Irmãs pesquisadoras levam ciência ao ensino básico
Projeto “Ciência, Arte e Magia" estimula crianças e jovens a pesquisarem, produzirem e divulgarem estudos
por Fernanda Nogueira 12 de janeiro de 2016
Cerca de 800 estudantes de 9 a 18 anos e 40 professores já participaram do projeto “Ciência, Arte e Magia” desde 2004, quando foi criado por três irmãs pesquisadoras da Bahia, a bióloga Rejane Lira, a química Rosely Lira e a pedagoga Rosimere Lira na Universidade Federal da Bahia (UFBA). O projeto estimula crianças e jovens a desenvolverem pesquisas em todas as áreas da ciência, tendo a criatividade como elemento principal dos estudos. Os professores atuam como orientadores, mediadores e estimuladores do potencial dos alunos.
A ideia surgiu em 2003, quando o Brasil ficou em penúltimo lugar na avaliação do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) em ciências, à frente apenas da Tunísia entre 40 países. No ano seguinte, o projeto das irmãs Lira foi selecionado pela chamada pública “Ciência de Todos” da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do governo federal. “Sempre fomos interessadas pelo tema educação científica e pela importância do estímulo à vocação e à divulgação científica de crianças e jovens para a compreensão do mundo”, diz Rejane.
Os estudos ocorrem em Centros Avançados de Ciências, localizados em três escolas públicas de Salvador e uma do município de Cachoeira, para onde os alunos vão no turno oposto ao das aulas regulares, duas vezes por semana. Os estudantes trabalham com o tripé: pesquisar, produzir e divulgar, segundo Rejane. Eles desenvolvem um plano de pesquisa a partir de um referencial teórico. Têm acesso a artigos, livros, experimentos, jogos e vídeos. Depois, partem para a produção de seus trabalhos no laboratório da escola, com instrumentos como lupa, microscópio, TV, data show, entre outros.
Para divulgarem suas conclusões, participam de eventos de divulgação científica, como o SBPC Jovem, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o Ciência Jovem, realizado pelo Espaço Ciência de Pernambuco, a Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), realizada todo ano na Universidade de São Paulo (USP), e o Encontro de Jovens Cientistas da UFBA, que, junto com a Revista Jovens Cientistas, é resultado direto do projeto “Ciência, Arte e Magia”. “Esta é a vivência do trabalho acadêmico, pois o que não se divulga e não se publica, ninguém conhece. Tem sido um grande desafio, principalmente a publicação, mas estamos conseguindo”, diz Rejane.
As escolas parceiras do projeto são a Escola Municipal Irmã Elisa Maria, onde o projeto é liderado pela professora Rosimere Lira, o Colégio Estadual Alfredo Magalhães, sob coordenação da professora Bárbara Araújo, o Colégio Estadual Ana Cristina Prazeres Matta Pires, sob orientação da professora Rosemeire Machado, todos em Salvador, e a Escola Municipal de Primeiro Grau de São Francisco do Paraguaçu, sob coordenação da professora Edilma Costa, no município de Cachoeira.
Apesar de enfrentar dificuldades como muitos projetos voltados para a área científica no Brasil, como falta de recursos financeiros, falta de apoio das escolas e das famílias, o trabalho já mostrou resultados. Várias pesquisas dos alunos já foram premiadas, inclusive na Febrace, de acordo com a professora. Outro resultado foi a criação de um componente curricular chamado “Programa Social de Educação, Vocação e Divulgação Científica”, que recebe estudantes de vários cursos superiores para trabalhos com a comunidade escolar das escolas parceiras e na comunidade de São Francisco do Paraguaçu, em Cachoeira.
Alguns dos trabalhos de destaque dos alunos foram os jogos de tabuleiro criados na Escola Municipal Irmã Elisa Maria em uma oficina chamada “A Terra revela sua história”, ministrada pela professora Rafaela Chaves em 2014. Dos três jogos apresentados no 6o Encontro de Jovens Cientistas de 2015, dois foram premiados. O jogo que ganhou em primeiro lugar na categoria Ciência Lúdica foi o “Descobrindo Fósseis”, das estudantes Júlia Bianca de Oliveira e Ana Victória Silva Bastos de Oliveira, que fala sobre a importância dos fósseis para revelar a história da Terra, traz réplicas e informações sobre animais da megafauna de mamíferos do Brasil, como preguiças gigantes, tatus gigantes e mastodontes. O público-alvo são alunos do ensino fundamental 2, que não têm acesso ao estudo de paleontologia no currículo escolar regular.
Já o jogo “Planeta Terra”, de João Vitor Silva Bezerra e Mariene dos Santos Marques, ficou com a terceira colocação na categoria Ciência Lúdica do 6o Encontro de Jovens Cientistas. O jogo mostra como era o planeta no passado, focando em animais e em ambientes antigos, e explica que a Terra está em constante evolução. O terceiro jogo criado na oficina e apresentado no evento foi o “Éons”, de Ednei William Morais Melo dos Santos e Leandro Silva Bezerra. O jogo mostra quais foram e como ocorreram as transformações biológicas e geológicas da Terra ao longo do tempo. Caracteriza ainda os éons que subdividem a história do planeta.
Segundo Rejane, pesquisas mostram que, mesmo gostando de aprender a ciências, os jovens brasileiros vão mal na disciplina. “Parece um contrassenso, mas isto é resultado de um ensino de ciências ruim, livresco, decoreba e sem contextualização com o mundo real”. Para ela, há ainda uma deficiência na formação dos professores de todas as áreas, já que a maioria deles se forma sem ter tido experiência em iniciação científica. Por isso, o projeto também trabalha com os professores, estimulando-os a gostar de ensinar ciências de forma criativa e inovadora. “Ele aprende com o estudante e estabelece uma relação de orientador-orientando, que é de crescimento mútuo e parceria”.