Ciências na escola aproximam alunos da engenharia
Trabalhar com projetos que envolvam matemática, ciências e tecnologia é aposta de instituições brasileiras de ensino básico
por Fernanda Kalena 17 de julho de 2014
No Brasil, o ensino de tecnologia e das áreas relacionadas a ela no ensino básico, como matemática e ciências, ainda é bastante limitado, se comparado com o que ocorre em escolas de países como os Estados Unidos, onde existe até um termo para agrupá-los, o Stem (acrônimo para science, technology, engineering, and mathematics). A falta de aprofundamento em ciências na escola nas aulas traz consequências, principalmente para as carreiras derivadas delas, como é o caso das engenharias.
Nesta reportagem, que dá sequência à série “O futuro do ensino da engenharia”, realizada em parceria com a Escola Politécnica da USP, o Porvir mostra a importância das ciências na escola e do desenvolvimento de projetos na área para revelar talentos, preparar estudantes para o ensino superior e para o mercado de trabalho.
Para Cristiane Tavolaro, professora do departamento de física da PUC-SP, que leciona em cursos de engenharia, um grande desafio para formar bons profissionais atualmente é derivado da lacuna no aprendizado dos jovens durante a formação escolar. “Para formarmos um bom engenheiro em cinco anos, o aluno teria que entrar na universidade com uma bagagem mais sólida de ferramentas de matemática e conceitos de ciência básica, como física e química. Como o primeiro ano de curso acaba sendo de nivelamento, precisaríamos de seis ou sete anos para formar adequadamente esse profissional”, analisa a professora.
Segundo ela, os estudantes deveriam ao longo do ensino médio aprimorar as práticas em laboratórios, aprender a analisar dados, construir gráficos utilizando escalas adequadas, fazer leituras e extrair informações deles, para que isso fosse aperfeiçoado e aprofundado no ensino superior. “Dificilmente os estudantes passam por essas situações com uma frequência que lhes permita adquirir habilidades e confiança para evoluir,” completa Tavolaro.
Roseli Lopes, professora da Escola Politécnica da USP e coordenadora-geral da Febrace (Feira Brasileira de Ciências e Engenharia), diz que essa situação reforça a necessidade de aproximação desses temas da rotina escolar. “Desde o ensino básico, e não apenas no ensino médio, é super importante realizar atividades de aprendizagem em ciências e sistemas tecnológicos para que os estudantes entendam como é o mundo e como as coisas funcionam.”
Cientes desses desafios, algumas escolas têm buscado essa aproximação para dar aos alunos a possibilidade de experimentar e desenvolver projetos ligados à área de Stem. No caso do Pentágono, colégio da capital paulista, os alunos foram convidados a participar de oficinas de robótica realizadas no contraturno, que conta com aulas de programação, fazendo uso do Scratch e de prototipagem com o Arduino.
Durante as oficinas, os alunos desenvolvem projetos que envolvem desde a construção de um abajur que automaticamente acende no escuro e se apaga no claro, até um protótipo de uma casa inteligente, no qual para cada cômodo vão ser pensados recursos tecnológicos. “A proposta é fazer os alunos perceberem que para construir essas coisas são envolvidos recursos de diversas áreas, da física, da matemática, e que eles têm uma aplicação prática na vida das pessoas. E também, além de todo esse entendimento teórico, que eles aprendam a manusear os equipamentos”, conta Gustavo Tahan Pohl, coordenador do colégio.
Outra instituição que também se preocupa em atrelar a formação básica com essas áreas do conhecimento é o Sesi de São Paulo. Fora da grade curricular, é oferecido aos estudantes do 6o ano do fundamental ao 1o do médio a oportunidade de participarem de torneios e competições de robótica. Através dessas competições, os alunos são instigados a pesquisar, estudar e se aprofundar nos temas de matemática, ciências e tecnologia. E segundo o professor Mário Eugênio Simões Onofre, coordenador do programa de robótica do Sesi, isso desenvolve neles a busca por soluções e habilidades para resolução de problemas.
“Eles desenvolvem uma série de competências quando, por exemplo, quando tem que programar um robô para andar em linha reta, ou fazer uma curva. Isso são cálculos que envolvem seno, cosseno, tangente, transformação de graus em centímetros. Às vezes eles nem aprenderam isso ainda, mas vão atrás dos professores para pedir ajuda”, conta Onofre.
Outro ponto positivo que o professor ressalta é a mudança de percepção dos estudantes em relação ao que é a engenharia. “Desmistificamos a tecnologia e as ciências, e por consequência a engenharia que é o meio, a forma de deixar o que a ciência e a tecnologia desenvolvem palpável”, argumenta. No caso do Sesi, por ser uma instituição subsidiada pela indústria privada, essa desmistificação ganha ainda mais peso. “É na indústria que a tecnologia vira produto e chega nas pessoas. Queremos mostrar que a tecnologia está muito presente na vida de todos e dar possibilidades para eles se aproximarem desse universo”, completa o professor.
Ensino baseado em projetos
Nas duas instituições, os temas de Stem são trabalhados através de projetos. E é exatamente essa a sugestão que Cristiane Tavolaro – que além de docente é assessora da Gedutec Educacional (empresa de consultoria em tecnologias educacionais e didáticas de ensino para escolas) – faz a instituições que querem abrir esse espaço. “A escola é muitas vezes pressionada a levar os estudantes à universidade, mas ela têm que dar espaço para a realização de projetos, pois é assim que os alunos vão se desenvolver. Vão passar por um problema, se envolver com ele, escolher caminhos para solucioná-los, pensar num plano e executá-lo para chegar num resultado”, argumenta.
Segundo ela, após passar por este tipo de experiência, o aluno vai estar mais preparado para desenvolver e aprofundar seus conhecimentos nessas áreas. “Ele chegará na universidade como se já tivesse feito uma iniciação científica, ele aprende a ser pesquisador”, completa.
Além disso, Roseli Lopes adiciona que esse tipo de trabalho na educação básica pode auxiliar na descoberta de talentos que nem sempre estão evidentes. “Não podemos desperdiçar talentos. As escolas precisam ofertar atividades para que estudantes que têm afinidade com ciências e engenharia se descubram e desenvolvam suas competências para se preparem para atuar na área”, finaliza