Maioria dos estudantes de ensino médio busca formação para o mundo do trabalho
Pesquisa Datafolha encomendada pela ONG Todos Pela Educação ouviu 7 mil estudantes da rede pública. Eles ainda demonstram ter muitas dúvidas sobre o Novo Ensino Médio
por Ruam Oliveira 12 de agosto de 2022
Independência financeira e busca por outras formas de ajudar em casa são destaques encontrados em levantamento feito pela ONG Todos pela Educação com jovens do ensino médio de escolas públicas. A pesquisa, divulgada na quinta-feira (11), trouxe recortes sobre a percepção deles a respeito da nova estrutura dessa etapa de ensino e sobre como a mudança impacta diretamente suas vidas.
Mais de 7 mil estudantes, com média de idade de 16,3 anos, foram ouvidos no levantamento encomendado ao Datafolha e que contou com a parceria de Fundação Telefônica Vivo, Instituto Natura e Instituto Sonho Grande. Os resultados mostram que a relação entre trabalho e ensino está intrincada a outras questões, como evasão, abandono e planos para o futuro.
Entre os principais destaques do relatório está o fato de que 98% dos estudantes concordam (totalmente ou em parte) que deveria haver opções de formações voltadas para o mercado de trabalho. Já 92% concordam (totalmente ou em parte) que deveriam poder escolher áreas para aprofundar seus estudos. Apenas 1% declarou que não teria condição de escolher uma área de aprofundamento no ensino médio.
O relatório também identificou que 31% dos estudantes trabalham fora de casa e, destes, 71% reforçaram que o fazem para alcançar independência financeira. Entre os que não trabalham, há também uma preocupação em como cumprir esse objetivo. 70% dos estudantes afirmaram que trabalhariam com esse objetivo. 19% responderam que o fariam para ajudar em casa.
“O trabalho no ensino médio tende a ser mais complicado para os jovens porque, por exemplo, eles provavelmente não vão poder frequentar uma escola em tempo integral que a gente sabe ter uma proposta pedagógica diferenciada e que oferece uma formação mais robusta”, aponta Ivan Gontijo, coordenador de políticas educacionais no Todos Pela Educação.
Ivan ressalta que o senso comum pode fazer com que as pessoas pensem que ajudar em casa é o motivo número um dos estudantes quando decidem trabalhar, algo que a pesquisa revelou não ser necessariamente correto.
“O jovem tem esse anseio de conseguir comprar suas próprias coisas, começar a construir sua vida e deixar de depender exclusivamente da família”
Ivan Gontijo, Todos pela Educação
E ao pensar em construir a própria vida, há também um olhar para o que fazer após a educação básica. 65% dos entrevistados disseram querer fazer uma faculdade após os estudos regulares. No entanto, de acordo com dados recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), somente 24% dos jovens entre 18 e 24 anos acessam o ensino superior.
O ideal, para 30% deste percentual que deseja ingressar em uma faculdade, é equilibrar os dois, o que amplia o desafio. No caso do trabalho durante o ensino médio, Ivan aponta que uma solução – já posta em prática por algumas secretarias no Brasil – é a criação de bolsas para jovens mais vulneráveis.
A rede estadual de Alagoas, por exemplo, lançou no final de 2021 uma série de medidas para combater a evasão de estudantes, entre elas bolas que variam de R$ 100 a R$2 mil para alunos da rede pública.
Ensino Integral
O ensino integral também apareceu na pesquisa como um modelo que, quando conhecido, agrada aos estudantes. No entanto, a diferença de percepção entre quem está no ensino médio integral e quem não está é pequena. 81% dos estudantes dessa modalidade destacaram que as aulas presenciais na escola são boas e favorecem o aprendizado, ante 71% dos que não estão no ensino integral. Outro dado revela que 79% deles sentem que estão aprendendo coisas úteis para a vida na escola, enquanto este número é de 69% para alunos não matriculados no ensino integral.
Mas este não é o melhor modelo para todos. Pedro Victor da Silva, estudante do 3º ano da Unidade Escolar professor Raimundo Portela, em Teresina (PI), é mais crítico a esse modelo. Ele acredita que, em certo sentido, o ensino integral atrapalha quem deseja trabalhar ou quer realizar outras atividades extracurriculares.
“A gente precisa pensar em um ensino de tempo integral no qual a cultura, o esporte, o lazer e a diversidade sejam garantidas. Uma coisa é ter uma escola em tempo integral, onde o aluno chega às sete da manhã e vai até cinco da tarde olhando para o livro e fazendo tarefas, porque a gente sabe que não é o modo que se aprende. A grade curricular é importante, porém vai muito além disso”, afirma o estudante.
A gente precisa pensar em um ensino de tempo integral no qual a cultura, o esporte, o lazer e a diversidade sejam garantidas
Pedro Victor da Silva, estudante
Já Miguel Monjardim, que estudou os três anos do ensino médio em regime integral, afirma que a experiência foi positiva porque o permitiu compreender as próprias aspirações e o que poderia fazer nas etapas seguintes da vida, algo que está presente, por exemplo, no componente de projeto de vida. Morador de Vitória (ES) e recém-formado no CEEMTI (Centro Estadual de Ensino Médio em Tempo Integral) Professor Fernando Duarte Rabelo, o jovem avalia que, para os que podem, “não há modelo melhor” de ensino.
“Eu defendo com unhas e dentes o ensino de tempo integral, mas acredito que existe esse critério para estudar. Querendo ou não, você deve ter a condição de não precisar trabalhar. Eu, felizmente, não tive necessidade e isso me ajudou porque eu podia passar nove horas e meia dentro da escola. Eu tinha essa liberdade” conta Miguel. “Mas se o aluno necessita trabalhar, como é o caso de muitos, infelizmente o tempo integral já não é uma opção viável e a gente sabe que essa é a realidade de muitos brasileiros”, pondera.
O que pensam do Novo Ensino Médio
Por ser uma proposta recente, muitos dos estudantes não estão totalmente informados sobre o modelo. A pesquisa apontou que 41% dos alunos já ouviram falar sobre essa reforma e se consideram mais ou menos informados sobre o tema. 23% não tomou nenhum conhecimento sobre o assunto.
O novo modelo, que começou a ser implementado este ano e que prevê uma série de mudanças como alteração na carga horária e inclusão de componentes curriculares que agrupam áreas do conhecimento, ainda não é totalmente claro por quem está na escola. Somente 27% dos respondentes disseram que estão amplamente informados.
“Acho que na teoria é um passo natural a se pensar, mas acredito que, na prática, nós temos algumas formas [de aplicação] confusas. Os estados estão com determinada liberdade [de implementação] então a forma que o ensino médio está acontecendo no Espírito Santo não é a mesma de outros estados, que também não é a mesma entre a rede pública e a rede particular”, diz Miguel.
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O estudante aponta que há uma confusão não apenas entre os estudantes, como também entre o corpo docente. No Piauí, Pedro também vê certa confusão no modelo e avalia que há uma desconexão entre teoria e prática, principalmente em relação ao maior espaço para aspectos relacionados à vida profissional e de como componentes de sociologia e filosofia serão ensinados dentro das áreas de conhecimento.
Ensino técnico e trabalho
Em relação ao ensino profissional e técnico, a pesquisa aponta uma lacuna ainda maior. 47% dos entrevistados disseram não ter nenhum conhecimento a respeito da modalidade e somente 12% afirmam conhecer e se sentir bem informados.
Ivan aponta que essa modalidade pode ser uma medida que considera interessante e que conversa tanto com questões de trabalho, quanto da própria educação.
“A gente sabe que tem muito isso nas Etecs (Escolas Técnicas) e nos Institutos Federais onde o jovem faz a formação técnica e também tem a oportunidade, por exemplo, de fazer o estágio numa empresa como uma espécie de jovem aprendiz mais robusto. Quando você consegue integrar o trabalho com a formação é mais potente para o jovem. O problema é que muitos desses jovens acabam entrando no mercado de trabalho de maneira muito informal, ajudando os pais ou fazendo uma entregas. Eles nem sempre ganham tanto e isso acaba muitas vezes prejudicando nos estudos”, reflete.
A pesquisa utilizou metodologia quantitativa por meio de abordagem pessoal na proximidade das escolas. A pesquisa teve abrangência nacional, respeitando a distribuição de estudantes com base nos dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). A margem de erro para os dados nacionais é de 2 pontos percentuais. Além do resultado nacional, no site do Todos pela Educação é possível acessar números estaduais.