Jogos e cursos gratuitos para atrair e inspirar meninas nas ciências - PORVIR
Crédito: Tomaz Silva/Agência Brasil

Inovações em Educação

Jogos e cursos gratuitos para atrair e inspirar meninas nas ciências

Iniciativa da Unesco, #EDUCASTEM2030 reúne produtos pedagógicos para incentivar o ensino da abordagem STEM e formar jovens cientistas

por Ana Luísa D'Maschio ilustração relógio 8 de março de 2024

“Como você imagina uma pessoa que faz ciência?” A pergunta disparadora das oficinas da professora Luísa Maria Diele-Viegas com estudantes de diferentes regiões brasileiras costuma sempre receber a mesma resposta: um homem branco, de meia idade, com os cabelos grisalhos, personalizados na clássica imagem do físico alemão Albert Einstein. A fim de romper o imaginário sobre esse estereótipo, Luísa convida os alunos para um jogo da memória. As fichas trazem apenas figuras femininas – de nomes históricos, como o da matemática Ada Lovelace e da química Marie Curie, às biografias de quem está escrevendo a história nas diferentes áreas científicas. 

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Entre as cartas, está a de Erilsa Pataxó. Vice-cacique da Aldeia Mãe Barra Velha, do povo Pataxó, na Bahia, é formada em licenciatura intercultural e leciona ciência e matemática na educação básica indígena. Luísa levou a dinâmica ao Colégio Estadual Indígena Kijētxauê Zabelê, no município de Prado, extremo sul baiano, comunidade indígena composta por 57 famílias, em torno de 190 pessoas. 

Ao ver a história de Erilsa, uma das alunas chorou. “Ela me disse que sempre gostou muito de matemática e não imaginava que uma menina poderia seguir nessa área, ainda mais indígena. Mas ela conseguiu se reconhecer ali.”

O Jogo da Memória, que acaba de ganhar uma versão online, é um dos produtos do projeto #EDUCASTEM2030, iniciativa da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) de mobilização pela educação de meninas e mulheres nas áreas STEM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática) no Brasil. Entre as homenageadas, estão Enedina Alves Marques, primeira mulher negra a se formar em engenharia no Brasil, e Jaqueline Góes de Jesus, que integrou a equipe que realizou o sequenciamento genético do novo coronavírus nos primeiros casos de COVID-19 na América Latina.

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“No jogo, listamos mulheres negras, indígenas, com deficiência, sempre tentando abraçar a maior diversidade possível”, conta Luísa, uma das autoras, pela Rede Kunhã Asé de Mulheres na Ciência, da qual é fundadora. “Nosso objetivo é promover a entrada e a permanência de mulheres e grupos sub representados no ambiente acadêmico”, diz Luísa, que também é doutora em ecologia e evolução e integrante da OWSD (Organização para Mulheres na Ciência para o Mundo em Desenvolvimento, da qual fazem parte 178 brasileiras.

George Berkeley Patiño Estudantes com a versão impressa do Jogo da Memória #EDUCASTEM2030

Por mais meninas nas ciências

Em andamento no Brasil desde 2022, o #EDUCASTEM2030 – “Movimento Global de Meninas e Mulheres na Educação e Carreira STEM para Sociedades Inclusivas e Sustentáveis” quer aproximar a abordagem STEM da escola e quebrar os estereótipos de que as ciências são apenas para meninos. 

O documento base do projeto aponta que as diferenças de gênero em detrimento das meninas na participação na educação em STEM ainda são visíveis na educação infantil, e se tornam ainda mais explícitos nos níveis de ensino seguintes. No ensino superior, as mulheres representam apenas 35% das matrículas em STEM, percentual ainda menor nas engenharias (de produção, civil e industrial) e na área de tecnologia, não chegando a 28% do total.

Uma recente pesquisa da iniciativa Força Meninas, intitulada “Meninas curiosas, mulheres de futuro”, mostra ainda que 62% das alunas brasileiras não conhecem nenhuma mulher que trabalhe na área. 

Prioridade global da Unesco, a igualdade de gênero está ligada aos direitos à educação. Por isso, o #EDUCASTEM2030, ligado aos pilares da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, quer contribuir para a sensibilização e a transformação, por meio de uma abordagem pedagógica da escola, a partir do estímulo aos projetos de vida de meninas e meninos. 

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Produtos pedagógicos

Além do jogo da memória, a página do #EDUCASTEM2030 oferece outros conteúdos, como um livro de colorir com mulheres inspiradoras e, em breve, um aplicativo para celular inspirado no Jogo da Vida. “Essa é uma estratégia muito importante do projeto: fazer com que as meninas reconheçam que temos mulheres de múltiplas diversidades de múltiplas interseccionalidades que se assemelham a cada uma delas, que seguiram carreiras científicas”, explica Mariana Braga, oficial de programa do setor de educação da Unesco.

“O material não é restrito aos territórios nos quais formalizamos parcerias. É uma possibilidade de outras redes de ensino trabalharem na perspectiva de quebrar estigmas, preconceitos e fazer com que elas percebam que podem, sim, seguir no caminho da abordagem STEM”, afirma. 

Para marcar o Dia Internacional da Mulher em 2024, acaba de ser lançado o documentário “Her education, our future” (“A educação delas, nosso futuro”, em tradução livre), que acompanha a trajetória nas ciências de quatro jovens de três continentes: Anee do Paquistão, Mkasi da Tanzânia, e Fabiana e Tânia, do Brasil. Elas participaram da primeira turma do curso curso Jovem Líder (Young Leader) #EDUCASTEM2030.

Baianas das cidades de Catu e Ilhéus, respectivamente, Fabiana Machado de Souza é estudante do ensino médio, e Tainá Caldas cursa engenharia de produção. Ambas têm 19 anos e creditam ao curso o aprendizado sobre mulheres inspiradoras nas ciências e as possibilidades da abordagem STEM. 

“O curso do #EDUCASTEM2030 me inspirou a fazer seguir na área científica. Estudar produção tem sido uma das minhas melhores experiências e decisões”, diz Tainá. “O espaço para interação via internet foi encorajador, pois podíamos conversar enquanto aprendíamos, tornando-o acessível devido à dificuldade de locomoção. Refleti sobre a importância das meninas na ciência e como o tema é relevante para o contexto em que vivo, descobrindo uma nova perspectiva e me posicionando diante das situações”, comenta Fabiana, que atualmente é líder estudantil. 

Uma nova edição do curso para jovens líderes está prevista para este ano, em parceria com as secretarias estaduais de educação de São Paulo, Paraná, Alagoas, Amazonas e Distrito Federal, informa. Já o curso online Formação Docente STEM, aberto e gratuito, recebe inscrições contínuas, em qualquer período do ano. Autoinstrucional e com 20 horas de duração, a proposta está no enfoque em equidade de gênero e práticas transdisciplinares. Mais de 15 mil pessoas, de comunidades indígenas e em situação de vulnerabilidade e baixa renda, já passaram pela formação.

“Ao final de cada curso, professores e alunos devem implementar um projeto dentro da escola. Com isso alcançamos cerca de 3 mil estudantes. Muitas escolas seguem com as ações que quebram estigmas, preconceitos, papéis sociais de gênero e mostram para as meninas que elas podem seguir também as carreiras científicas”, comenta Mariana. 

Recomendações para professores

Luísa Maria Diele-Viegas listou três sugestões para trabalhar as trajetórias das cientistas em sala de aula:

  • Busque exemplos de cientistas para além do clássico, que não garantem a representatividade. 
  • Atualize-se sobre quem tem feito ciência no Brasil e traga materiais relacionados para a sala de aula. 
  • Utilize recursos educacionais abertos, como os oferecidos pela Unesco (jogos, livros de pintura e aplicativo), para trabalhar com a diversidade. Esses materiais não só tornam o aprendizado mais interativo e divertido, como também apresentam as ciências através de uma lente inclusiva com múltiplas perspectivas, permitindo que cada aluno veja um reflexo de si mesmo no mundo científico.

TAGS

ciências, educação mão na massa, ensino médio, tecnologia

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