‘Maior desafio é tornar a profissão de professor intelectualmente atrativa’
Além de reconhecer a importância do salário, diretor da OCDE Andreas Schleicher defende maior autonomia e colaboração entre docentes
por Vinícius de Oliveira 6 de março de 2018
A chegada da Base Nacional Comum Curricular oferece uma grande oportunidade para o Brasil repensar seu modelo de educação, segundo Andreas Schleicher, diretor de educação e de competências da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Para ser bem-sucedido nessa tarefa, no entanto, o país precisa investir recursos financeiros com mais critério, olhar para a formação de professores como um todo (não só para a inicial) e garantir colaboração e a autonomia docente.
Em visita ao Brasil para o Encontro Regional de Ministros de Países Ibero-americanos, no final de fevereiro, o representante da OCDE conversou com jornalistas e insistiu que é necessário tornar a carreira intelectualmente mais atrativa. “A pior coisa que pode acontecer é estabelecer planos de aula fixos a partir da Base, para dizer o que ensinar e como ensinar. Isso é desprofissionalizar a carreira. A melhor resposta é investir na formação do professor para que se descubra a intenção do currículo, o que está por trás dele, ou como é pensar como um matemático.”
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Schleicher também reconhece que sim, salários melhores são importantes. No entanto, ele defende seu ponto de vista em favor de uma mudança de abordagem ao afirmar que “se o trabalho do professor for apenas ler um texto, o país não terá à disposição as melhores pessoas, mesmo que pague mais a elas”. Para o representante da OCDE, o processo de valorização da profissão passa também pelo processo de seleção dos professores. E esse é o único ponto em que ele cita a Finlândia na conversa. “A Finlândia não paga relativamente mais aos seus docentes que o Brasil, mas tem nove candidatos por vaga, o que torna a carreira de professor a segunda mais atrativa. Todo mundo quer ser professor e não por causa do dinheiro, mas porque é uma profissão incrível, que envolve como organizar escolas, desenvolver lideranças e organizar carreiras.”
Para citar um exemplo de um país que investe menos que o Brasil e teve melhor desempenho no Pisa (prova internacional para alunos de 15 anos), Schleicher lembra do Vietnam, que conseguiu alocar melhores professores nas escolas em territórios vulneráveis. “No Brasil é o oposto. Quanto melhor professor você é, maiores são as chances de dar aula em uma escola rica. Estudantes ricos possuem familiares que os apoiam, enquanto os mais pobres não têm esse “tecido social” em casa, e a escola tem um papel muito mais importante em suas vidas.”
Novo modelo para formação
Segundo o representante da OCDE, para melhorar a formação de seus professores, os melhores sistemas educacionais têm mudado o foco do indivíduo para o ambiente de trabalho, o que implica olhar para a maneira com que colaboram e trocam experiências. É isso, de acordo com ele, que distingue uma organização profissional de uma industrial. “Em uma organização industrial, o chefe sabe tudo e o chão de fábrica só executa. Quando ela é baseada no conhecimento, o saber é criado por todas as pessoas que entram pela porta. É aqui que entra a colaboração”, diz.
Um outro ponto importante para a inovação neste segmento é a autonomia profissional. Para Schleicher, isso não pode ser entendido como fazer somente aquilo que se quer, mas o que se tem conhecimento que funciona. “É dizer não quero fazer aulas expositivas e padronizadas porque tenho experiência profissional e conhecimento para fazer o que é certo.”
Aqui ele faz um contraponto com a medicina. “A primeira coisa que um médico faz é medir a temperatura, traçar um diagnóstico e pensar qual tratamento vai ter um efeito melhor sobre o paciente. Em seguida, faz um acompanhamento do diagnóstico.” Na educação, segundo ele, o diagnóstico vem antes. “Começamos dando o mesmo tratamento aos alunos com a esperança que o resultado final seja o correto. E isso não é certo. Acho que precisamos dar mais autonomia aos professores dentro de uma cultura colaborativa para transformar o ambiente escolar de uma maneira que realmente ajude os estudantes a se desenvolver”, afirma.
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Olhar para o todo
Segundo Schleicher, para mudar a cultura escolar é preciso olhar além do que acontece na formação inicial, porque a proporção de novos profissionais que chegam anualmente às escolas é pequena, menos de 5% do corpo docente. “Se esses entram de forma lenta no sistema, os professores com mais tempo de carreira sempre vão dominar e os novos professores logo começam a atender o que os outros querem.” Para ele, o melhor caminho seria investir na criação de perspectivas de carreira e no desenvolvimento de comunidades de aprendizagem.
“Instituições de formação e universidades muitas vezes são parte do problema, e não da solução. São muito antiquadas e tradicionais, enquanto o trabalho do professor se tornou cem vezes mais difícil nos últimos dez ou 15 anos. Pense em tecnologia, diversidade, novos currículos”, sugere.
“Ensinar fórmulas e equações é muito mais fácil do que ensinar o pensamento matemático. Pense nas demandas sociais colocadas sobre o professor. Não é apenas sobre como ensina, mas sobre quem ele é, como se relaciona com os estudantes e atende às necessidades de cada um. É como se ele tivesse que se tornar um assistente social ou um psicólogo. São grandes demandas colocadas sobre os ombros dos professores e universidades não fazem ideia da realidade dos estudantes. E isso é um fenômeno mundial”, diz o representante da OCDE, que defende o maior convívio com a realidade em sala de aula. “A melhor pessoa para formar um professor é um bom professor”.