Caminho para mais meninas em áreas STEAM é feito de representatividade, aulas práticas e motivação  - PORVIR

Inovações em Educação

Caminho para mais meninas em áreas STEAM é feito de representatividade, aulas práticas e motivação 

O que atentar na hora de planejar atividades e como estimular a participação de meninas em projetos relacionados a ciências, matemática e tecnologia

Parceria com Fundação ArcelorMittal

por Ana Luísa D'Maschio / Vinícius de Oliveira ilustração relógio 26 de setembro de 2023

STEAM. A sigla em inglês para ciências, tecnologia, engenharia, arte (ligadas às ciências e à tecnologia) e matemática ainda é distante do universo das meninas. Sessenta e dois por cento das estudantes brasileiras não conhecem nenhuma mulher que trabalhe na área. E o mercado comprova o distanciamento de gênero: no Brasil, apenas 13% das cadeiras de tecnologia e educação são ocupadas por mulheres; 21,6% delas estão em cargos de engenharia e produção industrial. 

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Se até 2025 serão criados 797 mil empregos em TI (Tecnologia da Informação) no país, como formar e apoiar o avanço das mulheres para que ocupem esses cargos? Quais os maiores obstáculos à participação de meninas em profissões ligadas às ciências e à tecnologia e como ajudá-las a atingir seu potencial nesses campos?

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Buscar respostas para tais perguntas é o foco da pesquisa “Meninas curiosas, mulheres de futuro”, da Força Meninas, plataforma educativa fundada pela pesquisadora Déborah De Mari que capacita estudantes, de 6 a 18 anos, a se tornarem protagonistas nas diversas ciências por meio de habilidades do século 21. O levantamento ouviu 230 meninas entre 10 e 18 anos de 17 escolas (sendo 10 públicas e 7 particulares) em todas as regiões do Brasil durante os meses de maio e agosto de 2022

Por mais que comecem a trajetória escolar com níveis de aprendizagem semelhantes em matemática, por exemplo, pouco a pouca a distância se amplia, até que se naturaliza entre educadores e estudantes o discurso de que as carreiras em áreas STEAM não combinam ou não podem ser exercidas por mulheres. “Isso ocorre devido a influências culturais, sociais, educacionais e pessoais, e não se manifesta apenas na fase de escolha de carreira no ensino médio”, afirma Déborah.

Eles e elas não sabem quais profissões existem e não conhecem pessoas que trabalham nas áreas de ciências

Ao longo da pesquisa, a empreendedora conta que antes das oficinas para debater como o tema era tratado na sociedade em geral, nem meninos e nem as próprias meninas consideravam que tais posições poderiam ser ocupadas por mulheres. “Eles e elas não sabem quais profissões existem e não conhecem pessoas que trabalham nas áreas de ciências.”. 

Segundo Déborah, esse cenário de desconhecimento do que significam áreas STEAM se repetiu na maior parte das escolas públicas ou privadas, em diferentes contextos sociais. E esse cenário é ainda mais prejudicado pela violência verbal relacionada ao gênero, que insistentemente se manifesta em mensagens de desencorajamento, de falta de reconhecimento pelos professores, de não haver momentos de escuta e de incentivo.

“Quase nenhuma menina mencionou interesse em trabalhar nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Isso só foi mencionado em ambientes nos quais existe um estímulo muito grande. A última pesquisa do Pisa (estudo comparativo internacional realizado a cada três anos pela OCDE, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que oferece informações sobre o desempenho dos estudantes na faixa etária dos 15 anos), já menciona que só uma em cada 20 meninas brasileiras demonstrava interesse nessas áreas,” comenta Déborah.

Mudar esse quadro, segundo a fundadora do Força Meninas, também passa pela busca de alternativas aos métodos tradicionais de ensino, com educadores abrindo espaço ao aprendizado baseado em projetos, que conecta diferentes áreas do conhecimento para ajudar os estudantes a compreender e resolver problemas do mundo de maneira mais ampla. 

“Hoje, os alunos têm acesso rápido à informação pela internet, mas o ensino tradicional ainda é muito estático. Estudantes ficam horas sentados… A nova geração quer experimentar, construir e desconstruir coisas.”

STEM ou STEAM?
Enquanto o STEM se concentra nas disciplinas científicas e técnicas, o STEAM integra as Artes, destacando a importância da criatividade e da expressão artística como elementos complementares no avanço da ciência e tecnologia.

Questão de gênero

A professora Daiane Carvalho da Silva, que leciona na educação infantil e no ensino fundamental 1 em São Paulo, lembra-se bem do quanto as ciências pareciam estar distantes do universo das meninas em seu tempo de estudante – e isso nem faz tanto tempo, pois ela concluiu o ensino médio em 2002. “Tínhamos fila dos meninos e fila das meninas. Eles jogavam futebol, elas faziam ginástica. As profissões STEAM eram muito distantes da minha realidade de menina da periferia, eu não tinha referências familiares. Nas disciplinas de matemática, física e química, tive aula com professores homens, como se a questão de gênero estivesse alheia à escola”, conta.

Pedagoga e ex-coordenadora pedagógica em Duque de Caxias (RJ), a professora Luzia Esteves também veio de escola pública e, durante a trajetória escolar, enfrentou a falta de professores no dia a dia, principalmente na área de exatas. Recentemente, ao montar seu espaço de reforço escolar e apoio pedagógico para crianças do 3º ao 8º ano, notou que as áreas de ciências e de exatas ainda são as de maior dificuldade dos alunos, o que a fez ir atrás de cursos e formações. “Precisei me capacitar para ensinar as crianças de um jeito diferente, que as fizesse se interessar pelas áreas”, conta.

Daiane e Luzia se conheceram no projeto Menina Ciência, Ciência Menina, criado na UFABC (Universidade Federal do ABC) com o objetivo de destacar o papel de mulheres cientistas em diversas áreas para estudantes do ensino fundamental, especificamente para as meninas do fundamental 2. Atualmente, ainiciativa também oferece formação para professores. Coordenadora do projeto, Maria Inês Ribas Rodrigues explica que uma das metas do curso é desafiar a representação estereotipada da figura do cientista, que frequentemente é retratada como um homem nos meios de comunicação, como o cinema, histórias em quadrinhos, propaganda e noticiário.

Para Maria Inês, também professora do Centro de Ciências Naturais e Humanas da UFABC, o foco em atender meninas não deve se limitar apenas ao acesso, mas também incluir estratégias para apoiá-las após ingressarem em ambientes acadêmicos ou no setor privado. Ela enfatiza que, uma vez que esses espaços são acessados, torna-se evidente que eles continuam sendo muito hostis. Como exemplo, Maria Inês relembra, entre outros relatos, o caso de uma estudante que solicitou a transferência da química para a área de humanas por não se sentir integrada ao curso, devido ao comportamento dos professores e dos colegas.

“Essa situação também ocorre na universidade, embora não com tanta frequência, porque atualmente os professores podem ser processados por esse tipo de comportamento. Existe uma proteção legal, embora às vezes ainda ocorra algum silenciamento”, afirma.

Tais condições ajudam a explicar por que um recente relatório do Fórum Econômico Mundial estima que as mulheres não alcançarão a igualdade até pelo menos o ano de 2154. Para combater esse problema, segundo Maria Inês, são necessárias intervenções nos cursos de formação inicial, juntamente com uma contínua reflexão sobre as práticas. No programa Menina Ciência, os educadores têm a oportunidade de interagir com 30 palestrantes de diversas áreas, como física, química, biologia e matemática, e participar de cursos com abordagem interdisciplinar.

“Por exemplo, pesquisas de espeleologia em cavernas têm relações com a química, e contamos com uma série de palestrantes envolvidos nesse campo. Quando se trata das áreas de geofísica, arqueologia, paleontologia e biologia, também encontramos palestrantes que trabalham de forma interdisciplinar”, acrescenta.

Referências para inspirar meninas nas ciências

A conversa das cientistas com as estudantes no Menina Ciência apoia as professoras nas práticas que valorizam a participação e o protagonismo das estudantes. “Passei a refletir com elas os porquês, a representatividade feminina em relação às novas tecnologias e as ciências, o que sabiam… Também falamos sobre sonhos e aspirações”, conta Daiane, que atualmente é monitora para a formação de professores justamente nas áreas STEAM. 

Atualmente mestranda do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a pesquisa de Daiane é voltada para o ensino de ciências nos anos iniciais, com foco na astronomia. Entre suas inspirações, estão a bióloga Bertha Lutz (1894-1976) e a astrônoma Duília de Mello, referência na Nasa, conhecida como “Mulher das Estrelas” pelas imagens tiradas com o telescópio espacial Hubble.

▶️ Precisamos formar cidadãos que entendem e apreciem a ciência

“Todos os dias sou inspirada por muitas mulheres, pelas professoras pesquisadoras que tive e tenho a oportunidade de conhecer nos encontros do Menina Ciência. Tenho a chance de continuar aprendendo, construindo pontes e levar tudo isso para educação, para o ensino de ciências desde o ensino básico”, diz.

Nunca é tarde para estudar ciências e transmitir essa paixão

O curso Menina Ciência também ajudou a professora Luzia a ensinar de uma maneira diferente. “As mães passaram a me procurar porque as crianças acabavam aprendendo mais comigo, nas minhas aulas de reforço, do que na escola”, comenta. “Muitas meninas passaram a gostar de matemática pelo incentivo que passei a oferecer, desmistificando que não se trata de algo só para meninos ou que as meninas não aprendem. Elas ficavam surpresas quando eu contava que aprendi matemática depois de formada. Notei que nunca é tarde para estudar ciências e transmitir essa paixão”, diz Luzia. 

Pelo fim dos estereótipos sobre a educação de meninas

Para Daiane, os estereótipos são nocivos. “Eles influenciam nossas escolhas por uma questão estrutural, ao qual fomos condicionadas a separar o conhecimento por gênero”, pontua. Luzia também comenta que seus estudantes ainda acreditam em profissões de meninas e meninos. “Tenho aqui a mãe de um aluno que é motorista de ônibus e isso causa muita estranheza. Imagine uma cientista… Infelizmente, as profissões tradicionais trazem essa separação de gênero. Uma outra estudante gosta muito de artes, mas sua mãe disse que é algo que ‘não dá dinheiro’. Moro num bairro carente e é um trabalho de formiguinha desmistificar e construir outro pensamento com eles”, lamenta. 

Apresentar a ciência às crianças, desde a mais tenra idade, é fundamental, concordam as educadoras. “Quando não temos acesso às ciências, não temos acesso à medicina e ao conhecimento; as crendices populares acabam tomando o lugar”, exemplifica Luzia, relembrando como uma de suas aulas sobre vacina influenciou uma de suas alunas e seus pais para que pudessem ir ao posto de saúde e tomar as doses contra a Covid-19. 

Daiane reforça a urgência de ouvir os sonhos e aspirações das estudantes. “Essas relações e referências devem ser construídas desde o começo da vida escolar. Procuro envolvê-las em atividades investigativas, levar referências e estimular que pesquisem também”, sugere. Sua turma já participou na construção de foguetes na Olimpíada de Astronomia, além de colocar outras experiências de mão na massa em sala de aula. “Já ouvi das crianças: ‘professora quando crescer quero ser astrônoma’, ‘quero construir foguetes’, ‘puxa professora! matemática é legal, está em tudo’, ‘quero fazer vacinas’. Além de consumir, é importante mostrar a elas que podemos ser criadores.” 

Colocar as meninas em contato com o ambiente de olimpíadas é algo que Déborah De Mari também recomenda, pelo fato de proporcionar experiências que vão além do aprendizado acadêmico e geram uma rede de proteção mutualística. “As meninas aprendem a desenvolver o interesse por outros temas, a pensar mais nessas matérias (de STEAM), a questionar mais. Há, ainda, toda uma questão de senso de pertencimento, de estar em uma comunidade”, pontua.

Em comum, as meninas que conseguem furar a bolha e seguir uma carreira em STEAM costumam valorizar o papel que educadores tiveram ao longo dessa trajetória. Muitas nem tinham clareza a respeito de comportamentos que sempre foram reproduzidos e que acabavam por afastar as estudantes do contato com cientistas. Até o final deste segundo semestre, uma nova etapa do projeto Força Menina deve publicar o resultado de uma pesquisa com professoras e professores de diferentes redes de ensino que mostra justamente esse aspecto da valorização docente nas ciências e na tecnologia. 

Dicas das entrevistadas para levar temas STEAM para meninas (e meninos):

  • Apresentar referências das muitas mulheres que fazem ciência atualmente e as que foram ocultadas da história;
  • Conversar sobre as questões de desigualdade e sobre a forma sutil com que fomos acostumados a internalizar as relações de gênero nas mídias, nos livros, nos brinquedos, na história…
  • Debater o que impede a participação efetiva das mulheres nas áreas STEAM e o que é preciso fazer para mudar esse cenário;
  • Promover a abordagem STEAM em sala de aula, com atividades práticas que mostrem que é possível conhecer conceitos científicos além das fórmulas;
  • Ficar atento ao material oferecido em sala de aula, para não contribuir com a repetição de estereótipos;
  • Estimular a participação de meninas em olimpíadas científicas para que compartilhem experiências com participantes de outras escolas.

Saiba mais sobre o programa Liga STEAM para educadores
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Fundação ArcelorMittal

TAGS

aprendizagem baseada em projetos, ensino fundamental, ensino médio, ensino superior, equidade, gênero, socioemocionais, steam, tecnologia

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