escolar, a gestão precisa ter uma comunicação clara nesses momentos. “Quanto mais informação desencontrada, a tendência é as pessoas que estão à volta ficarem cada vez mais inseguras e angustiadas”, diz. 

Em outras palavras, diante das imprevisibilidades climáticas, é essencial que as pessoas estejam bem informadas sobre o que é possível prever. Além de um canal aberto de comunicação da gestão com o restante da comunidade escolar, Gustavo sugere que as lideranças estejam abertas a ouvir. 

Preparação e políticas públicas 

Para a pesquisadora do NEES, o Brasil não está inteiramente preparado para esse tipo de retomada. “Embora seja natural que as estratégias sejam baseadas naquilo que sabemos fazer, as evidências demonstram que essas situações serão mais recorrentes e intermitentes. É necessário lidar com as evidências empíricas que a diversidade territorial do nosso país revela e impõe.”, sugere. 

Ao mesmo tempo, Júlia também acredita que o país possui capacidade técnica para absorver essas evidências e construir políticas públicas em prol do desenvolvimento de comunidades escolares resilientes. “O principal caminho para isso são as políticas públicas de fortalecimento da relação escola-comunidade; melhorar o conhecimento, comunicação e monitoramento dos riscos, além de ampliar a capacidade de reagir a eles.”

“Precisamos desenhar políticas transversais e intersetoriais que combinem instrumentos de adaptação e de resiliência. Ou seja, políticas que prezam pela adaptação da infraestrutura das escolas e do acesso a elas, ajuste dos calendários escolares, das modalidades de aula, revisando metodologias e considerando a educação híbrida como uma potencialidade”, conclui a pesquisadora.

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TAGS

educação climática, educação socioemocional, gestão escolar

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